Acórdão nº 272/08.2TVPRT.P3 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 272/08.2TVPRT.P3 – 4ª Vara Cível do Porto Rel. F. Pinto de Almeida (R. 1369) Adj. Des. Teles de Menezes; Des. Mário Fernandes Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.

B… intentou esta acção declarativa sob a forma ordinária contra C…, SA.

Pediu a condenação da ré no pagamento da importância de 134.566,42 euros, acrescida dos juros de mora legais desde a citação até integral pagamento.

Como fundamento, alegou que é legítima portadora de diversos cheques sacados sobre a ré e que, apresentados a pagamento, foram estes devolvidos pela mesma ré com fundamento em “revogação por justa causa”, apondo a indicação nos mesmos que teriam sido extraviados. E, porque a ré aceitou sem mais a ordem de “revogação” dos cheques, não procedendo ao seu pagamento nem curando de averiguar sobre a licitude da “revogação”, conclui que a ré infringiu as disposições legais referentes à circulação dos cheques como meio de pagamento, nomeadamente por violação do disposto no art. 32 da LUCH, fazendo-a incorrer em responsabilidade extracontratual e como tal devendo indemnizar a autora no valor daqueles cheques.

Contestou a ré, pugnando pela improcedência da acção, com fundamento em que recusou os cheques por indicação das entidades sacadoras de que os mesmos se teriam extraviado (juntando os documentos em que constam tais declarações), conduta que não infringe as suas obrigações legais, mormente o disposto no art. 32 da LUCH, tendo-se limitado a cumprir a indicação dada pelos seus clientes (em relação ao declarado extravio).

Acrescentou ainda que, mesmo que assim não fosse, os cheques não obteriam pagamento, uma vez que as respectivas contas, nas datas de apresentação a pagamento, não se encontravam provisionadas para o efeito, alegando finalmente que alguns desses cheques foram apresentadas depois do prazo de oito dias a que se refere o art. 29 da LUCH.

A autora respondeu à contestação, mantendo o por si alegado na petição inicial mas, aceitando que as entidades sacadoras participaram à ré o “extravio” dos cheques em causa, afirma que esta ré deveria ter averiguado a veracidade de tal informação/declaração, alegando ainda que os cheques foram entregues para pagamento dentro dos prazos legais do art. 29 da LUCH.

Proferido despacho saneador/sentença que absolveu a ré dos pedidos formulados pela autora e não se conformando com a decisão, a autora recorreu da mesma, recurso que obteve provimento, determinando-se que se procedesse à fixação da base instrutória relativamente à questão de se saber se os cheques juntos aos autos foram ou não apresentados “dentro do prazo de pagamento previsto no art. 29 da LUCH”.

Porque se entendesse que tais factos (datas) constavam já dos próprios documentos (no verso dos cheques), por carimbos apostos pela própria ré e não impugnados como sendo seus, datas essas aceites também pela autora, foi proferido novo saneador sentença de acordo com o mais decidido naquele acórdão.

Inconformada, recorreu então a ré, tendo esta Relação ordenado o prosseguimento da lide com indicação da matéria de facto assente e ampliação da base instrutória.

Cumprindo-se o assim determinado, o processo prosseguiu a tramitação normal e, a final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, decidindo-se: A- Condenar a ré C…, SA a pagar à autora B…, ambas com os demais sinais dos autos, a quantia global de 107.862,00 euros (cento e sete mil oitocentos e sessenta e dois euros, correspondente ao valor dos cheques nº 1 a 9 e 11 a 14 acima identificados); B- Condenar a mesma ré a pagar à autora a quantia de 1.250,06 euros (mil duzentos e cinquenta euros e seis cêntimos), pelas despesas cobradas com a devolução dos cheques; C- Todas estas quantias acrescidas dos juros de mora à taxa legal, a contar da citação da ré e até integral e efectivo pagamento; D- Absolver a ré do demais peticionado pela autora.

Discordando desta decisão, dela interpôs recurso a ré, tendo apresentado as seguintes Conclusões: 1. O Banco recorrente cumpriu integral e escrupulosamente as instruções, válida e eficazmente, transmitidas pelos sacadores dos respectivos cheques.

  1. O Banco recorrente como qualquer outra Instituição de Crédito, não tem que sindicar as razões que levam, uma sua cliente, a instruí-lo no sentido do cancelamento dos cheques em causa.

  2. No contrato de cheque, os sujeitos do mesmo, são a sacadora do mesmo e o Banco - sacado, sendo a tal relação, totalmente estranha o beneficiário do mesmo, em concreto, a apelada.

  3. O A.UJ. 4/2008, não acolhe a pretensão da recorrida.

  4. Na fundamentação do referido A.UJ., refere-se, que se encontram excluídos os casos de extravio, furto e outros, de emissão ou apropriação fraudulentas do cheque.

  5. Como se disse em tal AUJ: Os casos de extravio, furto e outros, de emissão ou apropriação fraudulentas do cheque, embora muitas vezes referenciados como justificando a respectiva revogação, exorbitam do âmbito de aplicação do art. 32º da LUCH, não decorrendo desta norma qualquer obstáculo à recusa de pagamento de tais cheques pelo sacado.

  6. O direito de crédito de que a apelada se arroga titular encontra-se excluído da previsão do art. 483º, nº 1, 1ª parte do C.c., já que não se trata de um direito subjectivo/absoluto ("direito de outrem").

  7. A conduta do Banco não revela qualquer indício de ilicitude.

  8. Não é, exigível, ao recorrente que, em matéria de cancelamento de cheques por invocado extravio, tenha, de alguma forma, de policialmente ter que indagar, junto do portador da veracidade ou não de tais invocações do sacador.

  9. Nem, de qualquer forma, promover a retenção dos cheques em causa, não os devolvendo ao apresentante dos mesmos.

  10. Nem tal facto pode ser, de forma alguma, considerado como indiciador da suspeita de inveracidade das declarações emitidas pelo sacador dos mesmos.

  11. Nem incumbe aos Bancos assegurar o contraditório entre sacador e portador do cheque e dirimir o litígio em causa.

  12. A complexidade inerente ao funcionamento do sistema bancário, consubstanciado no elevado volume de negócios e no curto prazo previsto para aposição das menções na fase da Compensação, impede uma larga indagação no sentido de apurar se a declaração do sacador corresponde, ou não, à realidade.

  13. A relação Banco - cliente baseia-se na confiança e que uma das regras basilares que ainda impera no nosso ordenamento jurídico, particularmente no que concerne aos contratos, reconduz-se ao princípio da boa fé.

  14. Encontra-se inverificado um dos pressupostos essenciais da alegada responsabilidade civil extracontratual do Banco Recorrente, a saber, a ilicitude.

  15. 0 Banco recorrente não podia deixar de acatar as instruções da sacadora, sua cliente, até porque, para além das diligências efectuadas, não tinha possibilidades de indagar se as mesmas correspondiam à verdade.

  16. Pelo Banco recorrente foram, escrupulosamente, cumpridas as normais legais vigentes, bem como o disposto no Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária previsto na Instrução 25/2003, do Banco de Portugal.

  17. De tudo quanto se deixou exposto decorre que o Banco recorrente não pode ser responsabilizado pelo não pagamento dos cheques em discussão nos autos, porquanto o mesmo foi motivado numa justa causa de não pagamento.

  18. 0 dever de indemnizar previsto no art. 483º do C.C., pressupõe a verificação cumulativa de vários elementos, a saber, o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

  19. 0 Banco recorrente actuou de forma responsável, não tendo violado qualquer direito ou disposição legal, nem causado qualquer prejuízo a esta, pelo que nada lhe tem a pagar, designadamente a quantia peticionada.

  20. Na verdade, não ocorreu por parte do Banco recorrente a violação de qualquer dever ou obrigação de efectivação do pagamento reclamado.

  21. Nem por outro lado, se verifica qualquer nexo de causalidade entre a conduta do Banco recorrente e quaisquer danos alegadamente sofridos pela recorrida.

  22. As contas sacadas não detinham, em qualquer momento, fundos suficientes para que os cheques em causa nos autos fossem pagos.

  23. De forma que o não pagamento, pelo motivo invocado de extravio, não constitui causalidade adequada à produção dos danos reclamados pela recorrida, nos termos em que o foram.

  24. 0 Banco recorrente não violou, de forma dolosa, ou sequer negligente, e ilícita o direito de um qualquer terceiro, bem como, qualquer norma, destinada a proteger os interesses da recorrida. iA )/J} 26. Não agiu o Banco recorrente, de forma alguma como autor, instigador ou auxiliar de qualquer facto ilícito, para com a recorrida. 27. 0u seja, em concreto e de forma clara, não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos prevista nos artigos 483º e segs. do C.C.

  25. Pelo que não pode ser o Banco recorrente responsabilizado civilmente pelo pagamento dos cheques a que a sentença alude, nem dos respectivos juros sobre os mesmos, bem como pelas despesas de devolução dos mesmos.

  26. A sentença recorrida, violou como tal, por errada aplicação ou interpretação, o artigo 32º da L.U.C.H. e os artigos 483º, 487º, 497º, 559º, 804º, e 806º, todos do Código Civil.

    Termos em que, no provimento do presente recurso, deve a sentença revidenda ser integralmente revogada, decretando-se a absolvição integral do Banco ora Apelante.

    A autora contra-alegou, concluindo pela improcedência da apelação.

    Após os vistos legais, cumpre decidir.

    II.

    Questões a resolver: Defende a Recorrente que: - Existiu justa causa para o não pagamento dos cheques, pelo que a recusa de pagamento não configura uma actuação ilícita; - Não existe nexo de causalidade entre essa conduta e o dano alegado, correspondente ao valor dos cheques, uma vez que a conta sacada não dispunha de fundos suficientes para pagamento desses cheques.

    III.

    Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos: a) A autora B… é portadora de 14 cheques sacados sobre o banco réu, C…, a saber: 1. Cheque nº …….664 datado de...

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