Acórdão nº 120/10.3TBSJM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 31 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ARAÚJO
Data da Resolução31 de Janeiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

PROC. N.º 120/10.3TBSJM.P1 Do 2º Juízo do Tribunal Judicial de São João da Madeira.

REL. N.º 702 Relator: Henrique Araújo Adjuntos: Fernando Samões Vieira e Cunha*ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I.

RELATÓRIO “B…, Lda.”, com sede na Rua …, …, Fracção ., n.º …, São João da Madeira, propôs a presente acção em processo comum, sob a forma sumária, contra “C…, S.A.”, com sede na …, nºs … e …, no Porto, e D…, casado, residente na Rua …, n.º …, …, Santa Maria da Feira, peticionando a condenação destes no pagamento da quantia de 23.060,93 €, acrescida de juros de mora à taxa legal até integral pagamento.

Alegou, para tanto, que sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais que avalia naquele quantitativo, resultantes do facto de o 2º Réu haver falsamente informado a 1ª Ré que dois cheques que havia entregue à Autora para pagamento de fornecimentos efectuados se tinham extraviado, levando a que a 1ª Ré os devolvesse sem proceder ao respectivo pagamento.

Disse ainda que o acto ilícito gerador de responsabilidade civil foi praticado não só pelo 2º Réu como também pela 1ª Ré, posto que, por si sido informada de que era a legítima portadora dos aludidos cheques, não cuidou de exigir do 2º Réu a comprovação da sua invocação de extravio e manteve a recusa do seu pagamento.

Os Réus contestaram.

A Ré “C…, S.A.” negou a prática de qualquer acto ilícito e muito menos culposo, referindo que se limitou a obedecer às instruções dadas pelo seu cliente para cancelamento dos cheques por motivo de extravio, não lhe sendo exigível que desenvolvesse averiguações tendentes a apurar a veracidade daquela declaração; de resto, se desrespeitasse aquelas instruções incorreria por sua vez em responsabilidade contratual perante o seu cliente por violação do artigo 1161º, n.º 1, alínea a), do Código Civil; nega também qualquer prejuízo para a Autora na medida em que a conta da sacadora dos ditos cheques não se encontrava devidamente aprovisionada, pelo que nunca os mesmos seriam pagos.

O Réu D…, por seu turno, excepcionou a sua ilegitimidade e impugnou grande parte dos factos constantes da petição inicial. Invocou ainda o estado depressivo em que se encontrava na ocasião, facto que o terá levado a comunicar ao Banco o extravio dos cheques por não ter ideia de os ter emitido, preenchido e entregue a quem quer que fosse, sendo certo que, de qualquer modo, sempre actuou na qualidade de representante legal da sociedade comercial “E…, Lda.”, não podendo ser-lhe assacada responsabilidade civil pessoal.

Na resposta, a Autora reafirmou a legitimidade do 2º Réu face à causa de pedir alegada e pediu a sua condenação como litigante de má fé por ter negado que tenha assinado os cheques em questão; quanto à 1ª Ré, a Autora defende que, como resulta da sua própria contestação, descurou por completo a indagação sobre a existência de indícios sérios para a justificação dada pelo 2º Réu para a ordem de cancelamento do pagamento dos cheques, sendo nessa actuação que reside a sua culpa e consequente obrigação de indemnizar a Autora.

Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção da ilegitimidade invocada pelo 2º Réu, e seleccionou-se a matéria de facto considerada relevante, distribuída pelos Factos Assentes e pela Base Instrutória, sem qualquer reclamação.

Realizou-se a audiência de julgamento, com gravação da prova, tendo-se respondido à matéria da base instrutória pela forma e com a fundamentação que consta de fls. 120 a 123, sem que surgisse qualquer reclamação das partes.

Por fim, foi proferida a sentença que, na parcial procedência da acção, absolveu a 1ª Ré do pedido e condenou o 2º Réu, D…, a pagar à Autora a quantia de 17.116,97 € (dezassete mil, cento e dezasseis euros e noventa e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento à taxa legal sucessivamente em vigor para os juros civis.

Desta decisão recorreram o 2º Réu e a Autora, sendo-o esta subordinadamente.

Os recursos foram admitidos a fls. 207 dos autos, fixando-se-lhes o efeito devolutivo.

No seu recurso, o 2º Réu D…, pede a revogação da sentença com base nas seguintes conclusões: DA ILICITUDE E CULPA DO 2º RÉU A - Tendo em conta todo o depoimento de parte do Réu no que concerne ao por si confessado e o depoimento das testemunhas F… e G…, do confronto destes, deveria o quesito 3 ter sido dado como não provado e em consequência o ponto 11 da fundamentação de facto vertida na Sentença deveria ter uma ressalva que o cheque “... entregue à A. dentro dos escritórios desta em data que não se pode precisar”, pois do confronto destes depoimentos não ficou provado com toda a segurança que o referido cheque tivesse sido entregue na data em que dele se fez constar, 21/08/2008; B - Assim como resulta da parte confessada pelo 2º Réu que o quesito 2, dado como provado, deveria ter sido ressalvado com a menção que “...tendo este admitido não ter havido qualquer extravio quando, após comunicação do Banco que lá se encontrava um cheque para o qual não havia provisão na conta sacada, confrontado com o mesmo, constatou que tinha aposta a sua assinatura” e em consequência, a mesma ressalva deveria ter sido aposta no ponto 13 da fundamentação de facto vertida na Sentença.

C - Decorre de toda a prova produzida e segundo as regras de experiência e dos usos do meio comercial em causa, que os cheques dos autos foram entregues pelo 2º Réu à Autora muito tempo antes das datas neles inscritas.

D – Embora não se tenha provado qual a data precisa em que os mesmos foram entregues, mas seguramente muito tempo antes, pelo menos entre 30 a 60 dias, como depôs a testemunha G… “Normalmente os cheques são passados a 60 dias...” E - Apenas o facto de os cheques em causa terem sido emitidos em data anterior àquela que deles se fez constar torna verosímil e efectivamente possível que, algum tempo mais tarde, quando depositados, o 2º Réu os tenha dado como extraviados, logo que alertado pela entidade bancária para o facto da conta sacada não estar provisionada.

F - Dado que a Autora e a sociedade da qual o aqui recorrente era sócio gerente já não mantinham relações comerciais, pelo menos desde alguns meses antes de Junho de 2008, (veja-se o que disse a testemunha G… aos costumes) “Estava lá e já não tinha trabalho há muitos meses” e ainda quando inquirida: “Quando saiu da E…?” “Em Junho de 2008”, nenhum interesse financeiro ou comercial tinha o aqui recorrente ou a sociedade da qual era sócio gerente, na entrega dos cheques para fazer crer à A. que os mesmo iriam ser pagos e no mesmo momento os dar como extraviados.

G - Pensar-se que o 2º Réu entrega os cheques à A. e no mesmo momento declara o seu extravio é um absurdo, até porque o 2º Réu, aqui recorrente estava consciente que os cheques devolvidos por falta de provisão tinham como consequência a rescisão da convenção de cheque (inibição do uso de cheques), facto dado como provado e confessado pelo 2º Réu e motivo da declaração de extravio.

H - Assim, sendo do seu conhecimento - como era - na data dos cheques que a conta sacada não estava provisionada, nem sequer tinha assinado, emitido e entregue os cheques à A..

I – Os cheques foram entregues para pagamento de reformas de Letras e muito tempo antes das datas neles apostas; Não foram para pagamento de mercadoria, nem o foram para que a A. fornecesse mais mercadoria, pelo que o 2º Réu, ora recorrente, não tinha qualquer motivo para em simultâneo ou em datas muito próximas entregar os cheques à A. e os dar como extraviados.

J - Sentido faz que tenham sido entregues muito tempo antes das datas neles apostas, convencido o 2º Réu que na data do seu pagamento poderia ter a conta provisionada e que, confrontado pelo banco com o facto de os cheques terem sido depositados e a conta não estar provisionada, para evitar a sanção da revogação da convenção do cheque, inibição do uso de cheques, deu os mesmos como extraviados.

L - Sabendo a A. ou pelo menos não poderia deixar de conhecer que face a toda a história da sociedade da qual o 2º Réu era sócio-gerente, pelo menos o segundo cheque, datado de 15/09/2008, com toda a probabilidade não teria provisão.

M - Quanto à apreciação da ilicitude e culpa do 2º Réu, vai mal o Tribunal a quo, quando dá como provado que a apresentação dos cheques ocorreu nas datas da emissão e quando fundamenta que um bonus pater familias não teria falsamente declarado um extravio... e antes disso não os teria sequer entregue quando não havia fundos na conta sacada.

N - Jamais dos factos dados como provados resulta que o 2º Réu, quando emitiu os cheques, sabia que a conta não estava provisionada, isto quanto a ambos os cheques e atentatório quanto ao cheque datado de 30/09/2008.

O - Pelo que, do comportamento do 2º Réu dado como provado, não se pode concluir que a emissão dos cheques tenha constituído um facto ilícito e culposo, apenas se aceita quanto à declaração de extravio.

QUANTO AO NEXO DE CAUSALIDADE, P - Foi dado como provado que: a) os cheques foram para pagamento de reformas de Letras e jamais para pagamento de mercadorias; b) a conta sacada não se encontrava provisionada na data em que os mesmos foram apresentados a pagamento; Q - Assim, mesmo que o 2º Réu não declarasse o extravio dos cheques, aqueles não seriam pagos, pelo que o não pagamento dos cheques, não se ficou a dever à declaração de extravio , mas ao facto da conta não se encontrar provisionada.

R - Não se corrobora a conclusão vertida na Sentença de que “... não fosse essa conduta de emitir e entregar cheques para os quais não havia provisão na conta sacada, e posteriormente declarar que haviam sido extraviados para obter do Banco sacado recusa de pagamento dos mesmos, e o referido prejuízo não se teria verificado.” S - O prejuízo da A. já se tinha verificado aquando do não pagamento das Letras no respectivo vencimento e das reformas destas, sem a correspondente amortização.

T - Mesmo que o 2º Réu não tivesse emitido os cheques, a A. já conhecia aquele...

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