Acórdão nº 8/11.0TESTB-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 31 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução31 de Janeiro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Évora
  1. No processo nº 8/11.0PESTB do TIC de Setúbal, o arguido NA interpôs recurso do despacho do Sr. Juiz de Instrução Criminal que, após interrogatório de arguido detido, determinou que aquele aguardasse julgamento em prisão preventiva, por considerar suficientemente indiciada a prática por ele de um crime de tráfico de estupefaciente do artigo 21º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, e a existência de perigo de continuação da actividade criminosa, perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, e perigo de fuga.

    Apresentou as seguintes conclusões: “1.Vem o presente recurso interposto do despacho que determinou a aplicação ao Arguido, ora Recorrente, da medida de coacção de prisão preventiva; 2. No referido despacho, ora recorrido, o Mm.º Juiz de Instrução Criminal, considerou existirem, em concreto, o perigo, em razão da personalidade do arguido, de que este perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas, perigo de perturbação do decurso do inquérito, da instrução do processo, perigo de continuação da actividade criminosa e perigo de fuga; 3. Sucede, porém, que com excepção do perigo de continuação da actividade criminosa, os restantes perigos não se verificam! 4. Com efeito, a prisão preventiva do ora Recorrente foi determinada, porquanto o senhor juiz de instrução criminal considerou que, resulta fortemente indiciado que o ora Recorrente, utilizando o número de telemóvel 91..., vendeu canabis-resina a CR, que utilizava o número de telemóvel 91..., em Outubro e em 27 de Novembro de 2011; 5. Aconteceu que, conforme se referiu no despacho ora recorrido, os «presentes autos encontram-se em investigação há um considerável período de tempo, tendo sido realizadas vigilâncias com captação de imagens e interceptações de comunicações telefónicas». – Cfr. fls 49 e 50 do despacho recorrido; 6. No entanto, apesar dos autos estarem sob investigação desde Fevereiro de 2011, a «suposta» actuação do ora Recorrente circunscreve-se, em concreto, àquela que é descrita no auto de detenção, do dia 27 de Novembro de 2011; 7. Já que, relativamente à «suposta» transacção ocorrida em Outubro de 2011, não existe qualquer prova nos autos em apreço de que tal tivesse, efectivamente, ocorrido; 8. Pois que, como é sabido, a escuta telefónica relatada nos presentes autos (cfr. fls 1393 a 1400) não pode ser considerada como prova, mas sim como meio de obtenção de prova; 9. Pelo que, não tendo essa escuta telefónica resultado na obtenção de prova, propriamente dita, designadamente através da realização de vigilâncias, testemunhos ou apreensões; 10. Não poderá, obviamente, esse meio de obtenção de prova ser considerado como prova real, certa e segura da verificação de determinado facto; 11. Ou seja, de que em Outubro de 2011, o arguido, ora Recorrente, vendeu ao arguido CR produto estupefaciente; 12. Por outro lado, e embora houvesse decorrido nove meses de investigação, à excepção dos arguidos CR e BM, o ora Recorrente não tinha qualquer ligação com os restantes arguidos do processo, como, aliás, é referido pelo senhor juiz no despacho ora recorrido; 13. E a única ligação existente ao arguido CR é aquela a que se reporta o auto de detenção, do dia 27 de Novembro de 2011 –cfr. fls 1703 a 1704; 14. Razão pela qual, não entende o ora Recorrente, como pôde o senhor juiz concluir que o mesmo actuava de forma organizada com os restantes arguidos, se o mesmo nem sequer os conhecia!; 15. Por outro lado, é de salientar que os autos em apreço correm em Setúbal, sendo o ora Recorrente do Algarve; 16. De igual forma, não existe nenhuma prova concreta no processo que aponte no sentido de que o ora Recorrente tem uma forte «organização produtiva»; 17. Pois que, as sementes de liamba apreendidas na residência do ora Recorrente e a fotografia tirada a uma «estufa artesanal», não são suficientes para se concluir que o mesmo tinha uma «forte organização produtiva».

  2. E tanto assim é, que a referida «estufa artesanal» nem sequer foi apreendida, dada, certamente, a sua total irrelevância para os factos em investigação; 19. Razão, pela qual, embora se admita que os factos relatados no auto de detenção consubstanciem a existência do perigo de continuação da actividade criminosa, a existência do mesmo não é suficientemente forte ao ponto de nos permitir concluir, com segurança, pela aplicação da mais gravosa das medidas de coacção, a prisão preventiva; 20. Atento o facto de o ora Recorrente não ter qualquer registo criminal, nunca ter estado preso, nem respondido em Tribunal, viver com a família biológica, ter uma empresa familiar, na qual trabalha com a mãe; 21. Já quanto ao perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, tal perigo encontra-se particularmente relacionado com o direito à liberdade e à segurança dos cidadãos que possam ser potenciais vítimas da conduta criminosa dos arguidos; 22. No despacho ora recorrido, o senhor juiz considerou que se verificava a existência de tal perigo, em face da natureza do crime, «porquanto é frequente a existência de ilícitos como o que está em análise nos presentes autos nesta comarca e não só criando grande miséria social, insegurança e sentimento de medo a todos quantos aqui residem, a qual é necessário acautelar; 23. Salvo o devido respeito, o arguido, ora Recorrente, não pode concordar com esta conclusão; 24. Com efeito, o ora Recorrente tem 30 anos, vivia no Algarve com os seus pais, irmã, avó e tia avó, tem uma empresa familiar, na qual trabalha com a sua mãe, tem uma filha menor, contribuindo com €100 para uma conta poupança, não tem qualquer registo criminal, nunca esteve preso nem respondeu em Tribunal, e até 27 de Novembro de 2011, não era conhecido nos autos em referência; 25. Razão pela qual, entende que, embora os factos praticados nos autos em referência, sejam graves, o seu comportamento, ao longo da sua vida, como homem, como filho, pai e trabalhador, afastam a existência de qualquer perigo para a comunidade em geral; 26. O senhor juiz de instrução criminal considerou ainda, existir «um perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, porquanto como se sabe, neste tipo de criminalidade, muita prova é feita por declarações, quer de co-arguidos, quer de consumidores, e a possibilidade de contacto entre co-arguidos ou entre arguidos e consumidores é propiciadora de a coacções por parte dos perpetrantes das actividades ilícitas, com vista a não permitir a descoberta integral da verdade e assim se eximirem às consequências penais das suas condutas»; 27. Mais uma vez, o ora Recorrente não pode concordar com esta conclusão, a qual é vaga e não assenta em nenhum facto concreto, da personalidade e conduta do ora Recorrente, que nos leve a formular tal conclusão; 28. Para além da investigação decorrer há cerca de 10 meses, o ora Recorrente, à excepção dos arguidos CR e BM, nenhuma ligação tem aos restantes arguidos; 29. Vivendo no Algarve, não lhe é conhecido qualquer contacto com os consumidores referenciados ou testemunhas nos presentes autos; 30. Tal bastaria para que o perigo de perturbação do inquérito ou da instrução do processo do ora Recorrente não pudesse ser razoavelmente perspectivado; 31. Quanto ao perigo de fuga, o senhor juiz considerou que «existe igualmente um real perigo de fuga. É que face à elevada moldura penal abstracta aplicável, todos os arguidos sentirão um forte incentivo a subtraírem-se à acção da justiça».

  3. Uma vez mais, discorda o ora Recorrente de tal conclusão.

  4. Relativamente ao perigo de fuga, ele deve ser real e iminente, e resultar de factos concretos da personalidade do arguido, e não meramente hipotético, virtual ou longínquo; 34. «Devendo resultar da ponderação de factores vários, como seja toda a factualidade conhecida no processo e a sua gravidade, bem como quaisquer outros, como a idade, saúde, situação económica, profissional e civil do arguido, bem como a sua inserção no contexto social e familiar»; 35. O arguido, ora Recorrente, vive com a família, tem uma empresa familiar, na qual trabalha com a mãe no fabrico de pão e pastelaria e na sua distribuição, dedica-se ainda à produção agrícola e à criação de animais, não tem antecedentes criminais, nunca esteve preso ou foi presente a juiz, e sempre viveu em Portugal, tendo ainda, um nível de vida modesto; 36. Razão, pela qual, entende o arguido, ora Recorrente, não se verificar nos autos em apreço, um real e concreto perigo de fuga; 37. Para além disso, será óbvio que não pode fundamentar-se a manutenção de tal medida de coacção, na pena que, previsivelmente, vier a ser aplicada ao ora Recorrente em sede de audiência de julgamento.

  5. Nesta conformidade, e em conclusão, deverá ser revogado o despacho recorrido e, consequentemente, determinar-se a aplicação ao ora Recorrente de uma medida de coacção menos gravosa, o que se requer, desde já.

  6. Como é comummente sabido, a prisão preventiva é uma medida de coacção que só deve ser aplicada em última instância, e verificado que seja, no mínimo, um dos três pressupostos enunciados no art.º 204º do C.P.Penal; 40. Ora, no caso em apreço, apesar de se considerar existir o perigo de continuação da actividade criminosa, o mesmo não é suficiente para se concluir que só a prisão preventiva é adequada a salvaguardar a verificação de tal perigo; 41. Podendo tal perigo de continuação da actividade criminosa ficar salvaguardado com a aplicação da medida de coacção obrigação de permanência na habitação, sob vigilância electrónica, o que se requer, desde já; 42. Atento o atrás exposto, será óbvio que a manutenção da medida de coacção de prisão preventiva é manifestamente injustificada e legalmente intolerável, impondo-se a sua substituição pela obrigação de permanência na habitação; 43. Finalmente, atento o disposto no art.º28º, n.º2 da CRP, que obriga à subsidiariedade...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT