Acórdão nº 433/11.7TAPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução25 de Janeiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO 1.

No processo comum singular n.º 433/11.7TAPBL do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, por despacho de 23 de Setembro de 2011, foi rejeitada, por manifestamente infundada, a acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido A...

, devidamente identificado nos autos, na qual lhe era imputada a prática de um crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, alínea b) do C.Penal.

2.

Inconformado, o Ministério Público recorreu deste despacho proferido nos termos do artigo 311º do CPP, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1. O Ministério Público deduziu acusação contra o arguido A..., imputando-lhe a prática do crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348°, n.° 1, alínea b), do Código Penal.

  1. Por despacho de 23 de Setembro de 2011, a MM Juiz a quo rejeitou a acusação público deduzida pelo Ministério Público por a considerar manifestamente infundada, dado a seu ver os factos não constituírem crime.

  2. Decorre dos elementos carreados para os presentes autos que, na sentença proferida nos autos de Processo Comum Singular n.° 23/07.9GBPBL, foi cominada pela MM Juiz o crime de desobediência pela falta de entrega da carta de condução pelo arguido, no prazo de dez dias após o trânsito, trânsito esse que ocorreu e produziu os seus efeitos penais dali decorrentes.

  3. Não devia o Tribunal considerar ser ilegítima nem emanar de autoridade incompetente aquela cominação com a prática de um crime de desobediência, nos termos do artigo 348°, n.° 1, alínea b), do Código Penal, pela falta de entrega da carta de condução no prazo de dez dias após o trânsito.

  4. Decidir como decidiu o tribunal a quo acarreta um esgotamento da norma do artigo 348°, n.° 1, alínea b), do Código Penal nos casos em que a advertência é feita, como o foi no caso dos autos com a finalidade de garantir o cumprimento da pena acessória em que o arguido foi condenado e, nessa medida, proteger a autonomia intencional do Estado de Direito.

  5. O crime de desobediência consumou-se com a omissão do acto determinado, consubstanciada, no caso, com a falta de entrega da carta de condução pelo arguido no prazo de dez dias após o trânsito.

  6. Se se entender que não é legítimo cominar a falta de entrega da carta de condução com a prática do crime de desobediência e se o arguido recusasse a entrega da carta perante a autoridade policial, nos termos do artigo 500°, n° 3, do Código de Processo Penal, não haveria quaisquer consequências para o incumprimento.

  7. A conduta do arguido de não entrega voluntária da carta e não se logrando proceder à apreensão daquele documento nos termos do artigo 500.°, n.° 3, do Código de Processo Penal, culminaria na ausência de quaisquer consequências para a recusa do arguido em cumprir a pena acessória a que está obrigado.

  8. A cominação com o crime de desobediência obsta à pretensão do arguido que pretenda subtrair-se ao cumprimento da pena acessória em que foi condenado por sentença e reforça a confiança da comunidade na validade da norma penal violada.

  9. O disposto no artigo 69° n.° 4 do Código Penal, no que ao Ministério Público concerne, apenas faz sentido se o juiz titular puder efectuar a cominação com a prática do crime de desobediência.

  10. O legislador distingue a sanção acessória de inibição de conduzir da pena acessória de proibição de conduzir, sendo tal diferença reforçada no artigo 1600 do Código da Estrada, que estende a cominação com o crime de desobediência a ambas as situações.

  11. Existindo no âmbito do direito contra-ordenacional uma disposição legal a prever a cominação da desobediência simples no caso de desrespeito do dever de entrega do título de condução para cumprimento da sanção acessória de inibição de conduzir - artigo 160°, n.° 3 do Código da Estrada - não se compreenderia que a punição da mesma conduta não fosse possível, ainda que através de cominação funcional do crime de desobediência, estando em causa uma infracção criminal.

  12. O legislador deu ao juiz o suporte legitimador para, no exercício das suas funções de autoridade com competência para ordenar as providências necessárias para a execução da pena acessória, cominar com o crime de desobediência, a não entrega da carta a título voluntário.

  13. A norma do artigo 160° do Código da Estrada apenas serve de suporte legitimador da cominação funcional a efectuar pelo Juiz pela não entrega da carta de condução, na sequência da aplicação da pena acessória de proibição de conduzir, apenas servindo de elemento interpretativo.

  14. Não havendo norma específica a cominar com crime de desobediência no seio das disposições destinadas à regulação da pena acessória de proibição de conduzir, aplica-se a alínea b) do artigo 348.°, n° 1 do Código Penal.

  15. Teria sempre de haver cominação funcional pelo juiz, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 348.° do Código Penal, cuja legitimidade é fundamentada pelo conteúdo da sobredita norma do Código da Estrada, o que aconteceu no caso dos autos.

  16. Os factos pelos quais o arguido se encontra acusado integram a prática do crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348°, n.° 1, al. b) do Código Penal.

  17. A cominação com a prática do crime de desobediência foi expressa, legal e emanada por autoridade competente, tendo o arguido disso ficado ciente, não tendo obedecido à ordem transmitida.

  18. A acusação pública deveria ter sido recebida por não ser manifestamente infundada, constituindo os factos deduzidos na acusação pública ilícito criminal.

  19. Ao não o fazer, o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 348°, n.° 1, alínea b) do Código Penal e 3 11°, 1, 2, alínea a) e 3, alínea b), do Código de Processo Penal.

Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. Senhores Juízes Desembargadores se dignarão suprir, dando provimento ao recurso, deverá ser r revogado o despacho ora recorrido e, em consequência, determinar-se a subsituação por outro que determine o recebimento da acusação pública deduzida pelo Ministério Público e a designação de data para a audiência de discussão e julgamento» 3.

O arguido respondeu a tal recurso, pedindo a sua improcedência.

4.

Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de que o recurso merece provimento, embora com fundamentos diversos, opinando que deve ser revogado o despacho recorrido, devendo ser substituído por outro que receba a acusação, não pela prática de um crime de desobediência, mas de um crime p. e p. pelo artigo 353º do CP.

5.

Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser este recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea b) do mesmo diploma.

II – Fundamentação 1.

Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

Assim, balizados pelos termos das conclusões[1], a questão a decidir consiste em saber se é de manter ou não a rejeição da acusação pública pela prática do crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, alínea b) do C.Penal.

Posteriormente, e caso se conclua que o comportamento do arguido não é passível de ser subsumido ao crime de desobediência, importará verificar e decidir se já poderá ser subsumido ao crime do artigo 353º do CP, retirando as consequências processuais, caso se responda afirmativamente a esta questão.

Ou seja, o que se discutirá, em 1ª linha, é se estão ou não perfectibilizados os requisitos objectivos para a subsunção ao citado crime de desobediência do comportamento do arguido em não entregar a sua carta de condução após uma condenação em pena acessória, apesar da cominação feita por um juiz.

2.

Do DESPACHO recorrido 2.1. É o seguinte o teor do despacho recorrido: «Autue como Processo Comum Singular.

* O Tribunal é competente.

O Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal.

Não há nulidades insanáveis e não foram arguidas quaisquer outras nulidades.

* O Ministério Público deduziu acusação contra o arguido A..., melhor identificado a fls.31, imputando-lhe a prática de factos susceptíveis de integrar um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, porquanto tendo o mesmo sido notificado, aquando da leitura da sentença proferida no Processo Comum Singular 23/07.9GBPBL, do 3.º Juízo deste Tribunal, e sob cominação da prática de um crime de desobediência, para, no prazo de dez dias após o trânsito em julgado da mesma, proceder à entrega da sua carta de condução para cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir, não o fez, bem sabendo estar a desrespeitar uma ordem legítima que lhe havia sido regularmente comunicada e emanada de autoridade competente.

Ora, o artigo 348º, n.º1, alínea b) do Código Penal dispõe que “Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimo, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se: a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação”.

O crime de desobediência tem como elementos típicos: - a existência de uma ordem ou mandado legítimo; - a comunicação regular ao agente, dessa ordem ou mandado; - que a mesma seja emanada da autoridade competente; - a falta de obediência; - a intenção de desobediência.

Por outro lado, conforme resulta hoje claramente da...

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