Acórdão nº 74/07.3TAMIR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução25 de Janeiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Por sentença proferida nos autos supra identificados, decidiu o tribunal: a) absolver os arguidos A... e a sociedade W..., Unipessoal, Ld.ª, da prática do crime de frustração de créditos, previsto e punido pelo artigo 88.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, por que vinham acusados; b) condenar o arguido A... pela prática, como autor material, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelo artigo 107.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2001, de 05.06 (RGIT), com referência ao artigo 105.º do mesmo diploma legal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), o que perfaz a quantia global de € 2.000,00 (dois mil euros); c) condenar a arguida W..., Unipessoal, Ld.ª, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelo artigo 105.º, n.º 1, ex vi 107.º, n.º 1, ambos do RGIT, na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 20,00 (vinte euros), perfazendo o montante global de € 7.000,00 (sete mil euros); d) (…) e) julgar o pedido cível deduzido pela demandante totalmente procedente e, em consequência, condenar solidariamente os demandados civis a pagar àquela a quantia de 25.319,68€ (vinte e cinco mil, trezentos e dezanove euros, e sessenta e oito cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 1 % por mês e 12% ao ano, desde os respectivos vencimentos das prestações em dívida até efectivo e integral pagamento; f) (…) Inconformado com o decidido, o arguido A... interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição): I A contradição insanável existe quando, conforme entendimento generalizado, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou por contradição insanável entre os factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros, e a indicação e análise dos meios de prova, fundamentos da decisão do tribunal.

II Por seu turno, o erro na apreciação da prova, não reside na mera desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do próprio recorrente.

III Erro notório existe, quando usando um processo natural e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou contraditório com um outro facto (positivo ou negativo) contido na decisão recorrida.

IV Todavia, quer pelas declarações do próprio arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, gravação de 19/01/2011 das 13h39 às 14h26, quer pela motivação de facto constante da Douta Decisão, resulta inequívoco que o não pagamento de contribuições à Segurança Social, deveu-se às dificuldades financeiras da sociedade arguida, nomeadamente por penhoras de créditos por parte da DGCI e pelo facto de ser indispensável o pagamento aos trabalhadores e fornecedores, sob pena de a empresa a ter de encerrar.

V o que significa que não houve um propósito de engrandecimento do património da sociedade em detrimento das contribuições devidas à Segurança Social, mas sim uma tentativa de tentar resolver os problemas financeiros graves da empresa, com um esforço de tentar que a mesma não encena-se.

VI No seguimento do exposto e conforme estipula o preceituado no artigo 24° da LGT, competia à segurança Social provar que, foi por culpa do gerente (de facto ou direito), que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação dos seus créditos, o que no caso dos autos não aconteceu.

VII Pelo que não pode a mesma demandar o Recorrente, agora, a título principal, quando a sua responsabilidade, a existir, é subsidiária, nos termos do artigo 22° nº 3 da LGT, constituindo pressuposto desta responsabilidade subsidiária, ter sido ordenada a Reversão contra o Recorrente, o que no caso dos autos nunca aconteceu.

VIII Problema este já levantado em sede de instrução e contestação, e que nunca foi apreciado, sendo o pedido cível formulado nos autos, inadmissível por falta de pressuposto legal, devendo o mesmo ser julgado improcedente, uma vez que a Reversão nunca operou e o Recorrente nunca teve oportunidade de se opor à mesma, nos termos legais, e invocar o beneficio da excussão prévia, conforme previsto no artigo 23° nº 2 da LGT.

IX Sendo certo que o Recorrente apenas foi notificado do despacho de acusação a 13 de Janeiro de 2010, então há muito que o procedimento criminal por crime tributário está extinto por efeito da prescrição tendo em conta o prazo de quatro anos da caducidade previsto no artigo 45.° da LGT por inerência do artigo 21.° n.o 3 do RGIT.

X E, tendo em conta que, contrariamente ao entendimento sufragado na Douta Decisão, entendermos não estarmos perante a figura de um crime continuado, mas perante, várias situações/actos consumadas de per si e que se esgotaram nessa mesma consumação, quer a exigibilidade da sua liquidação e pagamento, quer a sua recondução a uma prática criminosa, já prescreveu em relação à grande parte das contribuições em causa.

XI Verdade é que, em bom rigor, a Segurança Social, atento ao disposto no nº 1 do artigo 106° do RGT, deveria ter promovido a instauração de processos de contra-ordenação contra a sociedade arguida e os respectivos processos de execução, atento ao valor em causa, que isoladamente nunca ultrapassam os €7.500,00, sendo certo, que também estas atento ao decurso do tempo, estariam prescritas.

XII Pelo que o respectivo procedimento se encontra prescrito o que se invoca com todas as legais consequências.

XIII Há por isso Erro na Apreciação da Prova, Interpretação e Aplicação do Direito.

XIV Na sequência do nosso modesto raciocínio, consideramos que o Senhor Juiz a quo violou o artigo 24°, 22° nº 3, 23° nº 2,21° nº 3 da LGT, 106° do RGIT, 119° e do C.P.

XX Termos em que nos Doutamente supridos e nos mais de Direito, devem Vossas Excelências julgar procedente o presente Recurso, e proferir Douto Acórdão que revogue a Douta Decisão, devendo ser proferido Douto Acórdão que absolva o arguido do crime e da indemnização em que foi condenado, ou se assim v.a Excias não o entenderem, declare improcedente o pedido de indemnização cível por inadmissível e falta de fundamento e pressuposto legal, assim se fazendo Justiça!!! Respondeu o Ministério Público defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal o recorrente nada disse.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre conhecer do recurso Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.

É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).

Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” a quer se refere o artº 379º, nº 1, alínea c., do Código de Processo Penal, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entende-se por “questões” a resolver, as concretas controvérsias centrais a dirimir[[1]].

Questões a decidir: - erro na apreciação da prova - Inadmissibilidade e improcedência do pedido de indemnização civil - Integração jurídica dos factos e prescrição Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade (transcrição): i) Factos Provados 1) A “W..., Unipessoal, Ldª”, é uma sociedade comercial por quotas matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o nº …, e que tem por objecto social a prestação de serviços de terraplanagens, aluguer de máquinas e equipamentos, comércio de materiais de construção civil, materiais demolidos e areias, construção civil e obras públicas, comércio, importação e exportação de máquinas agrícolas e industriais; 2) A sociedade arguida encontra-se inscrita na Segurança Social com o n.º 2000346873; 3) A gerência de facto da sociedade W..., Unipessoal, Ld.ª, esteve desde sempre a cargo do arguido A..., o qual participava na administração da mesma, tomando a generalidade das decisões respeitantes à sua organização e funcionamento, bem como distribuição de tarefas pelos empregados; 4) Era o arguido A... que procedia aos pagamentos das remunerações dos empregados da sociedade W..., Unipessoal, Ld.ª; 5) Em Setembro de 2003, o arguido A... decidiu apoderar-se dos montantes descontadas nos salários dos trabalhadores relativos às contribuições devidas à Segurança Social, para assim as utilizar em proveito da sua empresa, como solução para os problemas de tesouraria; 6) Em concretização do referido propósito, a sociedade arguida deduziu ao valor das remunerações pagas aos trabalhadores as contribuições devidas à Segurança Social, à taxa de 11% sobre as remunerações base de incidência efectivamente pagas, nos montantes de: - 3.138,00 € referentes a Setembro de 2003; - 2.852,59 € referentes a Novembro de 2003; - 2.546,67 € referentes a Dezembro de 2003; - 2.120,63 € referentes a Janeiro de 2004; - 2.573,61 € referentes a Fevereiro de 2004; - 1.429,79 € referentes a Março de 2004; - 1.578,44 € referentes a Abril de 2004; - 1.739,76 € referentes a Maio de 2004; - 1.331.98 € referentes a Junho de 2004; - 1.019,46 € referentes a Julho de 2004; - 680,43 € referentes a Setembro de 2004; - 673,64 € referentes...

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