Acórdão nº 644/10.2TBCBR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução24 de Janeiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

Companhia de Seguros A…, SA propôs, na 1ª secção da Vara de Competência Mista de Coimbra, contra H…, acção declarativa de condenação com processo comum, ordinário pelo valor, pedindo a declaração de que o último é exclusivamente responsável pela ocorrência do acidente e a condenação do demandado a pagar-lhe a quantia de € 36.800,80, acrescida de juros legais, desde a citação até pagamento.

Fundamentou a sua pretensão no facto de ter celebrado com o réu um contrato de seguro da responsabilidade civil por danos causados a terceiros com o veículo automóvel …, de no dia 5 de Outubro de 2005, o réu, por apresentar uma taxa de álcool no sangue de 0,92 g/l, que o afectou nas suas capacidades para o exercício da condução, ao chegar ao entroncamento da Praça 25 de Abril, em Coimbra, e virado á esquerda em direcção ao estádio Cidade de Coimbra, ter passado a circular na via reservada ao trânsito de sentido contrário, indo embater no veículo automóvel …, conduzido por F…, causando a este e à outra ocupante do mesmo veículo, M…, várias lesões, e de ter pago, a cada um deles, no dia 18 de Setembro de 2000, a título de danos não patrimoniais, as quantias de € 10.000,00, e ainda as quantias de € 4.303,54 e de € 1.121,00, tendo pago aos Hospitais da Universidade de Coimbra e à Casa de Saúde de …, pelos serviços clínicos prestados aos lesados, e ao perito liquidatário, pela intervenção na regularização do sinistro, as quantias de € 571,20, € 10.625,06 e € 180,00, respectivamente, quantias relativamente às quais goza, relativamente ao réu, de direito de regresso.

O réu defendeu-se, por impugnação, negando qualquer relação entre a taxa de álcool de que seria portador e o acidente e imputando-o a F…, e por excepção peremptória, invocando a prescrição do direito de regresso da autora relativamente a todos os pagamentos alegados pela última, que também impugnou, ocorridos há mais de 3 anos relativamente à sua citação para a acção.

A autora replicou que não decorreram mais de três anos entre os pagamentos da indemnização por danos morais e a proposição da acção e que do comportamento do réu resultou ofensa à integridade física por negligência nas pessoas de F… e M…, crime cujo procedimento criminal se extingue decorridos que sejam 5 anos sobre a sua prática, prazo que será aplicável nos autos.

O Sr. Juiz de Direito, logo no despacho saneador, depois de fazer notar que a acção foi proposta no dia 6 de Maio de 2010 e que o réu se deve considera citado 5 dias depois – dado que a citação ocorreu no dia 1 de Junho de 2010 – e que o prazo de prescrição aplicável é o de 3 anos, julgou procedente a excepção peremptória correspondente, no tocante aos pagamentos efectuados pela autora aos Hospitais da Universidade de Coimbra, à Casa de Saúde de …, a F… em 26 de Outubro de 2006 e entre 19 de Janeiro e 28 de Dezembro de 2006, a título de despesas de tratamentos e abonos, e a M…, entre 7 de Julho e 9 de Novembro de 2006, a título de despesas de tratamentos e abonos, e absolveu o réu do pedido relativo a tais pagamentos.

Apelou, naturalmente, a autora, pedindo a revogação da decisão impugnada e a sua substituição por outra que julgue improcedente aquela excepção.

A recorrente condensou a sua alegação nas conclusões seguintes: … Não foi oferecida resposta.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    Para a apreciação do objecto do recurso releva e está documentalmente provado o facto seguinte: 2.1. A petição inicial deu entrada na secretaria judicial no dia 6 de Maio de 2010.

  2. Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1].

    Nestas condições, tendo em conta os parâmetros de delimitação da competência decisória deste Tribunal representados pelo conteúdo da decisão recorrida e da alegação das partes, a única questão concreta controversa que há que resolver é a de saber se o direito de crédito que a apelante pretende declarar e fazer na acção contra o recorrido foi ou não, ao menos em parte, atingido pela prescrição.

    A resolução deste problema exige, evidentemente, a determinação do prazo prescricional que lhe é aplicável e do terminus a quo desse mesmo prazo.

    3.2.

    Prazo de prescrição aplicável.

    A prescrição – de que o Código Civil não dá uma noção – assenta num facto jurídico involuntário: o decurso do tempo. A ideia comum que lhe preside é a de uma situação de facto que se traduz na falta de exercício dum poder, numa inércia de alguém que, podendo ou porventura devendo actuar para a realização do direito, se abstém de o fazer[2].

    Verificada a prescrição, o seu beneficiário tem a faculdade de, licitamente, recusar a prestação a que estava adstrito (artº 304 nº 1 do Código Civil).

    A prescrição não tem, portanto, uma eficácia extintiva, antes se limita a paralisar o direito do credor, dado que apenas confere o direito potestativo de a invocar: se este direito não for exercido, a obrigação mantém-se civil, não se produzindo quaisquer efeitos; se a prescrição for invocada, a obrigação converter-se-á em obrigação natural – como tal inexigível, mas com solutio retendi[3].

    É, naturalmente, sobre o devedor que recai o encargo de provar a prescrição da obrigação, ou melhor, dos seus elementos estruturais: a não exigência do crédito pelo credor; o início e o decurso do lapso prescricional (artº 342 nº 2 do Código Civil).

    Uma pluralidade de qualificações do dever de indemnização não tem qualquer relevância prática num ordenamento jurídico em que os regimes da responsabilidade contratual e delitual são totalmente coincidentes. Mas não é esse, decerto, o caso do direito português.

    Entre nós, a regulamentação dessas responsabilidades divergem, designadamente, em aspectos tão relevantes como a determinação do ónus da prova – dado que enquanto na ilicitude delitual a regra é a prova da culpa pelo lesado e a excepção é a presunção da culpa pelo agente, na ilicitude contratual o princípio é a presunção de culpa do devedor remisso (artºs 487 nº 1, 491, 492 nº 1, 493 e 799 nº 1 do Código Civil); a medida da culpa, porque na responsabilidade ex delicto é suficiente a negligência do infractor e na responsabilidade ex contractu é exigida, nalgumas situações, o dolo do faltoso (artºs 487 nº 2 e 494, 814 nº 1, 915, 957, 1134 e 1151 do Código Civil) e – ponto que releva para a economia do recurso – o prazo prescricional, pois que na responsabilidade delitual a pretensão de reparação prescreve, em regra, em três anos, e na responsabilidade contratual o dever de indemnização é regulado, em regra, pelo prazo prescricional ordinário de vinte anos (artºs 309 e 498 do Código Civil).

    Como logo se intui, as especificidades da ilicitude contratual e da ilicitude delitual tornam particularmente relevante a qualificação, em cada caso concreto, da responsabilidade como contratual ou extracontratual.

    No direito português, as modalidades de responsabilidade distribuem-se em consonância com o interesse atingido pela acção ou omissão ilícita e não segundo a origem contratual ou extracontratual do acto ilicitamente realizado ou omitido. Se o dano afecta o interesse contratual, a responsabilidade é sempre obrigacional; se o prejuízo atinge um interesse extracontratual, a responsabilidade é sempre delitual[4].

    Em face destes parâmetros de repartição das formas de responsabilidade do direito positivo, é patente que o dever de reembolso que, segundo a autora vincula o réu, não resulta da violação de qualquer dever contratual, não procede de qualquer incumprimento contratual, antes emerge da infracção de um interesse extracontratual: a lesão do bem integridade física de duas pessoas. À luz da causa petendi desenhada pela apelante na petição inicial, o dever de restituição a que o apelado está adstrito não assenta na violação, pelo demandado, de deveres contratualmente impostos ou assumidos; a pretensão indemnizatória, que a recorrente afirma ter adquirido, funda-se, isso sim, dado que o interesse atingido é extracontratual, numa responsabilidade puramente delitual.

    Fundando-se a pretensão de que a autora se diz titular numa responsabilidade ex delicto, a sujeição do crédito correspondente...

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