Acórdão nº 13/10.4TBFTR de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Janeiro de 2012
Magistrado Responsável | JOÃO GONÇALVES MARQUES |
Data da Resolução | 26 de Janeiro de 2012 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam no Tribunal da Relação de Évora: M… propôs acção de anulação de deliberação social contra M…, Ldª, com sede na Av…., Alter do Chão e S…, pedindo: a) A anulação da deliberação social tomada na assembleia geral de referida sociedade pela qual se deu nova redacção ao artº 4º do pacto social com a redacção “1 – A gerência da sociedade, com ou sem remuneração, conforme for deliberado pela assembleia geral, poderá ser exercida de entre os sócios ou não sócios. 2 – A sociedade obriga-se validamente em todos os seus actos e contratos pela assinatura do gerente” b) A anulação da deliberação tomada na mesma assembleia pela qual se decidiu que para o triénio de 2010213 a composição da gerência passa a ser de um único sócio, S…, enquanto detentora de mais de metade do capital sócia.
-
Que se ordene o cancelamento do registo das deliberações, se vier a ser feito.
-
A condenação da Ré S… a pagar à Autora, a título de danos não patrimoniais a quantia € 10.000,00 e a título de danos patrimoniais, os que se vierem a liquidar.
Alega, resumidamente, que, face ao disposto no artº 58º do Código das Sociedades Comerciais, é anulável tudo o que foi deliberado na referida assembleia geral, que teve lugar em de 28 de Dezembro de 2009, por violação do princípio da privacidade atenta a circunstância de ter sido admitida a presença de um não sócio, o advogado da Ré, Sr. Dr. P…, que ela impôs, apesar da oposição da Autora, com o que a sócia S… estava impedida de votar por, com o seu voto, defender um interesse pessoal, sendo que, ainda que pudesse votar, o voto foi usado no interesse privado.
Mais alega que as deliberações são ainda anuláveis por serem expressão de abuso de poder de maioria, que foi violada a regra da gerência colegial, tendo resultado do afastamento da A. da gerência, o que lhe causou danos não patrimoniais e pode causar danos patrimoniais pelo reflexo que a irregular gestão lhe traga quer no plano dos lucros quer no risco de cumprimento de obrigações de que é garante.
Os RR. contestaram começando por excepcionar a ilegitimidade da Ré S… por a ilegitimidade passiva pertencer exclusivamente à sociedade, alegando, depois, a inutilidade superveniente da lide uma vez que na assembleia geral de 22.02.2010 foram revogadas as deliberações em causa, e impugnado no mais os factos invocados pela A. concluindo no sentido da improcedência da acção.
A A. respondeu sustentando a legitimidade da Ré S… por os factos alegados lhe serem directamente imputados como manifestação de exercício abusivo da sua posição maioritária e sustentando que não ocorre a invocada inutilidade na medida em que embora a deliberação revogatória opere retroactivamente, isso não exclui que terceiros pretendam obter a anulação da primeira deliberação desde que tenham interesse, que mais não seja, para demonstrar a existência do abuso de direito.
Rebateu ainda alguns pontos da contestação que considerou matéria de excepção.
Foi oportunamente proferido despacho saneador em que se julgaram improcedentes as excepções invocadas, e a que se seguiu a selecção da matéria de facto assente e controvertida com a organização, quanto a esta, da base instrutória, de que reclamaram ambas as partes com atendimento parcial.
Após complexa fase de instrução, teve lugar a audiência de julgamento a que se seguiu a prolação da decisão de fls. 665-673 sobre a matéria de facto.
Por fim, foi proferida a sentença julgando a acção parcialmente procedente e decidindo: a) Anular a deliberação tomada pela assembleia geral da sociedade M…, Lda, de 29.12.2009 que decidiu alterar o artº 4º do pacto social coma redacção acima transcrita; b) anular a deliberação tomada na mesa assembleia que decidiu que, para o triénio de 2010-2013 a composição da gerência passa a ser de um único sócio, S…, enquanto detentora de mais de metade do capital social.
-
condenar a ré S… a pagar à Autora a quantia de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais.
Inconformadas, interpuseram as rés o presente recurso em cuja alegação formulam as seguintes conclusões: Com base nos documentos juntos aos autos, a resposta ao quesito 27 da matéria de facto deve ser alterada para a seguinte: Antes e depois de 28.12.2009, quando a segunda Ré precisava de uma segunda assinatura para vinculara sociedade recorria a R… e não à autora, designadamente após a renúncia à gerência por parte daquele, utilizando o cartão matriz deste, sem dar disso conhecimento prévio à autora. Mais determinou transferências bancárias para a sua conta pessoal, sem das mesmas dar conhecimento prévio à autora, solicitou os serviços de um advogado sem do facto dar conhecimento prévio à autora e deu instruções ao contabilista para que não entregasse à autora documentos originais da contabilidade da ré.
-
Conjugando tal facto de a autora não ter um direito especial á gerência com a circunstância de, à data das deliberações, a recorrente ser detentora de uma quota correspondente a 75% do capital social, resulta claro que a destituição de gerente da autora foi consequência de um mero exercício de um direito que assiste à sócia detentora da maioria do capital social.
-
Os sócios de uma sociedade por quotas podem deliberar livremente sobre a exoneração de um gerente, sendo a deliberação plenamente válida se tomada em assembleia geral, convocada com observância dos requisitos legais e obtido o voto favorável da maioria das quotas sociais.
-
A assembleia geral tem uma competência inderrogável e exclusiva no tocante às matérias enunciadas no nº 1 do artº 246º do Código das Sociedades Comerciais, entre estas, as mencionadas na alínea d) do citado preceito legal (destituição de gerentes e de membros do órgão de fiscalização), sendo ainda certo que, quanto à destituição dos gerentes, o nº 1 do artº 257 do CSC prescreve que os sócios podem deliberar a todo o tempo.
-
Verifica-se assim, que in casu estão preenchidos todos os requisitos para se considerar valias as deliberações de 28-12-2009.
-
A lei não impõe como obrigatória a invocação de justa causa para operar a destituição de um gerente.
-
Numa sociedade comercial por quotas com apenas dois sócios, como sucede in casu a lei exige que a destituição seja feita através de acção judicial, desde que a destituição seja fundada em justa causa.
-
No caso dos autos não foi invocada justa causa para a destituição, pelo que, vistas deste prisma, as deliberações de 28.12.09 também não enferma de qualquer vício.
-
Uma vez que estamos perante deliberações plenamente válidas, tomadas em assembleia geral convocada com observância dos requisitos legais e com o voto favorável da maioria das quotas sociais, não pode haver lugar ao pagamento à Autora de qualquer indemnização a título de danos não patrimoniais.
-
A douta sentença recorrida fundamenta a conclusão de que as deliberações tomadas são expressão do abuso de poder da maioria, socorrendo-se de matéria factual apurada que, no entender da recorrente, não é tendente a qualificar dessa forma a seu sentido de voto.
-
As deliberações tomadas não configuram abuso de direito ou de posição dominante.
-
A recorrente não votou as deliberações em causa com o propósito de afastar, definitivamente, a autora do controlo de quaisquer decisões relativas à sociedade.
-
Nem as deliberações impugnadas têm tal consequência, pois o afastamento de um sócio da gerência não o afasta simultaneamente do controle de decisões relativas à sociedade.
-
O controle da sociedade por parte dos sócios é feito mediante utilização dos mecanismos que o CSC disponibiliza para o efeito, nomeadamente o exercício do direito à informação e o direito de requerer inquérito judicial.
-
O artº 214º do CSC faculta aos sócios de uma sociedade por quotas o direito de serem informados pelos gerentes dos actos de gestão da sociedade, exercendo assim o controle da mesma, permitindo a lei a realização de um inquérito judicial no caso de recusa daquela informação e a interposição de acções em defesa dos interesses da sociedade e de indemnização.
-
A recorrente não votou as deliberações em causa com o propósito de afastar a autora do controle de quaisquer decisões relativas à sociedade, uma vez que, para exercer esse controle, basta à autora a sua qualidade de sócia e lançar mão dos mecanismos que o CSC disponibiliza para o exercício desse controlo no âmbito de uma sociedade por quotas.
-
Pelo facto de a A. ser avalista do financiamento feito para aquisição da farmácia não decorre qualquer prejuízo por não ser gerente da empresa.
-
Há mais avalistas desse mesmo financiamento que não são gerentes nem sócios.
Terminam pedindo a revogação da sentença e a sua absolvição.
A A. contra-alegou pugnando pela confirmação da sentença.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Na decisão recorrida considerou-se...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO