Acórdão nº 1149/08.7TBBGC.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Janeiro de 2012
Magistrado Responsável | RAMOS LOPES |
Data da Resolução | 24 de Janeiro de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Apelação nº 1149/08.7TBBGC.P1 Relator: João Ramos Lopes Adjuntos: Desembargadora Maria de Jesus Pereira Desembargador Henrique Araújo*Acordam no Tribunal da Relação do Porto.
RELATÓRIO *Apelante: B… - Companhia de Seguros, S.A. (ré).
Apelada: C…, Ldª (autora).
Tribunal Judicial de Bragança - 1º Juízo.
*Na presente acção declarativa com processo ordinário C…, Ldª, demanda B… Companhia de Seguros, S.A., pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia 96.267,99€, acrescida de juros desde a citação e até integral pagamento.
Alega, em síntese, ter explorado, no âmbito da sua actividade (exploração de bar e estabelecimento de bebidas com espectáculo), desde Dezembro de 2000 a Novembro de 2002, um estabelecimento comercial de bar, promovendo aí variada animação traduzida em festas de promoção de bebidas e de eventos (v.g., passagens de ano e carnavais), respeitando sempre as regras de segurança e solicitando as devidas autorizações das entidades e autoridades competentes. Mais alega ter celebrado com a ré um contrato de seguro multi-riscos, segurando o capital de 19.300.000$00 (equivalente a 96.267,99€), que garantia a cobertura dos danos directamente causados aos bens segurados pela ocorrência de (entre outros riscos) incêndio e ainda dos danos directamente causados a tais bens em consequência dos meios para o combater (e calor, fumo ou vapor resultantes imediatamente do incêndio). Continua alegando que na noite do dia 2 e madrugada do dia 3 de Março de 2002, o mencionado estabelecimento comercial laborou normalmente, encerrando ao público às 2 horas da manhã e, depois de realizadas as limpezas e arrumações e de fechado o estabelecimento, no seu interior deflagrou um incêndio que o afectou, tanto nos seus revestimentos e decoração, como nos equipamentos e mobiliário, danos esses causados não só pelo incêndio como também pelos meios utilizados no seu combate, cujo valor (dos danos) ascende a 104.171,44€.
Contestou a ré alegando que o montante do capital seguro ascendia a 17.500.000$00 (87.289,63€) quanto à ‘existência do estabelecimento’, acrescido do capital de 1.800.000$00 relativo a inactividade comercial. Alega ainda que a autora decidiu fazer uma festa cubana, ornamentando o interior do estabelecimento com chapéus de palha e aí colocando diversos fardos de palha, distribuindo charutos pelos clientes, tendo o incêndio tido o seu ponto de origem nos fardos de palha, em consequência de charutos mal apagados. Aumentou a autora – continua a ré alegando –, desmesuradamente, o risco de incêndio ao colocar chapéus e fardos de palha no interior do estabelecimento e oferecendo charutos aos clientes, o que se consubstancia numa alteração substancial e objectiva do risco de incêndio, agravando a responsabilidade da ré, que lhe devia ter sido comunicada por escrito (nos termos das condições gerais da apólice), sendo certo que se tivesse conhecimento dessa alteração substancial e objectiva do risco de incêndio não teria (ela, ré) mantido o contrato, pelo menos nas condições iniciais em que foi celebrado (seria resolvido ou pelo menos alterado). Conclui considerando ter sido o contrato automaticamente resolvido com efeitos desde a data em que ocorreu a alteração do risco, que a autora deveria comunicar à ré, ou seja, em data anterior à ocorrência o incêndio. Termina, com tais fundamentos, concluindo pela improcedência da acção e sua consequente absolvição.
Após réplica da autora, que concluiu como no inicial petitório, realizou-se audiência preliminar, no decurso da qual a autora alegou ter peticionado a indemnização global de 96.267,99€ a título de ressarcimento dos danos decorrentes do invocado incêndio, sendo certo que o contrato de seguro, como alegado pela ré, cobre o valor de 87.289,63€ a título de recheio e o de 8.978,36€ a título de inactividade comercial, pretendendo a autora ser ressarcida quer quanto aos danos provocados no seu estabelecimento, quer quanto aos danos atinentes à inactividade, assim pretendendo alegar, nos termos do art. 264º nº 3 do C.P.C., que o seu estabelecimento encerrou depois do incêndio, não tendo voltado a laborar nos seis meses seguintes.
A ré opôs-se a esta pretensão, tendo a mesma sido indeferida por despacho proferido em audiência preliminar, que não mereceu da autora qualquer impugnação.
Saneado o processo a afirmada a validade e regularidade da instância, organizou-se a base instrutória, realizando-se julgamento, no decurso do qual a autora declarou pretender aproveitar-se, nos termos do art. 264º, nº 3 do C.P.C., de facto resultante (segundo ela) da discussão da causa e segundo o qual o seu estabelecimento não laborou nos seis meses seguintes ao incêndio, em consequência deste, pretensão esta indeferida por despacho logo proferido (e não impugnado pela autora).
Decidida a matéria de facto controvertida por despacho que não mereceu das partes qualquer censura, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia que vier a liquidar-se em incidente de execução de sentença (liquidação que contempla o apuramento dos prejuízos, a sua liquidação nos termos previstos no Capítulo III, art. 12º das condições gerais da apólice, procedendo-se à redução proporcional da indemnização, atenta a diferença entre o prémio cobrado pela ré e aquele que cobraria pelo risco agravado, considerando também a indemnização resultante dos factos com os números 5º e 10º da fundamentação de facto da sentença, nos mesmos termos da referida redução proporcional).
Inconformada com tal decisão, apela a ré (também a autora apelou, mas a apelação por si interposta não foi admitida), pretendendo a sua substituição por outra que julgue totalmente improcedente a acção e a absolvo do pedido, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª- A recorrente não se conforma com a douta sentença recorrida porquanto entende, salvo o devido respeito, que o Mº Juiz do Tribunal a quo fez errada apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento e, consequentemente, uma errada interpretação e aplicação da lei aos factos provados e ao contrato de seguro em apreço.
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- Daí que com o presente recurso a recorrente pretende ver reapreciada a douta decisão recorrida, seja no que concerne à matéria de facto, seja no que concerne à solução de direito.
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- Nos termos do disposto no art. 712º, nº 1, al. a) do CPC, o Tribunal da Relação pode alterar a decisão sobre a matéria de facto, no caso vertente, uma vez que a apelante a impugna, os depoimentos estão gravados e constam dos autos todos os elementos e documentos com base nos quais foi proferida.
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- Concretamente, são os pontos da matéria constante parcialmente do quesito 20º e os pontos nºs 21º e 22º da douta base instrutória que o recorrente considera incorrectamente julgados.
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- Desde logo o Mº Juiz do Tribunal a quo considerou “conclusivo”, e como tal não deu resposta ao quesito 22º, porém sem qualquer fundamentação ou justificação, o que desde logo implica a nulidade de tal despacho nessa parte, nos termos do disposto no art. 668º, nº1, al. b) do CPC.
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- Porém, tal quesito nada tem de conclusivo, antes está relacionado com a matéria do quesito anterior e com todo o contexto da celebração do contrato de seguro e circunstâncias em que ocorreu o incêndio, sendo essencial para a justa decisão da causa.
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- O constante daquele quesito é, e consubstancia, um facto concreto sujeito a apreciação e prova, inserido num todo que é o questionário de forma a ter lógica, sequência e ser coerente segundo as diversas soluções plausíveis de direito.
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- Por isso tal quesito, por se tratar de um facto e de um facto relevante para a justa decisão da causa, segundo as diversas soluções de direito, deve manter-se e merecer resposta positiva, nos termos a seguir referidos.
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- Em cumprimento do disposto no art. 685º-B, nº 2 do CPC, que o recorrente funda a discordância na consequência ao nível factual a retirar dos depoimentos das testemunhas D…, E… e F…, que constam do CD gravado em audiência realizada em 03/05/2010, através do sistema integrado de gravação digital, conforme se diz na acta respectiva aqui dada por reproduzida, e foram apenas estas que responderam à matéria dos factos constantes dos quesitos 20º, 21º e 22º da douta base instrutória – vide CD referência 20100503 161727 e 20100503 161927 e 20100503 163950.
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- Relativamente ao quesito 20º depuseram as testemunhas D… e F…, “…testemunhas que não obstante um ser funcionário da Ré e outro prestar-lhe serviços depuseram com credibilidade e isenção de molde a convencer o Tribunal”.
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- Como se constata dos seus depoimentos e atrás transcritos, ambos declararam que o incêndio teve origem no fardo de palha e que a causa teria sido um charuto mal apagado, não sendo detectada outra causa; 12ª- Tendo em conta os depoimentos sérios e consistentes das testemunhas o Tribunal a quo podia e devia ter respondido de modo diverso ao quesito 20º da douta base instrutória.
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- Por isso a resposta ao quesito 20º deverá ser alterada e considerar-se como ‘provado’.
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- De igual modo, face aos depoimentos das testemunhas D…, E… e F…, e acima transcritos, os quesitos 21º e 22º devem considerar-se como provados; Acresce que, 15ª- Relativamente ao quesito 21º da douta base instrutória, sempre se dirá que se reporta a uma facto negativo, devia ser a autora a provar que comunicou à ré por escrito a realização da festa, sendo seu o ónus da prova e tal prova não foi realizada pela autora.
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- A prova de que não comunicou por escrito é impossível ou torna-se muito difícil, pelo que deixa de caber à recorrente o respectivo ónus, mas antes ao autor provar que comunicou, e não o fazendo, deve dar-se como provado.
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- É ao obrigado à comunicação que impende o ónus da prova de que a efectuou, e não a quem a mesma se destina que não foi feita, e tendo ficado estabelecido que a autora devia comunicar qualquer alteração, cabia a esta provar que efectuou a mesma.
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