Acórdão nº 694/09.1GBAGD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução18 de Janeiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO 1.

No processo comum singular n.º 694/09.1GBAGD do Juízo de Instância Criminal de Águeda, por sentença datada de 4 de Julho de 2011, · foi o arguido A...

ABSOLVIDO da prática, como autor material, de uma crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143º do CP, julgando-se também improcedentes os pedidos cíveis interpostos nos autos pelo demandante B... e pelos HUC, EPE.

2.

Inconformado, o assistente B... recorreu da sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «

  1. No dia 27 de Junho, o arguido ameaçou e injuriou o assistente quando este, chamou a atenção de um senhor, que não o arguido, porquanto uma bigota tinha sido colocada para lá do marco, já no seu terreno.

    O arguido irritado com a situação chamou vários nomes ao Assistente, e ameaçou-o de morte.

  2. No dia 29 de Junho, dois dias depois do supra descrito, o Arguido, ainda irritado com a situação supra descrita, decide concretizar as suas ameaças, agredindo o Assistente, quando o mesmo se dirigia para um terreno seu, como habitualmente fazia, para roçar silvas.

  3. Procedeu-se a julgamento e o tribunal absolveu o arguido dando valor absoluto e irrebatível apenas ao depoimento do arguido, depoimento esse, que não deve ser valorizado e contradiz não só depoimento do Assistente, coerente e consistente com todos os indícios conhecidos, designadamente as lesões relatadas nos relatórios médicos, bem como um ferro, pormenorizadamente descrito pela única testemunha presencial e a camisa que o assistente vestia quando foi agredido, objectos juntos aos autos e ainda o depoimento da testemunha G....

  4. Foi absolvido o arguido porque o tribunal a quo, erradamente, salvo o devido respeito por opinião contrária, conclui pela legítima defesa e assim exclui a ilicitude.

  5. Na verdade, não ficou provado em audiência de julgamento que o Assistente tenha avançado, com a foice ou qualquer outro objecto para o arguido, de modo a que este acreditasse que o ia ofender e assim que o arguido tenha agido com animus defendi.

  6. Os meios de prova constantes no processo bem como a gravação realizada impõe decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

  7. Não se conforma o recorrente com a douta sentença, por entender que o Tribunal a quo não procedeu a uma apreciação criteriosa da prova, antes, deu como assente a factualidade que aqui se impugna, verificando-se manifesto erro na valoração da prova, nos termos do artigo 410 n.°2 al.c) do C.P.P.

  8. Da apreciação crítica de toda a prova produzida resulta que a fundamentação da convicção da sentença recorrida se alicerça em exclusivo, no depoimento do arguido.

  9. Com a absolvição do arguido, foram violados os Artigos 31° e 32° do C.P.

  10. Atento o exposto, deveria o Tribunal recorrido ter decidido pela condenação do arguido, ora recorrido, pela prática do crime de ofensas à integridade física simples p. e punido pelo n.°1 do art.143° do C.P. e consequentemente ser condenado ao pagamento do pedido de indemnização civil formulado.

    NESTES TERMOS, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência ser o arguido recorrente condenado em conformidade com as alegações expostas».

    3.

    O arguido RESPONDEU ao recurso, entendendo que nenhuma censura pode ser acusada à douta sentença recorrida, que deverá manter-se.

    4. O Exmº Magistrado do Ministério Público de 1ª instância também RESPONDEU, concluindo que deverá ser o recurso julgado improcedente.

    1. Admitido o recurso – conjunto - e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, a fls. 460-462, no sentido de que o recurso não merece provimento, acompanhando a argumentação do Colega de 1ª instância.

      6.

      Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

      II – FUNDAMENTAÇÃO 1.

      Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

      Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso[1], as questões a decidir consistem em saber se · houve erro de julgamento, devendo antes ser condenado o arguido pelo crime pelo qual vem acusado; · inexiste a comprovada situação de legítima defesa.

      2.

      DA SENTENÇA RECORRIDA 2.1.

      É o seguinte o elenco dos factos dados como provados na sentença recorrida: 1. No dia 29 de Junho de 2009, cerca das 18h00, quando o arguido se encontrava numa sua propriedade sita em …, Águeda, a apanhar figos de São João, foi abordado pelo Assistente B..., que tem um igualmente um terreno no local, e se encontrava munido de um instrumento agrícola em concreto não apurado, de formato compatível com uma foice; 2. tendo-se o arguido voltado, e vendo o Assistente com o instrumento agrícola dirigido a si com o braço levantado, o arguido, com o intuito de se defender, agarrou e empurrou o Assistente, tendo, de seguida, ambos caído no chão; 3. como consequência dessa conduta, o Assistente ficou com uma fractura ao longo da base da apófise odontóide, associada a muito discreto recuo do corpo C2 em relação à apófise odontóide, sem significativo compromisso do canal vertebral contíguo e ainda com uma ferida na face; 4. tal demandou para curar duzentos e dois dias de doença com igual período de afectação da capacidade de trabalho geral e profissional; 5. o arguido é conhecido como pessoa que não é agressiva ou conflituosa, e de respeito; 6. o arguido aufere mensalmente € 4.950,00; 7. tem uma empresa de sistemas de rega que tem lucros anuais brutos de cerca de € 70.000,00; 8. reside em casa própria, que se encontra paga; 9. tem como habilitações académicas o 4º ano de escolaridade; 10. ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais;*11. em consequência do descrito em 2., B... recebeu tratamento médico nos Hospitais da Universidade de Coimbra, que ascendeu a € 4.262,47; 12. o demandante B..., em consequência do descrito em 2., foi suturado com pontos no sobrolho esquerdo no Hospital Distrital de Águeda, de onde foi transferido para os Hospitais da Universidade de Coimbra; 13. o demandante B... foi operado nos Hospitais da Universidade de Coimbra à fractura referida em 3. e posteriormente foi transferido para o Hospital Distrital de Águeda; 14. o demandante teve de utilizar colar de Zimmer no pescoço, o que lhe causou incómodo e vergonha; 15. o demandante B... despendeu nas deslocações com o táxi e taxas pagas nos Hospitais da Universidade de Coimbra, para consultas de ortopedia nos dias 17.08.2009 e 18.01.2010, quantia não inferior a € 139,98; 16. o demandante B... deslocou-se de táxi no dia 10.07.2009 para se deslocar do Hospital Distrital de Águeda para sua casa, despendendo € 7,50, bem como € 16,55 nas deslocações ao Centro de Saúde de Águeda; 17. o demandante despendeu € 60,00 numa consulta privada de oftalmologia em 21.12.2009; 18. o demandante foi operado às cataratas no olho esquerdo no Hospital Distrital de Águeda no dia 11.01.2010».

      2.2.

      Já não resultou provado que: «Para além daqueles que também já resultam logicamente excluídos pela factualidade provada, não se provaram os seguintes factos: a). no dia 29.06.2009 houve uma troca de palavras entre o arguido e o Assistente; b). o arguido atirou um ferro enferrujado com cerca de 20 cm de comprimento na direcção do Assistente, fazendo com que este ficasse atordoado e caísse ao chão; c). aproveitando o facto de o Assistente estar caído no chão, o arguido desferiu vários pontapés que atingiram este em diversas partes do corpo; d). o arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, com o propósito concretizado de molestar fisicamente o Assistente B..., bem sabendo que essa conduta era prevista e punida por lei penal; g). o demandante despendeu € 10,00 em cada uma das três deslocações ao Gabinete Médico-legal de Aveiro; h). o demandante utilizou o colar de Zimmer durante dois meses; i). o demandante, devido a fortes dores de cabeça e na coluna, durante quatro meses não conseguia levantar-se normalmente da cama, tendo que aguardar na cama sentado durante alguns minutos para erguer-se, com dificuldade; j). em consequência da conduta do demandado, o demandante B... não voltou a ver bem da vista esquerda, por aquele lhe ter causado cataratas, sem possibilidade de melhorias; l). ainda hoje o demandado não consegue roçar silvas, apanhar o pasto para os animais domésticos, plantar batatas, semear milho e feijões, em que tem de andar debruçado, sendo que tem dores no pescoço, não conseguindo rodar o pescoço sem incómodo e dores; m). o demandante B... despendeu € 300,00 em pessoas que teve de contratar para realizar serviços agrícolas até Janeiro de 2010.

      *A demais matéria alegada é meramente conclusiva, de direito ou simplesmente irrelevante para a decisão da causa» 2.3.

      Motivou-se assim tal decisão probatória: «Na ponderação da matéria factual, atendeu o Tribunal apenas à factualidade com interesse para as decisões de Direito plausíveis da causa, tendo sido desconsideradas todas as afirmações de pendor conclusivo e de matéria de direito.

      Para a decisão da matéria de facto o Tribunal procedeu a uma análise global e criteriosa de toda a prova produzida, que foi interpretada, conjugada e ponderada segundo cânones de razoabilidade, adequação e sempre em observância das regras por que se pauta o processo penal.

      Desde logo, e no que se refere à factualidade...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT