Acórdão nº 991/10.3TBTVD-B.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução12 de Janeiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Inventário para partilha subsequente a divórcio 991/10.3TBTVD - 1º juízo do TJ de Torres Vedras Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados: 1. Nos autos supra identificados procede-se à partilha de bens de um casal, em consequência de divórcio.

  1. A cabeça-de-casal, que é uma dos dois únicos interessados, relacionou, como bens comuns do ex-casal, dois imóveis existentes no Estado da Virgínia dos EUA.

  2. O outro interessado, seu ex-cônjuge, reclamou contra esta relacionação, dizendo que esses imóveis não eram bens comuns, antes bens próprios dele.

O tribunal recorrido entendeu, seguindo no essencial o ac. do TRC de 13/05/2008 (380-B/1999.C1 que se debruça sobre um caso idêntico – todos os acórdãos citados abaixo sem outra referência, são-no, tal como este, através da base de dados do ITIJ) que os dois imóveis situados nos EUA não devem ser relacionados e isso porque, no essencial: “perante a inexistência de tratado ou convenção que assegure a eficácia da partilha efectuada nos tribunais portugueses de bens situados em país estrangeiro, a realização de tal partilha acarreta para os próprios interessados sério risco de verem inquinada a partilha desses bens – por não reconhecida pelo país estrangeiro qualquer validade à mesma – como, por virtude desse não reconhecimento e eventual necessidade de procederem a nova partilha no país em questão, resultarem sérios conflitos com o resultado da partilha dos restantes bens sitos em Portugal, na medida em que a partilha destes teria sido efectuada no pressuposto de que a partilha daqueles seria válida.”.

A cabeça-de-casal recorre deste despacho, para que seja revogado e substituído por outro que aceite a relacionação daqueles dois imóveis. Conclui, em síntese, que (i) nenhuma disposição processual exclui a competência dos tribunais portugueses para a partilha dos bens situados no estrangeiro (arts. 61º, 65º/1a, 75º e 1404º/3, todos do Código de Processo Civil); (ii) a lei material aplicável é a lei portuguesa (arts. 52 e 53, ambos do Código Civil); (iii) a própria lei interna do Estado da Virgínia remete para o direito interno português, na situação dos autos, a competência para a partilha dos bens sitos naquele Estado, pelo que a partilha efectuada nestes autos terá eficácia nos EUA (arts. 18 e 20 do CC e §§ 20-96 e 20-107.3 do Código da Virgínia); (iv) destas regras resultaria aliás que o Código da Virgínia impediria mesmo que os seus tribunais efectuassem a partilha estando esta já pendente em Portugal, pelo que a competência dos nossos tribunais resultaria também da al. d) do art. 65 do CPC; (v) decisão contrária, a impor a partilha dos bens situados na Virgínia só depois do inventário em Portugal dos bens aqui situados, não permitiria alcançar uma partilha igualitária; e (vi) pelo menos devia ter-se em conta o valor dos bens nos EUA para o cálculo da quota parte de cada ex-cônjuge.

O outro interessado contra-alegou, defendendo a improcedên-cia do recurso: (i) segue a fundamentação do despacho recorrido e do acórdão citado por este; (ii) aproveitando o alegado pela recorrente [que referia que o divórcio não foi instaurado por apenso, antes de forma autónoma], chama a atenção para que no caso o inventário corre autónomo [e o efeito prático disto seria a oposição à aplicação da regra da apensação do inventário ao processo de divórcio para efeitos de competência]; (iii) diz que a decisão recorrida não impede a recorrente de fazer valer o seu direito à partilha nos EUA; (iv) faz também referência ao art. 20 do CC e sugere que a lei aplicável devia ser a lei da sua (dele, recorrido) residência habitual… nos EUA; e (v) diz que os bens situados nos EUA são avaliados de forma diferente dos que estão em Portugal e que a partilha conjunta nunca poderia conduzir a um resultado justo.

* Ainda no tribunal recorrido e já depois de admitido o recurso, foi levantada, num despacho judicial, a questão da origem do documento de que o cabeça-de-casal apresentou uma tradução (com as alegações do recurso).

A cabeça-de-casal entretanto já tinha junto (no processo de inventário, não neste apenso) a tradução certificada da Lei do Estado da Virgínia (consultada na internet em 15/02/2011 como resulta do mesmo). O recorrido, notificado desta junção veio então dizer (também para o processo de inventário, não para este apenso) que a tradução não se encontrava autenticada nem certificada e que o documento não identificava cabalmente a que lei se refere, existindo sérias dúvidas – não diz quais – sobre a idoneidade do documento e da respectiva tradução, pelo que os impugna.

A cabeça-de-casal, notificada daquele despacho judicial, veio esclarecer (em requerimento que enviou para o processo de inventário) que a lei em causa era o Código da Virgínia, disponibilizado no sítio da Virginia General Assembly na internet e explica como é que se pode aceder ao mesmo.

Depois de tudo isto junto a este apenso, os autos foram finalmente remetidos a este tribunal de recurso.

* Questão que cumpre solucionar: as inerentes à impugnação do documento e tradução; e a de saber se os dois imóveis situados nos EUA devem ou não ser relacionados neste inventário por divórcio.

* Os factos a considerar são os que resultam dos três §§ iniciais do relatório que antecede.

* A questão do documento O documento em causa como se verá melhor mais à frente, é um extracto do Código da Virgínia. Trata-se da impressão avulsa de um [extenso] parágrafo (20-107.3) desse Código.

A tradução do mesmo não era, só por si, obrigatória, como decorre do art. 140º/1 do CPC. De qualquer modo, a recorrente juntou uma tradução certificada.

O recorrido diz que existem sérias dúvidas sobre o documento e a tradução, mas não diz que dúvidas são essas, pelo que tal bastaria para não se ordenar a tradução do documento pela via prevista no nº. 2 do art. 140 do CPC. Por outro lado, é fácil conferir a idoneidade da tradução apresentada (a segunda – a que foi junta no início era uma tradução automática…), bastando confrontá-la com o original à medida da sua leitura, tanto mais que o recorrido tem também, segundo ele, nacionalidade americana (o que implica o conhecimento escrito e falado da língua inglesa).

Quando à idoneidade do documento: a consulta da página da internet invocada pela recorrente não dá origem a quaisquer dúvidas sobre a autenticidade do Código em causa e do sítio da internet donde foi retirada: trata-se de uma página da própria Virginia General Assembly. De resto, pode-se aceder a esse sítio através do sítio do Virginia’s Judicial System http://www.courts.state.va.us/main.htm, outro quanto ao qual não se levantam quaisquer dúvidas sobre a respectiva autenticidade e onde se confirma que o Code of Virginia Searchable Database é mantido pela Virginia General Assembly.

Por último, se a recorrente não tivesse junto tal documento e tradução, sempre o próprio tribunal poderia – se o considerasse necessário - ter procurado esta legislação e tê-la invocado, traduzindo-a ele próprio se o soubesse fazer, ao abrigo do art. 348º/2 do CC. Aliás, é muito frequente que os tribunais de recurso recorram ao direito estrangeiro e invoquem o respectivo conteúdo, fazendo a sua tradução simultânea, não se levantando qualquer questão quanto a isso. As partes podem sempre impugnar as conclusões a que os tribunais assim cheguem, como o podem fazer quanto ao direito português (veja-se aliás neste sentido, o art. 722º/2 do CPC: é fundamento de revista a violação de lei substantiva, considerando-se como tal também as disposições genéricas, de carácter substantivo, emanadas dos órgãos de soberania estrangeiros).

Assim, parafraseando, por exemplo, Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado, Universidade de Coimbra, 1973, págs. 589/600, diga-se que o direito estrangeiro é aplicado entre...

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