Acórdão nº 623/10.0T2OBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução09 de Janeiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: 1.

“A W..., , Lda.”, devidamente identificada nos autos, impugnou judicialmente a decisão administrativa da Administração da Região Hidrográfica do Centro, I.P. (ARH Centro), proferida em 11 de Março de 2010, que lhe impôs a coima, especialmente atenuada, de € 19.250,00 (dezanove mil duzentos e cinquenta euros), pela prática de uma contra-ordenação prevista no artigo 81.º, n.º 3, alínea u) do DL 226-A/2007, de 31 de Maio, e punida pelo artigo 22.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto.

*2.

Por sentença de 16 de Junho de 2011 (cfr. fls. 73/83), a Mma. Juíza do Juízo de Instância Criminal de Oliveira do Bairro (Comarca do Baixo Vouga) julgou o recurso de impugnação totalmente improcedente.

*3.

Inconformada, a arguida interpôs recurso, tendo extraído da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1.ª - Em processo de contra-ordenação, o direito de defesa não se limita à possibilidade do arguido ser ouvido nesse processo; abrange também o direito de intervir neste, apresentando provas ou requerendo diligências.

2.ª - A autoridade administrativa (ARHC), ao referir que “atendendo que a arguida confessou os factos em sede de pronúncia escrita, entendeu-se, por questões de economia processual, prescindir-se da audição das testemunhas arroladas, sendo certo que esta decisão, como adiante se verá, em nada prejudica a defesa da arguida”, não fundamentou, de forma válida e eficaz, a decisão de não efectuar diligências requeridas pela arguida. E sendo certo que tais diligências se devem considerar obrigatórias, aquela entidade administrativa não as podia preterir de livre vontade e sem fundamentação.

3.ª - O facto da entidade administrativa prescindir da inquirição das testemunhas arroladas pela defesa da arguida determina uma nulidade processual insanável, nos termos do art. 120.º, n.º 2, al. d), do Código Penal, aplicável por força do art. 41.º, n.º 1, do DL 433/82, de 27/10, por violar o direito de defesa da arguida, previsto no art. 50.º do DL 433/82, de 27/10.

4.ª - A sentença, ao dar como provado que “no dia 20 de Fevereiro de 2008, pelas 12 horas, a arguida “A W... Lda.” estava a rejeitar água de cor azul nas condutas de águas pluviais que são encaminhadas para a ZZ...” (ponto 1) e que “o sócio-gerente, assim como toda a administração da empresa arguida desconheciam a situação” (ponto 2), permite concluir que, não obstante o facto da água cor azul estar a ser rejeitada da empresa Recorrente, nenhum elemento da administração da empresa mandatou ou instruiu alguém para que praticasse tal acto.

5.ª - Perante isto, a recorrente não pode ser responsabilizada pela prática da referida infracção, pois para que tal acontecesse seria necessário que a decisão em apreço contivesse «materialidade fáctica que impute directamente a prática do ilícito à empregadora, quer seja a nível de exclusiva autoria, quer de co-autoria, quer de cumplicidade (cfr. arts. 26.º e 27.º do C. Penal), aplicáveis aos ilícitos contra-ordenacionais, por força do disposto no art. 32.º do DL 433/82» Cfr. os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 12/7/2004 e de 417/2007, in www.itij.pt.

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6.ª - O que não sucedeu no caso presente, o que determina a absolvição da arguida.

7.ª - Por outro lado, os valores dos montantes mínimos da coima (em caso de negligência, fixados em € 38.500,00 no caso de pessoas colectivas e de € 20.000,00 no caso de pessoas singulares) previsto no art. 22.º, n.º 4, alínea b), do DL 50/2006, de 29/8, tornam a mesma inconstitucional por violar o princípio da proporcionalidade - art. 18.º, n.º 2, da C.R.P.

8.ª - A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias das pessoas nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente garantidos.

A defesa do bem jurídico de protecção do ambiente e dos recursos naturais que se pretende alcançar com aquela norma deve ser proporcional ao outro bem jurídico que se restringe com a norma (o património das pessoas), numa tarefa de ponderação prática que cabe ao legislador, respeitando os princípios constitucionais.

No caso concreto daquela norma, e tendo em conta os rendimentos médios das pessoas singulares e colectivas do nosso país, uma coima com um montante mínimo, respectivamente, de € 20.000,00 e € 38.500,00 é completamente desproporcional e excessiva! 9.ª - Sem prescindir, mesmo que assim não se entenda, o que por mera hipótese se coloca, se se decidir que a recorrente deve ser responsabilizada pela infracção, há que ter em conta que a recorrente está acusada de uma contra-ordenação prevista no art. 81.º, n.º 3, alínea u), do DL n.º 226-A/2007, de 31/5, que prevê como contra-ordenação a “rejeição de águas degradadas directamente para o sistema de disposição de águas residuais, para a água ou para o solo, sem qualquer tipo de mecanismos que assegurem a depuração destas”, punível, nos termos do art. 22.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29/8 (Lei quadro das contra-ordenações do ambiente) alterada pela Lei n.º 89/2009, de 29/8, com coima, no caso de pessoas colectivas, de € 38.500,00 a € 70.000,00, em caso de negligência, e de € 200.000,00 a € 2.500.500,00, em caso de dolo.

10.ª - A lei aplicável no caso concreto é a lei mais favorável ao arguido (arts. 3.º, n.º 2 e 2.º, n.º 2, do Código Penal, aplicável por força do art. 41.º, n.º 1, do RGCO) - logo, seria aplicável a norma com a alteração da Lei 89/2009, que estabelece montantes inferiores para as coimas a aplicar, neste caso, às pessoas colectivas.

Não se concorda, pois, com a douta sentença na parte em que afirma “a coima a aplicar no caso concreto é de € 60.000 a € 70.000 no caso de negligência das pessoas colectivas” (redacção original da Lei 50/2006, de 29/08) mas antes a redacção actual, introduzida pela Lei 89/2009, de 31/8, que prevê “coima no caso de pessoas colectivas de € 38.5000,00 a € 70.000,00 em caso de negligência, e de € 200.000,00 a € 2.500.5000,00 em caso de dolo”.

11.ª - De resto, a douta sentença ainda assim não alterou a decisão da autoridade administrativa tendo em conta o princípio da “reformatio in pejus” do art. 72.º-A do RGCO - “impugnada a decisão da autoridade administrativa ou interposto recurso da decisão judicial somente pelo arguido, ou no seu exclusivo interesse, não pode a sanção aplicada ser modificada em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes”.

12.ª - No caso em apreço, o Tribunal a quo decidiu manter a decisão da autoridade administrativa, que condenou a arguida numa coima especialmente atenuada no mínimo legal de € 19.250,00 (dezanove mil duzentos e cinquenta euros) por aplicação do n.º 3 do art. 18.º do DL n.º 433/82, de 27/10.

13.ª - Apesar da atenuação especial da coima - fixando-se em metade do mínimo legal previsto para o caso de negligência em caso da infracção ser cometida por pessoa colectiva - prevista no n.º 3 do art. 18.º do DL 433/82, de 27/10 - a aplicação de uma coima no valor de € 19.500,00 (dezanove mil e quinhentos euros) é ainda assim manifestamente excessiva, perante as circunstâncias do caso concreto - nomeadamente que a administração da empresa arguida desconhecia toda a situação; não actuou com culpa; não houve qualquer perigo de contaminação da água (a tinta não é tóxica); a arguida não retirou qualquer benefício económico da contra-ordenação, pois a recolha de resíduos é feita por uma empresa credenciada para o efeito; a sociedade arguida é primária; trata-se de uma empresa licenciada e certificada; e já tomou medidas para prevenir futuras situações com a colocação de sistema de vídeo vigilância.

14.ª - Tendo em conta a reduzida culpa do agente e da infracção, pois, não obstante a classificação da infracção descrita como “muito grave”, a verdade é que a tinta em causa é uma tinta de água, de curta duração, apenas alterou a cor da água, mas é completamente inócua à fauna e flora, não tendo qualquer toxicidade para os seres vivos, e a arguida apenas foi negligente, 15.ª - justifica-se, assim, tendo em conta estas circunstâncias, a aplicação da pena de admoestação prevista no artigo 51.º do RGCO.

Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que decida de harmonia com as antecedentes conclusões.

*4.

O Ministério Público rematou a sua resposta ao recurso nos termos infra transcritos: 1 - No recurso interposto da decisão administrativa, alegou a recorrente que a autoridade administrativa, ao não proceder à inquirição das testemunhas indicadas na sua defesa no âmbito do processo administrativo, violou o direito de defesa a que alude o art. 50.º do RGCO, violação essa que configura uma nulidade processual, nos termos do art. 120.º do CPP, aplicável por força do art. 41.º do RGCO; 2 - Na sentença ora recorrida, entendeu-se não existir a alegada nulidade, reconhecendo-se, no entanto, que o arguido tem o direito de pronunciar-se sobre a contra-ordenação e sanção na fase administrativa, bem como a possibilidade de requerer a prática de diligências que entenda como relevantes para a sua defesa em termos semelhantes ao que sucede em sede de inquérito; 3 - Porém, considerou o Tribunal que a autoridade administrativa não está obrigada a praticar os actos requeridos pelo arguido, uma vez que, presidindo à investigação e instrução do processo, “apenas deverá praticar os actos que se proponham atingir as finalidades daquela...

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