Acórdão nº 36/11.6PJOER-A.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Dezembro de 2011

Magistrado ResponsávelAGOSTINHO TORRES
Data da Resolução20 de Dezembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA – 5ª SECÇÃO (PENAL) I-RELATÓRIO 1.1- No âmbito do inquérito NUIPC 36/11.6PJOER a correr termos no DIAP de Oeiras- 3ª secção, contra vários arguidos (A…, B... e C...), em que se investiga a comissão em comparticipação (co-autoria, os dois primeiros e cumplicidade, a segunda) de crime de homicídio qualificado na pessoa de D... p.p. nos termos dos artºs 131º e 132º nº2 alª j) e de detenção de arma proibida p.p. no artº 86º nº1 alª d) da Lei nº 5/2006 de 23/02, com referência aos artºs 2º nº1 alª m) e 3º n.sº1 e 2 , alª f) do mesmo diploma, o Ministério Público vem recorrer do seguinte despacho judicial do Mmo JIC proferido a 7 de Outubro de 2011, na sequência de apreensão de vária correspondência em casa da arguida C... em busca previamente ordenada por mandado judicial: “Fls. 780: O Ministério Público doutamente promove a validação judicial da correspondência apreendida à arguida C..., a qual é composta por 28 envelopes abertos contendo no seu interior várias cartas que a esta foram escritas e enviadas pelo arguido A... durante a reclusão deste no Estabelecimento prisional, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 179.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

Conforme entendimento propugnado por Paulo Pinto de Albuquerque e acolhido por jurisprudência, a que aderimos, o artigo 179.º do Código de Processo Penal é aplicável a toda a correspondência enquanto ela não for aberta pelo seu destinatário, sendo aplicável o disposto no artigo 178.º desse diploma a correspondência já aberta pelo destinatário.

Com efeito, veja-se a anotação ao artigo 179.º do CPP do autor supracitado (Comentário do Código de Processo Penal à luz da CRP e da CEDH, de Paulo Pinto de Albuquerque, pág. 509, Universidade Católica, 4.ª Ed.), segundo o qual: “ Esta disposição – i.e. o artigo 179.º do CPP – protege toda a correspondência enquanto ela não foi aberta pelo seu destinatário. (…). A apreensão da correspondência já aberta pelo seu destinatário está subordinada ao regime geral do artigo 178.º, com ressalva do disposto quanto à correspondência abrangida pelo segredo profissional ou segredo médico (ver nota prévia ao artigo 189.º). A apreensão implica que a correspondência é retirada do circuito normal do correio, não sendo admissível a apreensão de uma carta para dela se extrair uma certidão, devolvendo-a em seguida ao circuito normal de correio (acórdão do TRL, de 15.12.2009, in CJ, XXXIV, 5, 133).

Com efeito, como bem decide o acórdão do TRL, de 02-03-2011, relatado pelo juiz desembargador Jorge Raposo (processo 463/07.3TAALM-A.L1-3, cujo texto está integralmente disponível no sítio da internet www.dgsi.pt), assim acontece porque a correspondência aberta pelo seu destinatário passa a ter a natureza de documento e goza apenas da protecção que todos os documentos merecem, tendo em conta que a correspondência é por definição fechada, deixando-o de o ser assim que é aberta, razão pela qual reveste natureza de documento e não goza da protecção conferida pelo artigo 34.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

No caso em apreço, conforme resulta inequívoco e se fez menção, as cartas escritas e enviadas pelo arguido A... à arguida C... foram recebidas por esta, que abriu o envelope selado que lhe servia de invólucro e as leu, guardando-as nesse estado no interior da sua habitação onde foram apreendidas.

Daí que não se trate de correspondência, uma vez que foram abertas e lidas pela destinatária, revestindo sim a natureza de documentos que não cumpre diferenciar face a quaisquer outros guardados no interior do domicílio que foi objecto de busca.

Tais cartas foram trocadas entre arguidos, pelo que não estão protegidas por qualquer segredo profissional ou médico, razão pela qual obedecem ao disposto no artigo 178.º do Código do Processo Penal.

Equivale o mesmo a dizer que a apreensão desses documentos deverá ser validada por despacho da autoridade judiciária competente, que no caso é o Ministério Público, enquanto dominus da fase de inquérito em que se encontram os presentes autos, no prazo de 72 horas (cf. artigo 178.º, n.º 1, 3 e 5, e 267.º do Código de Processo Penal).

Com efeito, não se verifica no caso em apreço a competência material do juiz de instrução criminal estabelecida pelo artigo 269.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Penal.

Pelo exposto, com fundamento na incompetência do juiz de instrução criminal para a validação da apreensão referida, indefiro a douta promoção ora apreciada.

* Notifique e devolva de imediato os autos ao Ministério Público para, assim entendendo, validar atempadamente a apreensão dos documentos assinalados.

1.2 – Desta decisão recorreu o MºPº dizendo em conclusões da motivação apresentada: “ 1- Constitui objecto deste recurso a decisão do Mmo. J.IC. de declarar a sua incompetência material, e, desse modo, não validar a apreensão de correspondência encontrada no domicílio da arguida C..., não tomar conhecimento do conteúdo dessa correspondência, e, de não apreciar e decidir o que é ou não relevante para a prova.

2- Os presentes têm por objecto a investigação de factos susceptíveis de integrarem: a) um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º n.º 2 al. j) do Cód. Penal, praticado contra D..., e, imputado, a título de co-autoria material, aos arguidos A… e B… e, a título de cumplicidade, à arguida C...; e, b) um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º n.º 1 al.d) da Lei n.º 5/2006 de 23/02, por referência aos arts. 2.º n.º 1 al. m) e 3.º n.º 1 e n.º 2 al. f) do mesmo diploma.

3 – O Ministério Público promoveu que o Mmo. J.I.C. determinasse a emissão de mandados de busca ao domicílio da arguida C..., com vista à apreensão das cartas escritas pelo arguido A... àquela arguida, pois que – segundo declarações do arguido B... -, nas mesmas, o arguido A... teria confessado a sua participação no homicídio de D....

4 – Por douto despacho judicial, foi autorizada: a) a realização da busca à residência da arguida C..., bem como respectivos anexos, caixas postais e garagens; b) a apreensão de quaisquer elementos de prova que aí se encontrassem e que se afigurassem de interesse para a prova dos crimes indiciados; e, c) a apreensão de toda e qualquer correspondência encontrada no interior do domicílio que tivesse sido trocada entre os arguidos ou outra que revestisse importância para a descoberta da verdade.

5 – No dia 04 de Outubro de 2011, pelas 10h50m, foi realizada a busca ordenada e foram apreendidos 28 envelopes e respectivo conteúdo, sendo que dos quais: a) 22 (vinte e dois) têm manuscrito na frente do envelope a indicação de que o remetente é o arguido A... e a destinatária é a arguida C..., desconhecendo-se qual o seu conteúdo. Desses 22 envelopes, 19 foram enviados por via postal (conforme resulta do carimbo dos CTT aposto nos mesmos), e, três foram necessariamente entregues por mão (conforme atesta a não indicação das moradas de destinatário e remetente, e, a ausência de selo e de carimbo postal). Destes três últimos envelopes referidos, dois deles nunca foram fechados/selados, já que cada um deles mantém a tira removível na zona com cola.

  1. 03 (três) não têm qualquer palavra manuscrita na frente ou no verso do envelope, desconhecendo-se qual o seu conteúdo, designadamente se é correspondência escrita e entregue pelo arguido A... à arguida C... e se a mesma é ou não dirigida a esta. Foram necessariamente entregues por mão, quer por ausência de menção do remetente e do destinatário quer por ausência de selo e de carimbo postal.

  2. 01 (um) tem as palavras “MINHA MUSA” manuscritas na frente do envelope, desconhecendo-se qual o seu conteúdo, designadamente se é correspondência escrita e entregue pelo arguido A... à arguida C... e se a mesma é ou não dirigida a esta. Foi necessariamente entregue por mão, conforme resulta da ausência de menção do remetente e de cabal identificação do destinatário, e, da ausência de selo e de carimbo postal.

  3. 01 (um) tem a palavra “FOFINHA” manuscrita na frente do envelope (na zona do remetente), desconhecendo-se qual o seu conteúdo, designadamente se é correspondência escrita e entregue pelo arguido A... à arguida C... e se a mesma é ou não dirigida a esta. Foi necessariamente entregue por mão, conforme resulta da ausência de cabal identificação do remetente e/ou do destinatário, e, da ausência de selo e de carimbo postal. Nunca foi fechado/selado, já que mantém a tira removível na zona com cola.

  4. 01 (um) tem os nomes “JESPV…” (sensivelmente na zona destinada ao remetente) e “A...” (na zona destinada ao destinatário) manuscritos na frente do envelope, desconhecendo-se qual o seu conteúdo, designadamente se é correspondência...

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