Acórdão nº 5247/09.1TBVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Dezembro de 2011

Magistrado ResponsávelFILIPE CAROÇO
Data da Resolução20 de Dezembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 5247/09.1TBVNG.P1 – 3ª Secção (apelação) Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia Relator: Filipe Caroço Adj. Desemb. Pinto de Almeida Adj. Desemb. Maria Amália Santos Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

B…, viúva, e C…, solteira, maior, ambas residentes na Rua …, nº …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, D… e mulher, E…, casados sob o regime de comunhão de adquiridos, residentes na …, nº ., …, A Corunha, Espanha, intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra F…, LDA.”, Sociedade Comercial por Quotas, com sede na Rua …, nº .., freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, Pessoa Colectiva nº ………, alegando essencialmente que, sendo donos de um prédio rústico, a primeira A. e o seu falecido marido prometerem vendê-lo à R. em Junho de 2001, dela recebendo sinal e princípio de pagamento.

A escritura de compra e venda deveria ser outorgada até ao dia 30.4.2006 em local a designar pela demandada, tendo ficado acordado que haveria incumprimento definitivo do contrato, sem necessidade de qualquer novo prazo ou data para o incumprimento, a não outorga da escritura pública prometida na data fixada.

A pedido da R., as partes adiaram a realização da escritura pública para Setembro de 2006, mas, ao contrário do estabelecido, aquela promitente deixou de fazer o reforço do sinal, o que levou a A. a notificar a R. para que procedesse à marcação da escritura pública até 30 de Setembro de 2006, o que ela não cumpriu; antes aduziu argumentos, designadamente restrições de afectação e utilização do terreno, para que o contrato definitivo não fosse celebrado ou houvesse lugar a redução do preço.

Porém, a R. ocupa o prédio desde a data do contrato-promessa, conhece-o bem e as suas condições.

Face à recusa da R., os A.A. marcaram a escritura para o dia 17.11.2006, notificando a R. para comparência, sob pena de se considerar definitivamente não cumprido o contrato-promessa, mas ela faltou.

Após vicissitudes várias, designadamente com a realização de um levantamento topográfico ao prédio, ficou demonstrada a falta de fundamento da recusa da R. em celebrar a compra e venda. Ainda assim, as A.A. marcaram nova data (30.4.2009) para o efeito, notificando mais uma vez a R. sob pena de incumprimento definitivo e resolução do contrato, que, mais uma vez faltou.

Além do reconhecimento da validade e eficácia da resolução contratual, com direito a fazer suas as quantias recebidas a título de sinal, a recuperar o prédio para a sua posse, livre de pessoas e bens, os A.A. invocam também o dever da R. de demolir as obras nele executadas, com reposição do prédio no estado anterior, o seu direito a indemnização pela realização das obras e pela reposição do terreno caso a R. a não faça. Além disso, acham-se também no direito a uma outra indemnização pelo valor do rendimento que deixaram de obter do prédio numa utilização normal, em razão da sua ocupação abusiva, por parte da demandada, desde a data da resolução contratual (30.4.2009) ou, pelo menos, desde a data da citação, pelo valor locativo mensal de € 1.366,00, até à data da sua entrega efectiva.

Deduziu o seguinte pedido, ipsis verbis: «NESTES TERMOS e nos mais de Direito, deve a presente acção ser julgada totalmente procedente por provada e, em consequência: A. Ser a R. condenada a reconhecer os A.A. como donos e legítimos proprietários do prédio rústico supra identificado no ponto 1° desta P.I.; B. Ser declarado que em 30 de Abril de 2009 o Contrato-Promessa de Compra e Venda de 18 de Junho de 2001 foi resolvido de forma válida, lícita e eficaz, com todas as consequências legais; C. Ser reconhecido o direito dos A.A. fazer sua a quantia de 159.616,00 Euros recebida a título de sinal; D. Ser a R. condenada a demolir e remover as obras (muro e aterro) que implantou no prédio rústico dos A.A. e a repor o terreno no estado em que se encontrava antes destas obras, no prazo de 15 (quinze) dias.

  1. Ser a R. condenada a restituir aos A.A. o prédio rústico sub judice, livre de pessoas e bens; F. Ser a R. condenada a pagar aos A.A. indemnização pelos prejuízos patrimoniais sofridos a liquidar em execução de sentença.

  2. Ser a R. condenada a pagar a quantia de 1.366,00 Euros por cada mês que decorrer desde 30 de Abril de 2009, ou caso assim não seja entendido, desde a citação e até a efectiva entrega do prédio aos A.A.

  3. Ser a R. condenada nas custas do processo, procuradoria condigna e no mais de Lei.» Citada, a R. contestou a acção, deduzindo também reconvenção.

Por excepção, invocou erro sobre o objecto do negócio.

Alega que os promitentes-vendedores sabiam que a R. queria afectar o terreno a um depósito de sucatas e necessitava de um financiamento bancário para pagamento do preço, sem o que não teria qualquer interesse na celebração do negócio.

Porém, a instituição de crédito recusou o financiamento com base no facto do prédio se encontrar localizado em denominada Reserva Agrícola Nacional, razão pela qual nenhuma edificação nem tampouco a actividade pretendida (depósito de sucata) ali poderia ser empreendida. Ainda assim, a R. manifestou junto dos A.A. a sua intenção de concretizar o negócio ou, em alternativa, a resolução consensual do mesmo.

A limitação resultante da impossibilidade de utilização do terreno para a finalidade evidenciada supra, onera sobremaneira a R., originando a diminuição do valor do prédio rústico, desencadeando um erro que bem se pode dizer que atinge os motivos determinantes da vontade.

Os A.A. não lhe forneceram os dados relativos à situação do prédio, sito na RAN e a operacionalidade do prédio para o fim a que a R. o pretendia destinar era condição necessária da formação da vontade negocial daquela, esclarecida e livre.

Os A.A. violaram o seu dever de informação e foi a causa do erro da R., qualificado por dolo.

Tratando-se de qualidades substanciais e relevantes do terreno, o negócio deve ser anulado, devendo ser restituído o que foi prestado por cada uma das partes.

A R. ainda impugnou parcialmente os factos alegados pelos A.A. insistindo pela situação do prédio na RAN e acrescentando que tem uma área mais reduzida do que a que foi apontada pelos promitentes-vendedores.

A R. sempre mostrou vontade séria em cumprir com o acordado e realizar o negócio, com redução do preço aceite pela A. e o marido (então ainda vivo).

Na reconvenção, invocam que foram os A.A. que não cumpriram o contrato-promessa e estão em mora, devendo restituir as quantias já pagas pela R. que não contava com as limitações da RAN nem com uma redução na ocupação imposta pela obrigatoriedade de recuar 7 metros junto à linha da estrada.

Em qualquer caso, há uma alteração de circunstâncias que determina a correcção do valor das prestações.

Termina com o seguinte pedido reconvencional, ipsis verbis: «Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exª: 1- Devem ser julgados improcedentes por não provados os pedidos deduzidos pelos A.A.

2 – Deve ser julgada provada e procedente a invocada excepção peremptória “erro sobre o objecto do negócio”, com as demais consequências legais; 3- Sem prescindir, deve ser julgado procedente por provado o pedido reconvencional deduzido pela R.: resolução do contrato devido ao incumprimento dos A.A. ou, modificação do contrato por alteração das circunstâncias segundo juízos de equidade, com as demais consequências legais.

4- Devem os A.A. ser condenados no pagamento das custas, procuradoria e honorários da mandatária da Ré.» Os A.A. replicaram, opondo-se à matéria de excepção e à reconvenção, argumentando no sentido da inexistência de qualquer condição na celebração do contrato-promessa, de qualquer erro ou alteração de circunstâncias.

Se a R., consciente da finalidade para a qual pretendia o prédio, e a ser verdade tal pretensão, tivesse sido minimamente diligente e responsável como devia e podia, teria confirmado tal informação --- informação esta pública e facilmente acessível a qualquer cidadão --- quer através de consulta directa do PDM quer através de um pedido de informação prévia junto da Câmara Municipal. E acrescenta que a R. está a ocupar o prédio desde a data da celebração do contrato-promessa, com estacionamento de veículos, tendo sido sempre do seu perfeito conhecimento todas as características e condicionantes do prédio (designadamente a sua localização e confrontação a Norte com a A1/IC2, A1/IP1).

Negam ainda que tenha havido qualquer renegociação do contrato-promessa, designadamente com redução do preço. Acrescentam que a área real do prédio até é superior à que consta do contrato-promessa, mesmo com as limitações impostas junto à linha de estrada.

Também em matéria de reconvenção, os A.A. reafirmam que o incumprimento do contrato se deve exclusivamente a culpa da R. e que não há qualquer alteração de circunstâncias, devendo aquela ser julgada improcedente.

Na perspectiva dos A.A., a R. alega factos cuja falsidade conhece, fazendo uso indevido dos meios processuais para obter resultados que sabe a eles não ter direito, litigando de má fé.

E concluem pela reafirmação do sentido da petição inicial, e de que devem as excepções e os pedidos reconvencionais deduzidos pela R., bem como os restantes pedidos, ser considerados improcedentes, por não provados, com todas as legais consequências. E, em qualquer caso, a R. condenada como litigante de má fé em multa e indemnização a favor dos A.A.

Fixado o valor à causa e dispensada a realização da audiência preliminar, foram elaborados os factos assentes e a base instrutória, não tendo as partes apresentado qualquer reclamação.

Instruída a causa, designadamente com a realização de uma perícia, teve lugar a audiência de julgamento que culminou com respostas fundamentadas às questões de facto enunciadas na base instrutória, não tendo sido apresentada qualquer reclamação.

Nessa sequência, foi proferida sentença cujo segmento decisório se transcreve: «Nos termos expostos, julgo parcialmente procedente a...

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