Acórdão nº 771/08.6PCCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Dezembro de 2011
Magistrado Responsável | PAULO GUERRA |
Data da Resolução | 20 de Dezembro de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
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No processo comum colectivo n.º 771/08.6PCCBR da Vara Mista de Coimbra, foram julgados os arguidos: A...
, vendedor ambulante, residente na …, Coimbra, e B...
, feirante, residente …, Coimbra, TENDO-LHES SIDO IMPUTADO, nos termos da acusação de fls. 394 a 398, a prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº1 e 24º, al.i) do DL nº 15/93, de 22/01, por referência às tabelas anexas I-A e I-B, sendo o arguido A... como reincidente (arts. 78º e 79º do C.Penal) e imputando, ainda, ao arguido A..., em concurso efectivo com tal crime e como autor material, um crime de detenção de arma proibida, à data p. e p. pelo artigo 86º, nº 1 c) da Lei nº 5/2006, de 23.02., e agora pelo artigo 86º, nº 1 c) de tal Lei, na redacção da Lei 17/2009, de 06.05.
2. Por acórdão datado de 15 de Julho de 2011 (Volume 4º), obteve-se o seguinte veredicto do Colectivo das Varas Mistas de Coimbra: «Em face do exposto, acordam os juízes que constituem este tribunal colectivo, julgar a acusação apenas parcialmente procedente, porque apenas parcialmente provada, em consequência do que: a. Condenam o arguido A...
como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p.e p. pelos arts. 21º, nº 1 e 24º. al.i) do DL nº 15/93 de 22.01., com referência à tabela anexa I-A e I-B, como reincidente, na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão; b. Absolvem o mesmo arguido A...
como autor material do crime de detenção de arma proibida, à data p. e p. pelo artigo 86º, nº 1 c) da Lei nº 5/2006, de 23.02., e agora pelo artigo 86º, nº 1 c) de tal Lei, na redacção da Lei 17/2009, de 06.05..; c. Condenam a arguida B...
como autora material de um crime de tráfico de estupefacientes, p.e p. pelos arts. 21º, nº 1 e 24º. al.i) do DL nº 15/93 de 22.01., com referência à tabela anexa I-A e I-B, na pena de 6 (seis) anos de prisão».
3.
Inconformados, recorreram OS DOIS arguidos: RECURSO A B...
RECURSO B A....
Existe um TERCEIRO recurso (o C), intentado em 12/7/2011, pelo arguido A..., relativamente a um despacho exarado em cata e datado de 27 de Junho de 2011, recurso esse que o arguido mantém interesse em ser processado (cfr. fls 912).
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Vejamos, de seguida, os argumentos dos 3 recursos intentados.
4.1.
RECURSO A A arguida B... finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1° - Conforme resulta provado nos autos, os produtos estupefacientes apreendidos, foram-no no interior da residência da arguida, mais propriamente no interior do quarto da Testemunha C... (cfr. Auto de busca e apreensão de fls. 148).
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- A testemunha C..., nascida em … (portanto com quase 17 anos de idade à data da apreensão referida) afirmou em depoimento prestado, no dia 13 de Maio de 2011 (cfr. Acta com a referencia 2757894), que o produto estupefaciente apreendido, foi deixado no seu quarto pelo seu namorado, a quem conhecia por DJ, proveniente do Porto e que havia deixado a residência dos seus pais cerca de 5 minutos antes da intervenção policial.
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O RDE de fls. 144-145 confirma o facto de o referido namorado da testemunha C..., ter saído pouco antes da intervenção policial.
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O RDE de fls. 144-145 descreve ainda que os agentes da Policia Judiciaria, promoveram uma apertada vigilância policial ao namorado da testemunha C...; que o namorado da testemunha C... chegou á residência da arguida pelas 18h 10 minutos, de onde saiu alguns minutos depois; e que o arguido A... e a arguida recorrente, apenas regressaram a sua casa pelas 18H35 minutos, 5º. Daquele RDE não resulta que a arguida e o namorado da Testemunha C... tenha tido qualquer contacto, após a sua chegada á residência daqueles e até às 18h 35 minutos.
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Sendo certo, que esse documento (RDE de fls. 144 — 145) é, no mínimo de teor altamente duvidoso, uma vez que refere que, durante a operação policial se dirigiram á residência da arguida diversos indivíduos, alegadamente para a compra de produtos estupefacientes, facto que não logrou provar-se em julgamento (cfr. Matéria dada como não provada).
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do depoimento do inspector D... (cfr. Acta com a referencia 2757894) que procurou provar o conteúdo do referido RDE, não resultou que, entre o namorado da testemunha C... e a arguida, tivesse ocorrido qualquer contacto pessoal, na data dos factos ajuizados.
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Inexiste qualquer elemento probatório que refute o facto de arguida ter como profissão a venda ambulante, sendo certo que tal profissão foi por si indicada e que nenhuma prova foi produzida quanto á eventual inexistência de tal actividade.
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O depoimento da Testemunha F..., no depoimento prestado no dia 27/06/2011 (cfr. Acta com a referencia 2812415), confessou, no seu depoimento e em tom de voz alterado que só faltou às anteriores sessões de julgamento porque (cita)” não ando bem da cabeça” (cfr. Gravação de 27/06/2011 às 15:36:16, minuto 08:42).
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Para além disso, a testemunha juntou, a fls. 669, 770 e 690, atestados médicos para justificação de faltas à audiência de julgamento, ressaltando de entre estes, o atestado de fls. 669, emitido por um serviço de psiquiatria que atesta aquele é (cita) «é acompanhado regularmente em consulta».
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Ou seja, a credibilidade da referida testemunha, confessada e comprovadamente, com problemas mentais (cujo grau simplesmente foi ignorado pelo digno Tribunal que em momento algum se propôs proceder nos termos do disposto no artigo 131.° n.° 2 do CPP) e que foi submetido a um interrogatório, prolongado e hostil, deve ser posto seriamente em causa.
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Do exposto, resulta que nenhum elemento de prova, séria e claramente apreciados, no cumprimento do disposto o artigo 127° do CPP possibilitaria o digno Tribunal afirmar que a arguida se dedicava a qualquer acto ilícito, mormente aquele em que foi condenada, pelo que o digno Tribunal, a quo violou o disposto no artigo 127° do CPP.
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O digno Tribunal a quo, com a sua decisão, violou igualmente o princípio fundamental de in dubio pro reo, uma vez que se permite: a) sem certeza e assente numa mera convicção não fundamentada, proceder á ligação entre a prática de um ilícito e a quantia, em numerário, apreendida; b) em ligar o produto estupefaciente apreendido, á arguida, pelo mero facto de aquele se encontrar na residência desta, mesmo quando é evidente e se baseia em prova testemunhal produzida que quem o entregou estava ligado e se aproveitou de outrem; e c) a condenar a arguida pela prática de um crime, quando a versão tenebrosa da acusação é completamente contrariada pela prova testemunhal concretamente produzida em julgamento.
Nos termos e fundamentos, certamente supridos mui doutamente por Vossas Excelência, em que deve ser julgado procedente por provado o presente recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido e substituindo-se o mesmo por outro que absolva a arguida e ordene a devolução da quantia em numerário apreendida, fazendo-se assim neste Tribunal a tão acostumada JUSTIÇA».
4.2.
RECURSO B O arguido A... finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1- Nos termos do disposto no artigo 412° n° 5 do CPP, o recorrente mantém interesse no recurso intercalar interposto e cuja motivação em tempo foi apresentada.
2- O tribunal deveria ter verificado a aptidão mental da testemunha F..., para avaliar da sua credibilidade.
3- Como o não fez, tal testemunho não deveria assim ter sido considerado.
4- Impugna-se a matéria de facto dada como assente e que se fundamenta no depoimento da testemunha F..., conjugada com o relatório policial junto e depoimento da testemunha D....
5- A douta sentença não procedeu ao exame crítico das provas.
6- Na verdade a douta sentença limita-se a enumerar os elementos de prova sem proceder ao seu exame crítico e fundamentação.
7- Não considerou, nem conjugou os diferentes elementos de facto, nomeadamente o relatório policial, o depoimento da testemunha D... de etnia cigana, menor de 17 anos à data dos factos, sendo que a droga se encontrava no seu quarto.
8- No momento da detenção ao arguido A...não lhe foram encontradas quaisquer quantias em dinheiro, nem droga.
9- Se o tribunal tivesse feito o exame crítico das provas, a que se encontra obrigado, teria absolvido o arguido A.... Porque 10- Nem um único facto constante da acusação foi provado, restando apenas contra si o depoimento de um homem “que não anda bem da cabeça” e estava com medo.
11- Deverá assim a douta sentença ser revogada e ser substituída por uma outra que absolva o arguido.
12- Caso assim não se entenda, deverá ser decretada a nulidade da douta sentença, conforme artigos 374º e 379° do CPP.
Acresce que, 13- A interpretação dada ao artigo 131° n° 2 do CPP, pelo douto tribunal é inconstitucional por violar os artigos 32° e 205° n° 1 da CRP.
Nestes termos e demais de direito, deverá o presente recurso obter provimento e em consequência:
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Deverá assim a douta sentença ser revogada e ser substituída por uma outra que absolva o arguido.
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Anular-se o presente julgamento, com o consequente reenvio» 4.3.
RECURSO C (interlocutório) O arguido A... finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1. A testemunha F... no decurso do seu depoimento reconheceu que “não ando bem da cabeça”.
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Acresce que nos documentos junto aos Autos a testemunha justificou as suas faltas às sucessivas sessões de julgamentos com atestados médicos, sendo emitido pelos serviços de psiquiatria.
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Estão reunidas todas as condições para o douto tribunal se questionar de fonna séria sobre a capacidade mental da testemunha para depor.
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Em nosso entender e deixámo-lo consignado em acta a testemunha deveria ter sido de imediato submetida a um exame médico.
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Andou assim mal o meritíssimo juiz a quo, ao prosseguir a inquirição da testemunha sem proceder a realização do exame.
Nestes termos e demais de direito deverá o presente recurso obter provimento e revogar-se o douto despacho, sendo substituído por um outro que decrete a submissão a exame médico testemunha F..., para avaliar da sua capacidade mental».
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