Acórdão nº 40/08.1TAPNH.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Dezembro de 2011
Magistrado Responsável | ISABEL VALONGO |
Data da Resolução | 20 de Dezembro de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
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RELATÓRIO No processo comum singular supra identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença em 27-04-2011, que condenou os arguidos A..., residente na Rua …, Pinhel e B...
, residente na Rua…, Pinhel, como co-autores de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256º, nº 3, com referência ao nº 1, al. b), do Código Penal na redacção vigente à data e p. e p. nos termos do art. 256, nº 3, com referência ao nº 1, al. d) e e), do Código Penal, na redacção dada pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, em vigor desde 15.09.2007, respectivamente, na pena de duzentos e setenta dias de multa no quantitativo diário de oito euros e na pena de duzentos e cinquenta dias de multa no quantitativo diário de oito euros.
* Desta sentença, os arguidos interpuseram recurso, sendo do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso: 1.
Não se mostram apurados nos autos benefícios ou prejuízos causados em concreto pela escritura de liquidação da sociedade; 2.
O regime das sociedades em liquidação, que responsabiliza pessoalmente os sócios perante terceiros pelas ilegalidades por si cometidas no processo anula qualquer possível benefício que estes pudessem obter com a escritura; 3.
A escritura de retificação vem sanar qualquer ilegalidade e mostra precisamente que se não pretendeu obter qualquer benefício ilícito ou causar danos a terceiros.
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Mesmo que assim se não entenda, uma vez que a escritura de retificação foi feita antes da concretização de qualquer dano, ou da obtenção de qualquer benefício, deveria ter sido tomada em devida conta, valorando-a como desistência ou, pelo menos, como uma manifestação de arrependimento.
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Em qualquer caso, as penas aplicadas são manifestamente excessivas perante os factos provados.
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Violou a sentença recorrida as seguintes normas legais: artigo 256°, n° 3, com referência ao n° 1, alínea b), do Código Penal, na redação vigente à data, e previsto e punido nos termos do art° 256° n° 3, com referência ao n° 1, al. d) e e), do Código Penal, na redação dada pela lei n° 59/2007, de 4 de Setembro, em vigor desde 15 de Setembro de 2007 e artigos 24° e 71°, n° 2, alínea e) e 72°, do Código Penal.
Termos em que deve ser revogada a douta sentença recorrida, sendo absolvidos os arguidos, ou, caso assim se não entenda, ser-lhes aplicada uma pena especialmente atenuada.
* O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.
Respondeu o MP junto da 1ª instância, manifestando-se pela improcedência do recurso.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela procedência do recurso.
* Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.
* O objecto do recurso restringe-se à matéria de direito, sem prejuízo do conhecimento dos vícios constantes do artº 410 nº 2 do CPP.
* Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir: II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. Norma legal que justifica o entendimento unânime de que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelos recorrentes, as questões a decidir – sem prejuízo das de conhecimento oficioso – são: - Se se encontram preenchidos os elementos constitutivos do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art 256, nº 1, al d), e nº 3 todos do Cod Penal; - atenuação especial da pena; - excessividade da pena.
Para a resolução destas questões, importa ter presente o que de relevante consta da decisão objecto do recurso. Assim:
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A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos (transcrição): 1. Os arguidos eram os únicos sócios gerentes da sociedade “XX...-, LDA.”, com sede na … , em Pinhel.
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Os arguidos, nessa qualidade, a 9 de Março de 2006, no primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada de Viseu, outorgaram a escritura pública de “Dissolução” da citada sociedade tendo declarado perante o Primeiro Ajudante daquele Cartório e do Centro de Formalidades de Empresas de Viseu, estando aquele no pleno exercício de funções notariais, o seguinte: “... que decidem dissolver a sociedade, que já cessou actividade, tendo já liquidado todo o seu activo e passivo, sendo as respectivas contas encerradas e aprovadas nesta data”.
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A escritura pública foi lida aos outorgantes, ora arguidos, e aos mesmos foi explicado o seu conteúdo, tendo estes assinado a mesma.
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Os arguidos sabiam que as declarações que faziam constar no documento não correspondiam à realidade, uma vez que a sociedade, naquela data e ainda actualmente, tinha dívidas a terceiros, nomeadamente à Segurança Social, no valor de 14.722,66€ e dívidas referentes a IVA e Coimas referentes aos anos de 2002, 2003 e 2004.
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Acresce que a sociedade foi condenada, por sentença do Tribunal de Trabalho da Guarda, nos autos de Acidente de Trabalho (Proc. 99/98), transitada em julgado a 24.02.1999, no pagamento à autora C..., por si e em representação das filhas menores, os valores discriminados na sentença junta aos autos a fls. 126 a 130 cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, valores que a “XX...-EXTRACÇÃO e EXPLORAÇÃO DE GRANITOS, LDA.”, não pagou.
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Tudo o que o que os arguidos não podiam desconhecer por serem os sócios gerentes da mesma.
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Além disso, a citada sociedade, naquela data, era titular de um bem imóvel, prédio rústico, sito em … , na freguesia de … , adquirido por compra a 24.07.1998, inscrito na Conservatória de Registo Predial de Pinhel, e ali descrito, com o nº … , inscrito na matriz da citada freguesia com o número … .
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Os arguidos na posse da citada escritura pública, naquela data de 9.03.2006, utilizaram a mesma para procederem ao registo na matrícula da sociedade do acto e informações ali documentadas conforme inscrição de “Dissolução e Encerramento da Liquidação, Data da aprovação de contas: 09 de Março de 2006, não tem activo nem passivo” o que realizaram na Conservatória do Registo Comercial de Pinhel, visando assim publicitar aqueles actos.
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Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente ao outorgarem na escritura pública nos termos supra referidos, o que fizeram com vista a criar um documento a que fosse atribuída fé pública, sabendo que o que declaravam e faziam constar no mesmo era juridicamente relevante e não correspondia à verdade, logrando assim inscrever no registo e tornar pública a dissolução da sociedade e inexistência de activo e passivo e levar à extinção da sociedade “XX...-, LDA.” enquanto pessoa colectiva.
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Os arguidos sabiam que, dessa forma, obtinham para si um benefício ilegítimo a que não tinham direito.
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Que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e que incorriam em responsabilidade criminal.
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Porém não deixaram de agir da forma descrita, planeando e executando a sua resolução, em comunhão de esforços e intentos.
* Mais se provou: 13. Já após o início, em 22-07-2008, do presente inquérito, os arguidos outorgaram a 28-01-2009 nas instalações do Notário Privado … , na cidade da Guarda, a escritura de que constitui cópia o documento de fls. 62 e 63, que aqui se tem por reproduzido, onde declararam, além do mais, que ratificavam a escritura outorgada a 9-3-2006, no primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada de Viseu, no sentido de apenas dissolviam a sociedade XX... uma vez que aquela tinha activo e passivo.
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E em 13-03-2009, os arguidos outorgaram nas instalações do Notário Privado … , na cidade da Guarda, a escritura de rectificação de que constitui cópia o documento de fls. 72 a 74 dos autos, na qual rectificam a escritura de rectificação de 28-1-2009, no sentido de que apenas dissolviam a sociedade XX... à data de 9-03-2006.
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A arguida não tem antecedentes criminais.
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O arguido foi já condenado em 24-04-2008 pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por factos de 01-01-2004, tendo sido isentado de pena.
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Os arguidos estão actualmente emigrados em França, onde trabalham por conta de outrem.
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E dela consta a seguinte motivação de facto (transcrição): “ (…).
Assentou o julgador a sua convicção na análise crítica, conjugada e ponderada da prova, produzida e examinada em audiência de julgamento, prova essa que foi exclusivamente documental.
Assim, atendeu-se aos documentos de fls. 8 a 10, 20 a 28, 60 a 63, 73 e 74, 79, 119 a 123, 127 a 129, 131 e finalmente aqueles juntos em audiência de julgamento, comprovativos de que os arguidos vivem em França.
Destes documentos resultou, inequivocamente, a qualidade com que os arguidos agiram, assim como a actuação conjunta – uma vez que ambos intervieram nas escrituras – e, quando sopesada a sua actuação com as regras da experiência, da lógica e senso comum, permitiu a afirmação da intenção e voluntarismo provados.
Efectivamente, sendo os arguidos gerentes, e inexistindo qualquer outra explicação lógica para a sua actuação, perante a existência de dívidas com terceiros, sobretudo com as finanças, e aquela que correu termos no tribunal do trabalho - factos de que os arguidos, como gerentes, não poderiam ignorar - a sua actuação só se compreende em virtude das causas provadas para o seu comportamento. Aliás, o comportamento posterior à instauração...
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