Acórdão nº 832/07.9TBVVD.L2-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Novembro de 2011
Magistrado Responsável | ANA PAULA BOULAROT |
Data da Resolução | 23 de Novembro de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
ACORDAM, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I M e A, instauraram acção declarativa com processo ordinário contra M A G, pedindo que esta seja condenada a ver declarada a anulação ou nulidade do testamento que a falecida mãe de ambas efectuou no Consulado-Geral do Brasil, em Lisboa, em 23 de Junho de 2005.
Alegaram para tal e em suma que a primeira Autora e a Ré são as únicas filhas e herdeiras dos seus falecidos pais, da qual aquela é cabeça-de-casal; a falecida mãe de ambas outorgou em 23 de Junho de 2005 um testamento no Consulado-Geral da Republica Federativa do Brasil; a mesma já havia efectuado anteriormente outros dois testamentos em Cartórios Notariais do Porto; no primeiro referido deixou a quota disponível à Ré, no valor de metade, o que é permitido pela lei brasileira, enquanto nos primeiros tinha deixado 1/3 de acordo com a lei portuguesa; apesar de existirem bens imóveis no Brasil a falecida nunca sequer lá se deslocou; a falecida não poderia ter efectuado o último testamento como o fez uma vez que tal só é facultado aos Brasileiros, nos termos do próprio regulamento do Consulado.
A final foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, declarando-se a ineficácia do testamento efectuado pela falecida M J, elaborado em 23 de Junho de 2005 no Consulado-Geral da Republica Federativa do Brasil e a condenação da Ré a reconhecer essa ineficácia.
Inconformada com esta decisão, recorreu a Ré, apresentando as seguintes conclusões: - Pese embora o Tribunal perfilhe o entendimento da recorrente de que a presente acção não se enquadra nas funções de cabeça-de-casal e, por isso mesmo, em tal qualidade não terá legitimidade para intentar a presente acção, configura tal questão irrelevante pois sempre teria a A. legitimidade enquanto herdeira (exerce um direito próprio) e porque "não existe qualquer conceito de "legitimidade a mais"; - Sucede que não se trata de "legitimidade a mais" mas antes de "diferentes legitimidades". Tem legitimidade enquanto herdeira já não tem enquanto cabeça de casal; - A pertinência e relevância desta questão prende-se com a consideração de que o Cabeça de Casal é, no essencial, um administrador, ao qual compete a administração da herança; - Caso não se julgue a A. parte ilegítima para intentar a presente acção enquanto cabeça de casal, a mesma irá (ou poderá) apresentar como encargo com a administração da herança a presente acção e bem assim os honorários com a mandatária que é a própria Autora, pelo que se vê que não é em vão nem inocentemente que a A. invoca a qualidade de cabeça de casal para intentar a presente acção; - Deverá a A. recorrida ser julgada parte ilegítima na invocada qualidade de cabeça-de-casal. Ao não o ter feito a sentença recorrida viola o disposto no artigo 262 do Código de Processo Civil.
- No que respeita à sucessão voluntária, mais concretamente, no que respeita ao testamento, o facto designativo é uma declaração de vontade (a do testador) e sendo uma declaração de vontade existem certos aspectos dessa conduta tais como a forma, que mereceram por parte do legislador, regulamentação especial, por outras palavras, o legislador consagrou uma regra de conflitos especial quando a situação a regular diga respeito à forma do testamento, a saber, o artigo 65º do Código Civil; - O citado artigo 65 do CC prevê como elementos de conexão (alternativa) as prescrições i) da lei do lugar onde o acto for celebrado, ii) as da lei pessoal do autor da herança, iii) as da lei para que remeta a norma de conflitos da lei local; - De acordo com o disposto no artigo 65º/1 do Código Civil, o testamento será formalmente válido se corresponder às prescrições da lei do lugar onde o acto foi celebrado, in casu, a lei brasileira, pelo que não há que cuidar de saber se para a lei da nacionalidade o negócio seria válido ou inválido; - Não há lugar a qualquer remissão para o disposto no artigo 31º do CC (como parece fazer crer a douta sentença) pois esta norma apenas é aplicável aos casos em que a norma de conflitos aplicável elege como elemento de conexão a lei pessoal, o que in casu, não se verifica; - A situação em apreço subsume-se ao disposto no artigo 65º do Código Civil dependendo a validade formal do testamento da observância da lei lugar do lugar onde o acto foi praticado (Brasil) não sendo aplicável o disposto no artigo 31º nº1 e 2 do mesmo diploma legal.
- O conjunto de "normas" que integram o Manual de Serviço Consular e Jurídico" mais não são do que meras instruções internas que têm por destinatário o Consulado e cujas disposições não são vinculativas para os particulares e muito menos para os Tribunais; - O testamento em causa foi lavrado por quem exerce as funções de tabelião no Consulado do Brasil em Lisboa, foi lido e entendido por duas testemunhas, como impõe a lei brasileira, pelo que nada obsta a que o mesmo seja considerado formalmente válido e eficaz (cfr. art. 1862º/1 e 1864º ambos do Código Civil brasileiro); - O artigo 89º II do Código de Processo Civil brasileiro prescreve que a autoridade judiciária brasileira é exclusivamente competente para procedera inventário e partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional, de forma que, porque o acto em causa apenas dispõe de bens sitos em território brasileiro e por força dessa localização, aplica-se a lei do lugar onde os mesmos são sitos – Brasil –atribuindo ao Cônsul Geral os poderes de na qualidade de notário, regular as relações respeitantes atais bens (cfr. ainda o artigo 8 do Decreto-Lei n.º 4.657 de 4 de Setembro de 1942 (Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro) e ainda com o art. 12º, §1 do mesmo diploma legal); - Mas sempre o testamento em causa seria...
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