Acórdão nº 759/11.0YRLSB-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelJORGE RAPOSO
Data da Resolução17 de Novembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO O Ministério Público veio, ao abrigo do disposto nos art.s I e II da Convenção de Extradição entre Portugal e os Estados Unidos da América de 7.5.1908 e Instrumento entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América sobre Extradição de 25.6.03, com o art. 31º da Lei 144/99 de 31.8, promover o cumprimento do pedido de extradição de G…, de nacionalidade americana, solteiro, nascido a 29.3.1943, natural do Condado de …, Estados Unidos da América, filho de … e de …, actualmente residente na freguesia de …., concelho de …, para cumprimento do remanescente da pena de 15 a 30 anos de prisão em que foi condenado pelo crime de homicídio, p. e p. pelas secções 2ª: 113-1 e 2ª: 113-2, das Leis de Nova Jersey cometido em 23.11.1962 de que havia cumprido sete anos sete meses e vinte e cinco dias.

Foi proferido despacho de viabilidade ao pedido de extradição.

Emitidos mandados de detenção e condução, foi o Extraditando detido e interrogado.

Declarou que a sua identificação anterior era a referida mas que actualmente se identifica como J…, casado, pintor decorativo, nascido a 29.3.1943, natural da Guiné Bissau, portador do BI …, emitido em …, pelos Serviços de Identificação de …, residente no …, em….

A sua actual identidade foi-lhe concedida de forma legal pelas autoridades da Guiné-Bissau, ao abrigo de um direito de asilo que lhe foi concedido em 1980, tendo adquirido a nacionalidade Guineense (Guiné-Bissau) e, posteriormente, após casamento com cidadã portuguesa, a nacionalidade portuguesa.

Opôs-se à extradição e declarou não renunciar à regra da especialidade.

No prazo de defesa, o Extraditando deduziu oposição ao pedido de extradição, salientando: A sua nacionalidade guineense adquirida ao abrigo do direito de asilo e posteriormente a aquisição da nacionalidade portuguesa A sua relação estável e duradoura, desde 1978, quer na Guiné-Bissau, quer em Portugal com a sua mulher de nacionalidade portuguesa, com quem casou em 14.7.1990 Os filhos do casal, portugueses, nascidos em Portugal, o primeiro em 2.6.1986 e a segunda em 1.2.1991 A vinda definitiva para Portugal em 1993, a situação regularizada perante as diversas autoridades e a integração social no país de que se sente parte A inexistência de garantias formais de que o Extraditando não seja julgado e condenado noutros Estados dos Estados Unidos por outros crimes A idade do Extraditando (68 anos) e a possibilidade de ter de cumprir o remanescente da pena por mais 22 anos, 4 meses e 6 dias sujeito a tratamentos desumanos ou degradantes; A existência de fundadas razões para crer que a cooperação é solicitada com o fim de perseguir o Extraditando por causa da sua raça, convicções políticas ou ideológicas e pertença a um grupo social determinado, em concreto, por ser um dos membros do Exército de Libertação Negra que em 31 de Julho de 1972 sequestrou um avião da Delta Airlines sendo procurado por esse facto pela Interpol e tendo sido formalmente acusado por esse facto em Miami, Florida por crimes a que corresponde pena de 20 anos ou morte, e por ter ligações ao movimento dos Panteras Negras; Os aludidos movimentos têm um carácter ideológico pretendendo defender os direitos das pessoas de raça negra contra a violência policial, sendo que várias pessoas referenciadas como pertencendo a esses movimentos foram sujeitas a actos de violência, agressão, assédio, tortura por parte das autoridades dos Estados Unidos da América; O facto do deferimento do pedido poder implicar consequências graves para o Extraditando, tendo em atenção a sua idade, problemas de saúde (hipertensão arterial, glaucoma e dores na coluna) que exigem acompanhamento médico e toma de medicação diária, inserção familiar e social em Portugal e ausência de ligações familiares e de amizade nos Estados Unidos, à excepção da irmã de 65 anos e com graves problemas de saúde.

Sustenta, por fim que a prescrição da pena à luz da lei portuguesa deve ser impeditiva da extradição, interpretando o artigo V da Convenção de 1908 no sentido de acautelar apenas que não haverá extradição se o extraditando estiver isento de criminalidade ou de penalidade mas sem que as regras do procedimento criminal americano operem em Portugal, chamando à colação o disposto nos art.s 12º, 31º e 32º da Lei 144/99, o art. 10º da Convenção Europeia de Extradição e os art.s 5º, 6º e 22º do Código Penal.

Concomitantemente, o Extraditando requereu diligências de prova.

O Ministério Público, na vista a que alude o art. 55º nº 3 da Lei 144/99 requereu a notificação do Extraditando para juntar aos autos documentação relativa à concessão de asilo pelas autoridades da Guiné-Bissau e à atribuição de outro nome e elementos de identificação Decorrido o prazo, sem que tais elementos fossem juntos, foi proferido despacho que considerando estar o processo habilitado com todos os elementos necessários a uma decisão conscienciosa indeferiu as diligências de prova requeridas face à suficiência da prova documental junta e ordenou o cumprimento do disposto no art. 56º nº 2 da Lei 144/99.

Nas suas alegações, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pugnou pela recusa obrigatória do pedido de extradição formulado, nos termos previstos no art. 6º al. a) da Lei 144/99, de 31.8, apresentando a seguinte síntese conclusiva: 1. Deverão julgar-se como improcedentes todos os argumentos invocados pelo extraditando G… no sentido de demonstrar haver adquirido a nacionalidade portuguesa, não ocorrendo, por isso, fundamento que, decorrente do princípio geral, constitucionalmente consagrado, da não extradição de cidadãos nacionais (artº 33º da Constituição da República Portuguesa), inviabilize a sua entrega ao Estado requerente.

  1. Dando, assim, como assente que o extraditando detém a nacionalidade norte-americana e concedendo-se que os requisitos referentes à garantia formal do cumprimento do princípio da especialidade e à determinação do exacto quantum da pena careceriam de melhor e mais apurada concretização, tal não obstaria à satisfação do pedido de extradição, uma vez accionados os mecanismos previstos no artº 45º da Lei nº 144/99, de 31/8 e no §4 do Instrumento, e seu anexo, feito em Washington em 14 de Julho de 2005, e aprovado por Resolução da Assembleia da República nº 46/2007, publicada no DR – I – de 10 de Setembro de 2007, obtida resposta satisfatória correspondente. Porém, 3. O extraditando cometeu, há cerca de 49 anos, um ilícito criminal – homicídio consumado - pelo qual foi condenado em 15 de Fevereiro de 1963, ou seja, há mais de 48 anos, a uma pena entre 15 e 30 anos de prisão, tendo permanecido evadido mais de 41 anos, sem que o Estado requerente o tivesse localizado e reclamado a sua entrega.

  2. Assim, não pode ter lugar o deferimento do pedido de extradição à luz da Convenção de Extradição entre Portugal e os Estados Unidos da América, de 07 de Maio de 1908, por a tal obstarem princípios fundamentais dos Direitos do Homem, princípios esses a que o Estado Português se encontra vinculado e decorrentes da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, designadamente os contidas no seu artº 6º, que consagra o direito a um processo equitativo e apreciado em prazo razoável, bem como princípios constitucionais insusceptíveis de postergação, designadamente os previstos nos artigos 13º, 15º 18º e 20º, nº 4 da CRP.

  3. A essa luz, é de considerar como manifestamente excessivo o período no decurso do qual pende o processo-crime que originou a formulação do pedido de extradição, mormente a execução da sentença condenatória, na certeza de que a pena imposta ao extraditando se mostra, há décadas, extinta, por efeito da prescrição, de acordo com o ordenamento jurídico português.

  4. Deve reconhecer-se à matéria relativa à prescrição da pena relevância determinante para o deferimento/indeferimento da pretensão de extradição, por relevar dos princípios estruturantes do ordenamento jurídico português e do da União Europeia, na qual Portugal se insere, como pilares fundamentais do regime democrático.

  5. Tal constitui, aliás, fundamento impeditivo da entrega, de acordo com os princípios decorrentes do artº 10º da Convenção Europeia da Extradição, igualmente subscrita por Portugal.

  6. A adopção de critérios absolutamente divergentes quanto àquela questão, conforme o país com que se contrate, para efeitos de concessão ou de denegação da cooperação, traduz uma intolerável violação daqueles princípios fundamentais – aliás de consagração constitucional – cuja observância o Estado Português deve garantir, constituindo, além do mais, uma violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP - aplicável, como regra geral, ao extraditando, por força do artigo 15º, nº 1 da CRP, à luz do qual não será lícito ao Estado Português dispensar tratamento distinto e mais gravoso a cidadãos estrangeiros em função do seu território de origem.

  7. De modo que se conclui pela existência de fundamento de recusa obrigatória do pedido de extradição formulado, nos termos previstos no artº 6º, alínea a) da Lei nº 144/99, de 31/8, o que constitui obstáculo intransponível ao deferimento da pretensão expressa pelo Estado requerente.

  1. Exªs, no entanto, farão, como habitualmente, a costumada JUSTIÇA! Nas suas alegações, em conclusão, o Extraditando também sustentou a existência de fundamentos de recusa do pedido de extradição e a inexistência de garantias formais, concluindo: QUESTÃO PRÉVIA – A NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA NÃO EXTRADIÇÃO DE CIDADÃO NACIONAL: o Extraditando é um cidadão de nacionalidade portuguesa, segundo a lei portuguesa, sendo que é em Portugal que tem a sua única residência e com o qual mantém uma vinculação mais estreita, em todos os aspectos da sua vida pessoal, familiar, profissional, social, pelo que assim deverá ser decidido em obediência ao que decorre, entre outros...

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