Acórdão nº 39/10.8TBMDA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução08 de Novembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

J… propôs, no Tribunal Judicial da Comarca de Meda, contra F… e cônjuge, C…, acção declarativa de simples apreciação negativa, com processo comum, sumário pelo valor, em que formulou estes pedidos: a) Serem considerados impugnados o direito e respectivos factos justificados pela escritura pública de 11.02.08, referente à invocada aquisição pelos réus, por usucapião, de três prédios rústicos e de 1/7 indiviso de outro, declarando-se que os réus não têm o direito de propriedade sobre os prédios objecto da aludida justificação notarial; b) Ser declarado ineficaz e de nenhum efeito essa mesma escritura pública de justificação notarial; c) Ser ordenado o cancelamento de quaisquer registos operados com base na dita escritura.

Fundamentou esta pretensão no facto de as declarações dos réus, documentadas naquela escritura, de harmonia com as quais, o réu F… adquiriu, ainda no estado de solteiro, os direitos naqueles imóveis, no ano de 1984, por doação verbal de A…, e está na posse deles, adquirida e mantida, sem violência nem oposição, há mais de 20 anos, serem falsas, e de, como herdeiro de A…, ter o direito de impugnar o facto justificado, desacompanhado dos demais co-herdeiros, já que aquela escritura, a manter-se, diminuiria o património da herança, em claro prejuízo seu e dos seus três irmãos e dos irmãos do réu.

Os réus defenderam-se alegando a veracidade das declarações documentadas na escritura e pediram, em reconvenção, a condenação do reconvindo a ser declarado o direito de propriedade dos reconvintes sobre os prédios identificados, descritos e confrontados na escritura de justificação e, por via disso, a condenação do mesmo reconvindo a ser declarada válida a mesma escritura de justificação notarial.

O despacho saneador admitiu o pedido reconvencional e, no tocante à legitimidade, limitou-se a declarar que as partes são legítimas.

A sentença final da causa julgou a acção improcedente e a reconvenção procedente.

A decisão de indeferimento liminar do requerimento de interposição do recurso ordinário de apelação atravessado pelo autor foi revogada, por via de reclamação, pelo juiz relator.

O autor pede, no recurso, a revogação da sentença impugnada e a sua substituição por outra que, do mesmo passo, julgue a acção procedente e a reconvenção improcedente, e que condene os recorridos como litigantes de má fé em multa e em indemnização, a seu favor, em quantia não inferior a e 3 500,00, tendo extraído da sua alegação estas conclusões: … Na resposta, os recorridos, depois de observarem, designadamente, que não deve ser admitida a junção do documento oferecido pelos recorrentes com a sua alegação e que a decisão que declarou as partes legítimas transitou em julgado, concluíram pela improcedência do recurso.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    … 2.5. O Tribunal de que provêm o recurso julgou provados, no seu conjunto, os seguintes factos: 2.6. Aos factos referidos em 2.5. deve adicionar-se, por se mostrar documentalmente provado, o seguinte: 1. J… casou com R… no dia 28 de Agosto de 1965.

  2. Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1].

    Um dos fundamentos do recurso é constituído pela ilegitimidade ad causam do recorrente para a reconvenção, por preterição do litisconsórcio necessário natural: de harmonia com a alegação do impugnante, o pedido reconvencional só poderia produzir o seu efeito útil normal se dirigido contra todos os herdeiros de A…, já que os seus bens passaram a integrar o acervo da herança aberta por óbito daquele, de que são titulares os seus irmãos e os descendentes deles.

    Tendo em conta a finalidade da impugnação, os recursos ordinários podem ser configurados como um meio de apreciação e de julgamento da acção por um tribunal superior ou como meio de controlo da decisão recorrida.

    No primeiro caso, o objecto do recurso coincide com o objecto da instância recorrida, dado que o tribunal superior é chamado a apreciar e a julgar de novo a acção: o recurso pertence então à categoria do recurso de reexame; no segundo caso, o objecto do recurso é a decisão recorrida, dado que o tribunal ad quem só pode controlar se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, essa decisão foi correctamente decidida, ou seja, se é conforme com esses elementos: nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo de recurso de reponderação[2].

    No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.

    Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.

    Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas[3].

    Excluída está, portanto, a possibilidade de alegação de factos novos - ius novarum nova – na instância de recurso. Em qualquer das situações, salvaguarda-se, naturalmente, a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso[4].

    Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.

    A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa. O modelo do nosso sistema de recursos é, portanto, o da reponderação e não o de reexame[5].

    Não obstante o modelo português de recursos se estruturar decididamente em torno de modelo de reponderação, que torna imune a instância de recurso à modificação do contexto em que foi proferida a decisão recorrida, o sistema não é inteiramente fechado.

    A primeira e significativa excepção a esse modelo é a representada pelas questões de conhecimento oficioso[6]: ao tribunal ad quem é sempre lícita a apreciação de qualquer questão de conhecimento oficioso ainda que esta não tenha sido decidida ou sequer colocada na instância recorrida. Estas questões – como, por exemplo, o abuso do direito ou os pressupostos processuais, gerais ou especiais, oficiosamente cognoscíveis – constituem um objecto implícito do recurso, que torna lícita a sua apreciação na instância correspondente, embora, quando isso suceda, de modo a assegurar a previsibilidade da decisão e evitar as chamadas decisões-surpresa, o tribunal ad quem deva dar uma efectiva possibilidade às partes de se pronunciarem sobre elas (artº 3 nº 3 do CPC).

    É verdade que o despacho saneador declarou que tanto o autor como os réus eram partes legítimas. Todavia, aquele despacho não discutiu nem apreciou essa legitimidade e, portanto, não a julgou em concreto. Como se limitou a afirmar que as partes são legitimas, a decisão correspondente não adquiriu a força de caso julgado formal e, por isso, nada obstava a que a sentença final viesse a apreciar essa excepção dilatória – como nada impede, que o tribunal ad quem dela venha a conhecer (artºs 510 nº 3, 1ª parte, e 660 nº 1 do CPC). Pelas razões já indicadas, ainda que esse pressuposto processual geral não constitua objecto do recurso, porque se trata de pressuposto de que o tribunal conhece oficiosamente, o tribunal ad quem pode sempre apreciá-lo e, caso conclua pela sua falta, absolver o autor da instância reconvencional (artºs 288 nº 1 d), 487 nºs 1 e 2, 493 nºs 1 e 2, 494 e) e 495 do CPC).

    Note-se que esta conclusão vale também para a legitimidade ad causam do autor relativamente a acção: nada obsta a que esta Relação conclua que, afinal, o autor não é dotado de legitimidade ad causam para a acção – e já não simplesmente para a reconvenção - por exemplo, por falta de constituição do litisconsórcio necessário natural do lado activo e, por isso, que também os recorridos devem ser absolvidos da instância relativa a essa mesma acção. E nem é necessário, para essa apreciação, a audição prévia autor, dado que este logo na petição inicial, prevenindo a oposição pelo réu da excepção dilatória correspondente, tratou de justificar a sua legitimidade para a proposição da acção e, portanto, de tornar patente o seu ponto de vista quanto à questão processual correspondente.

    A uma tal decisão não obsta decerto o princípio da prevalência da decisão de mérito, de que o abandono do dogma da prioridade da apreciação dos pressupostos processuais relativamente ao julgamento do mérito da causa constitui corolário[7], de harmonia com o qual a decisão de...

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