Acórdão nº 1037/10.7TBACB-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução08 de Novembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Através do requerimento de fls. 3/15, apensado ao processo principal com o número acima indicado[1], Transportes …, Unipessoal, Lda.

(Requerente e Apelante; trata-se de uma sociedade com sede em Portugal) requereu o presente procedimento de arresto [cfr. artigo 406º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC)] contra a sociedade holandesa B…, BV (Requerida), invocando dedicar-se à actividade de transportes rodoviários internacionais de mercadorias, sendo que prestou serviços desta natureza à Requerida, continuadamente desde 2006 e até Dezembro de 2009. Então (em Dezembro de 2009) a Requerida pôs fim a essa relação contratual, resolvendo-a, deixando sem pagamento sete facturas apresentadas pela Requerente, totalizando estas o valor de €145.591,50 (depois de realizada a compensação de uma importância devida pela Requerente à Requerida).

Alegando receio de que a empresa Requerida venha a encerrar (como sucedeu com outras geridas pelo mesmo responsável da Requerida), ficando o crédito da Requerente por satisfazer por falta de bens em nome da empresa Requerida. Assim, pretende a Requerente que o Tribunal de Alcobaça determine, através do presente procedimento cautelar, para ser feito valer na Holanda, o arresto do saldo de uma a conta bancária domiciliada nesse país, no Banco (holandês) BanK…, conta com o nº….

1.1.

Através do despacho de fls. 36/38 – este consubstancia a decisão objecto do presente recurso –, foi declarada a incompetência absoluta, em razão da nacionalidade (artigos 101º e 102º, nº 1 do CPC), dos Tribunais portugueses para determinar o arresto de uma conta bancária domiciliada na Holanda[2], determinando o Tribunal a absolvição da Requerida da presente instância cautelar.

1.2.

Inconformada, interpôs a Requerida esta apelação, motivando-a a fls. 41/45, aí formulando as conclusões que aqui transcrevemos: “[…] II – Fundamentação 2.

Relatado o essencial da marcha dos autos que conduziu à presente instância de recurso, sublinha-se que o âmbito objectivo deste foi delimitado pela Apelante através das conclusões transcritas no item 1.2., supra. É o que resulta da conjugação dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1, ambos do CPC.

Vistas essas conclusões, emerge como fundamento único da apelação a seguinte questão: saber se um Tribunal português (aqui o Tribunal de Alcobaça), no qual foi instaurada uma acção declarativa de condenação visando a cobrança de uma dívida a uma sociedade holandesa, tem competência para determinar, ao abrigo do artigo 31º do “Regulamento nº 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial” (doravante designado Regulamento 44/2001), o arresto de uma conta bancária domiciliada na Holanda, enquanto tutela cautelar reportada ao pedido formulado na acção declaratória aí interposta.

2.1.

Sendo este, singelamente, o fundamento do recurso – em resumo: saber se o Regulamento nº 44/2001 possibilita à jurisdição nacional determinar o arresto de uma conta bancária domiciliada num outro Estado-Membro, tendo o processo principal sido instaurado em Portugal[3] –, os factos a considerar na apreciação do mesmo, ou, se preferirmos, as incidências processuais que foram relevantes para a decisão apelada, são as relatadas ao longo do item 1., às quais acrescentaremos, por ser relevante para a discussão da decisão apelada que aqui se empreenderá (v. item 2.1.2.1., infra), a consideração do teor da petição inicial apresentada pela ora Requerente no processo principal ao qual foi apenso o presente arresto[4].

2.1.1.

Como ponto de partida, interessa-nos ter em conta o texto do artigo 31º do Regulamento 44/2001 (que integra uma secção dedicada às “medidas provisórias e cautelares”): As medidas provisórias ou cautelares previstas na lei de um Estado-Membro podem ser requeridas às autoridades judiciais desse Estado, mesmo que, por força do presente regulamento, um tribunal de outro Estado-Membro seja competente para conhecer da questão de fundo[5].

Fornece-nos a Apelante, a propósito desta disposição, como abonação da sua tese quanto à competência dos Tribunais portugueses para determinarem o arresto de uma conta bancária domiciliada na Holanda, um modelo interpretativo algo sui generis. De facto – e trata-se de um paradoxo –, pretende a Apelante convocar aqui, em sede de interpretação do (vigente) artigo 31º do Regulamento, elementos respeitantes aos trabalhos preparatórios de um hipotético novo Regulamento, que ainda não existe e que, neste momento, não se sabe se alguma vez será adoptado, respeitante especificamente ao arresto ou penhora de contas bancárias, em litígios emergentes de situações transnacionais, novo Regulamento este que, quando existir, poderá afastar, por razões de especialidade, a aplicação do artigo 31º aqui em causa.

Com efeito, é este o único sentido dos dois elementos indicados pela Apelante – são “trabalhos preparatórios” respeitantes a uma “lei” que ainda não existe –, enquanto abonação interpretativa por ela (indevidamente) referida ao artigo 31º do Regulamento 44/2001: (a) o “Livro Verde Sobre Uma Maior Eficácia na Execução das Decisões Judiciais na União Europeia: Penhora de Contas Bancárias”, apresentado pela Comissão em 24/10/2006[6]; (b) o Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre este “Livro Verde”, adoptado na 438ª Reunião Plenária de 26 e 27 de Setembro de 2007[7]. Ambos estes elementos constituem – repete-se – simples documentos de trabalho, entre muitos outros que poderíamos apresentar, de um processo legislativo comunitário que está em curso, o qual, em última análise, afectará sectorialmente esse Regulamento 44/2001 (alterá-lo-á ou passará a aplicar-se, em substituição do artigo 31º, aos arrestos transnacionais de depósitos bancários), mas que, todavia, ainda não foi concluído, sendo certo que não foi adoptado qualquer Regulamento específico sobre essa matéria[8], existindo, por ora, quanto a medidas provisórias ou cautelares – para além da incidência quanto a estas de todas as outras regras de competência constantes do Capítulo II do Regulamento 44/2001 –, o artigo 31º, enquanto regra especial que estende a competência para o decretamento de tais medidas à jurisdição de um Estado-Membro que possa não dispor de competência para a questão de fundo.

Vale a constatação do evidente erro metodológico da Apelante na aproximação à questão da competência para adopção de medidas provisórias, como afastamento da asserção, por ela sustentada neste recurso, de que existam elementos interpretativos formais, aptos a serem considerados[9], relativos ao artigo 31º do Regulamento 44/2001 e que apontem no sentido desta norma conter uma atribuição de competência ao Tribunal de um Estado-Membro para decretar, no quadro das chamadas medidas provisórias ou cautelares, o arresto do saldo de uma conta bancária domiciliada num outro Estado-Membro, em função da circunstância de já estar pendente, no Tribunal daquele primeiro Estado, enquanto Tribunal competente para conhecer do mérito da causa, uma acção reportada a essa questão de mérito[10].

Não existem elementos interpretativos apontando neste sentido e que sejam passíveis de consideração, sendo certo que a jurisprudência comunitária relativa à competência para adopção de medidas provisórias e cautelares (que se refere exclusivamente ao artigo 24º da Convenção de Bruxelas mas vale inteiramente para o artigo 31º do Regulamento aqui em causa), tal jurisprudência, dizíamos, aponta, como veremos de seguida, num sentido distinto do aqui defendido pela Apelante. Com efeito, aquilo que visa o artigo 31º do Regulamento 44/2001 (como sucedia, e sucede na sua subsistente aplicação, com o artigo 24º da Convenção de Bruxelas) é a afirmação da competência dos Tribunais de um Estado-Membro para adoptar medidas provisórias e cautelares previstas na respectiva legislação, mesmo que a competência para apreciação da questão de fundo não caiba à jurisdição desse Estado-Membro (competente para as medidas cautelares). Ou seja, estando já instaurada, como aqui sucede, uma acção para apreciação da questão de fundo (da questão de mérito), a tutela cautelar respeitante a essa questão pode ser alcançada, como decorrência do referido artigo 31º, junto de um Tribunal de outro Estado-Membro, independentemente da (in)competência deste último para apreciar essa questão de fundo[11]. Isto, desde que exista – e estamos a sublinhar o entendimento consolidado na jurisprudência comunitária face ao artigo 24º da Convenção de Bruxelas –, desde que exista, dizíamos, relativamente ao Tribunal das medidas provisórias (Tribunal de um Estado diverso do Tribunal competente para a questão de mérito do direito pretendido acautelar), um elemento de conexão real entre o objecto da medida e a competência territorial desse Tribunal do Estado-Membro ao qual essas medidas são requeridas[12].

Indicamos a este respeito a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, antes designado Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (lembrando a competência interpretativa deste órgão, nos termos caracterizados na nota 10, supra), consubstanciada no Acórdão de 21 de Maio de 1980, numa situação de reenvio prejudicial, no caso...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT