Acórdão nº 2184/09.3TALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução09 de Novembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. No processo comum singular n.º 2184/09.3TALRA do 3º Juízo Criminal de Leiria, o arguido A...

    [1], devidamente identificado nos autos, por sentença datada de 4 de Fevereiro de 2011, conheceu o seguinte veredicto: · Foi condenado pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo artigo 291º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de € 10 e na «sanção acessória de inibição de conduzir» pelo período de 5 meses.

    2.

    Inconformado, o arguido recorreu da sentença.

    Finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1. O Tribunal a quo decidiu julgar a acusação procedente por provada e, consequentemente condenar o arguido A... pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. p. pelo artigo 291°, n.° 1 b) do C. Penal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 10€, no valor total de 1.500,00€ e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 5 meses.

  2. Pretende o arguido interpor o presente recurso nos termos dos artigos 411º, n.º 4, e 410° n.s° 1 e 2, alíneas a) e c) do CPP (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova).

  3. Ao arguido foi entrega CD a 14/2/2011 (referência 5904390) referente à gravação das audiências de julgamento dos dias 4/1/2011 e 24/1/2001.

  4. Acontece que, os depoimentos das testemunhas, arguidos e demais sujeitos processuais não se conseguem ouvir cabalmente (pelo menos no Cd entregue ao arguido).

  5. Ora, tal impossibilita que o ora arguido possa aceder à audição de tais declarações e depoimentos, a fim de elaborar recurso nos termos do artigo 412° n.°s 1, 2 e 3 do CPP, e, consequentemente, impossibilita o tribunal de recurso de proceder à audição nos termos do n.° 4 do mesmo artigo.

  6. Tais declarações e depoimentos incidem em aspectos que são decisivos para a reapreciação das provas que se pretende levar a cabo, impedindo o arguido de poder recorrer invocando a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova.

  7. A inaudibilidade de um ou mais depoimentos terá sempre de ser constatado pela 2ª instância e se a inaudibilidade for influente no exame da causa, ela é impeditiva da real concretização do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto.

  8. Se a Relação não tiver procedido à audição dos depoimentos gravados, violando os normativos legais previstos no CPC e CPP, há lugar à anulação da sentença recorrida e ao reenvio do processo ao tribunal para novo julgamento — no mesmo sentido o Ac. do STJ de 16/12/2010, processo n.° l70/06.4TCGMR.Gl, 6 secção (cifra www.dgsi.pt).

  9. Assim, deve-se proceder à anulação da douta sentença recorrida, devendo-se repetir o julgamento, seguindo-se os demais termos da lei até final.

  10. Ainda assim, o arguido do que se recorda e caso se consiga ouvir cabalmente as declarações e depoimentos de todos os intervenientes processuais quanto às audiências que ocorreram a 4/1/2011 e 24/1/20011, sempre se dirá, por mera cautela e sem conceder, que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo decidiu mal, pois não está preenchido nem o seu elemento objectivo nem o seu elemento subjectivo do tipo legal de crime.

  11. Foi dado como provado erradamente os factos constantes nos pontos 7, 8, 9, 10, 11, 12, 15 e 16 dos factos provados.

  12. Face a alguns factos provados e tomando em consideração aquilo que o tribunal a quo refere quanto à testemunha C..., ou seja, face ao facto de considerar o seu testemunho como perfeitamente isento e credível, parece, salvo o devido respeito, que este tribunal não considerou outros factos que deveriam constar como provados e não o foram, bem como considerou factos dados como provados que não foram descritos da forma como o tribunal a quo o faz nos seus factos provados.

  13. Já que do depoimento da testemunha C..., e daquilo que o arguido se lembra quanto ao seu depoimento realizado a 24/1/2011 (acta de audiência de 24/1/2011, referência 5843606, deveriam constar nos factos provados outros para além daqueles que lá constam relevantes para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa.

  14. O único objectivo e propósito do arguido A... ao direccionar a sua viatura para a esquerda momentaneamente, com o pisca pisca desse lado ligado, foi para que o arguido não efectuasse uma ultrapassagem perigosa como acabou por o fazer — cifra suas declarações na audiência de julgamento realizada a 4/1/2001 (acta de audiência de julgamento com a referência 57889397).

  15. Justificação essa que, segundo as regras da experiência (“bom pai de família”) faz todo o sentido, dado o clima de desentendimento que os mesmos vivem no seu dia a dia e face às ameaças de que o arguido A... tem vindo a ser alvo (bem como a sua família) por parte do arguido B..., sendo certo que algumas já culminaram em condenações penais — cifra registo criminal junto aos autos do arguido B....

  16. Face até à “espera feita” pelo arguido B... ao ora arguido logo de madrugada e minutos antes — cifra depoimentos de D... e F... na audiência de julgamento realizada a 4/1/2001 (acta de audiência de julgamento com a referência 57889397).

  17. O arguido B... ao efectuar a manobra de ultrapassagem, fá-lo na berma, fora da estrada, violando o disposto nos artigos 17° e 38° do C. Estrada.

  18. Ao apitar, viola também o disposto no artigo 22° do C. Estrada, pois a prática dos factos ocorreu numa localidade.

  19. O arguido inicia a manobra de ultrapassagem quando se aproximava de um troço da estrada constituído por uma curva e contracurva, cifra ponto 5 dos factos provados (onde é do senso comum que são locais de visibilidade reduzida), violando claramente o disposto no artigo 41 do C. da Estrada.

  20. Se a largura da faixa de rodagem fosse suficiente, o arguido B... não necessitava de realizar a manobra pela berma composta por terra e pedras.

  21. E porque assim é, não se pode dar como provado o ponto 8 dos factos provados, pois o arguido A... não invadiu qualquer faixa de rodagem ao arguido B..., como é óbvio.

  22. Com tamanhas e claras violações das regras estradais do arguido B..., que consubstanciariam, essas sim, de crime de condução perigosa de veículo rodoviário, o tribunal a quo, decidiu, mal diga-se, sempre salvo o devido respeito, condenar o arguido A....

  23. Bem como decidiu mal, diga—se, sempre salvo o devido respeito, o Ministério Público não ter acusado o arguido B... de tal crime, ele sim e não o ora arguido.

  24. Pois, só a atitude dele ao imobilizar a moto 4 em frente ao carro do arguido A... é motivo de preenchimento deste tipo legal de crime (aquele que o arguido A... acabou por ser condenado pelo tribunal a quo) — cifra Ac. TRP de 26/2/2003, cifra Colectânea de Jurisprudência, tomo 1, página 221.

  25. Acresce que aquando da inquirição do militar da GNR . (na audiência de julgamento realizada a 4/1/2001 — acta de audiência de julgamento com a referência 57889397), o mesmo esclareceu que quando foi ao local não foi participado qualquer acidente de viação.

  26. Ora, se não foi participado é porque, de facto nenhum acidente e/ou indícios de acidente ocorreram no dia 14/9/20098 pelas 7h50m.

  27. Por muitas voltas que se dê, estes factos deveriam ter sido valorados pelo Tribunal a quo, o que não fez e não se compreende.

  28. Não podem, face à prova produzida, constarem nos factos provados os pontos 7, 8, 9, 10, 11, 12, 15 e 16, mas os seguintes, que alteram o conteúdo destes pontos: · que o arguido A... (ora arguido) tinha o pisca pisca para a esquerda ligado quando o arguido B... iniciou a manobra de ultrapassagem; · que o arguido B... efectuou a manobra de ultrapassagem na parte de terra e pedras existente no lado esquerdo da estrada (portanto na berma, ou seja, fora da faixa de rodagem) e encostado ao passeio que ali existe, tomando em consideração o sentido da marcha dos arguidos; · que o arguido A... não invadiu a faixa de rodagem do arguido B..., por este ter utilizado a berma composta de terra e pedras que ali existia; · que o tal movimento para a esquerda da viatura conduzida pelo arguido A... foi efectuada no início da manobra de ultrapassagem do arguido B...; · que o arguido B... ainda assim conseguiu manter e concluir a manobra de ultrapassagem e de imediato imobilizou a moto 4 à frente do veículo do arguido A... que teve que parar; · que a moto 4 não teve quaisquer danos em virtude de tais actos; · que a testemunha C...conhecia o filho do arguido B... e são amigos.

  29. Se o depoimento da testemunha C...foi assim tão relevante para o tribunal a quo, então deveria considerar também tais factos como provados, o que não o fez, sempre salvo o devido respeito.

  30. Aliás, tal depoimento vai no sentido das declarações do arguido A..., não sendo nem contraditórios nem distantes, ao contrário das declarações do arguido B....

  31. Assim, salvo o devido respeito, a douta decisão em crise viola claramente os normativos legais acima referidos, contradizendo todas as regras da experiência comum.

  32. Para além de faltarem factos que deveriam ter sido dados como provados, o tribunal a quo, deu como provados factos para os quais não existe suporte testemunhal e/ou documental, sempre salvo o devido respeito.

  33. Razão pela qual se propugna pela falta do preenchimento do elemento objectivo e subjectivo do tipo legal de crime, que não ficou demonstrada nos depoimentos das testemunhas e nas declarações dos arguidos.

  34. Violação grosseira das regras estradais foi a atitude do arguido B... e não a do arguido A..., conforma acima se explanou, criando um perigo concreto com a circulação na berma e manobra de ultrapassagem por essa mesma berma, portanto fora da faixa de rodagem (facto que o tribunal a quo não considerou erradamente).

  35. Bem como imobilizou a moto 4 no meio da faixa de rodagem, obrigando o arguido A... e a testemunha C...a parar (facto que o tribunal a quo não considerou também erradamente).

  36. Quem colocou alguém em perigo (o ora arguido e os demais utentes) foi o arguido B... ao circular e ultrapassar na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT