Acórdão nº 1410/09.3JDLSB-A.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelAGOSTINHO TORRES
Data da Resolução25 de Outubro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA – 5ª SECÇÃO (PENAL) I-RELATÓRIO 1.1- No âmbito do procº de inquérito1410/09.3jdlsb-A.L1, pendente contra a arguida A... na 2ª secção/04 do DIAP de Lisboa, para investigação de eventual responsabilidade na prática de crimes de burla e de falsificação, p.p. nos artºs 217º, 218º e 256º, nº1 , alª a) e nº 3 do mesmo diploma e invocando a falta de outros elementos de prova nos autos que lhe permitissem a descoberta da verdade material, o MºPº solicitou à (BANCO...), S.A., ao abrigo do artº 79º nº2 al. d) do DL nº 298/92 , de 31/12, com a red. introduzida pela Lei 36/2010 de 2 de Setembro, excecionando o dever de sigilo, elementos bancários atinentes: · À identificação de titulares da conta nº 000736016644300 · Ficha de abertura da conta.

· Documentos de suporte apresentados · Extratos bancários reportados ao período compreendido entre 1/10/2006 e 31/08/2009 Em resposta, o Banco solicitado recusou fornecer os elementos solicitados alegando estarem sujeitos a segredo bancário, nos termos do artº 78º do RGICSF ( DL 298/92) o qual, na nova redacção introduzida ao artº 79º nº2, alª d), não fundamenta qualquer alteração ao regime que já vigorava.

De seguida, face a tal resposta, o MºPº titular do inquérito, em promoção ao Mmº JIC, solicitou nos termos dos artºs 11º e 286º, nº2, alª c) do CPP, a apreensão dos documentos com aquela informação pretendida mas recusada ou então, ao abrigo dos artºs 135º nº 3 e 182º do CPP se ordenasse àquela entidade financeira a prestação dos dados sobreditos com quebra do invocado segredo, perante a ilegitimidade da recusa.

Tal promoção foi do seguinte teor: “Vão os autos ao Mmo Juiz com a seguinte promoção: Reportam-se os presentes autos à eventual prática dos crimes de burla, e Falsificação, p. e p. pelos artsº 217, 218º e 256º, nº 1, al. a) e nº 3, do mesmo código.

Por despacho proferido a fls. 153 dos autos, e ao abrigo do disposto no art. 79º nº 2 al. d) do Decreto-Lei 298/92 de 31.12, com a redacção introduzida pela Lei 36/2010 de 2 de Setembro, foi solicitado à BANCO... que informasse: Identificação dos titulares da conta nº 000736016644300, Ficha de abertura da referida conta; Documentos de suporte apresentados; Extractos bancários reportados ao período compreendido entre 1/01/2006 e 31/08/2009.

Tal entidade bancária recusou ilegitimamente prestar tais informações invocando que tal preceito não fundamenta a prorrogação do dever de segredo profissional bancário.

O mencionado artº 78º do DL 298/92 prevê o segredo profissional dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, dos seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional.

No entanto, tal dever de segredo não é absoluto e pode ser revelado nos termos previstos na lei penal e de processo penal, em conformidade com o artº 79º, nº 2, al. d), do mencionado diploma legal.

Efectivamente, não existem nos autos quaisquer outros elementos de prova que nos possam auxiliar na descoberta da verdade material relativamente aos factos que se encontram a ser investigados. Pelo que se torna necessário a obtenção de tal informação para que a investigação criminal prossiga, com vista à obtenção de indícios suficientes para eventual acusação.

É fundamental apurarem-se tais elementos.

Assim por se nos afigurar ser de grande interesse para a descoberta da verdade material e para a prova, promovo: Nos termos do disposto nos artºs 181º e 268º, n.º 2, al. c), do C.P.P. seja ordenada a apreensão dos documentos já referidos, onde conste: Identificação dos titulares da conta nº 000736016644300, Ficha de abertura da referida conta; Documentos de suporte apresentados; Extractos bancários reportados ao período compreendido entre 1/01/2006 e 31/08/2009.

Ou, caso ainda se entenda pertinente, seja ao abrigo do disposto nos arts. 135º nº 3 e 182º do C.P.P. ordenada a prestação por aquela entidade das informações solicitadas com quebra do segredo invocado e perante a recusa ilegitimamente reclamada. (…)» Foi então que o Mmº JIC, de seguida, por despacho de 12-05-2011 entendeu que tal recusa era mesmo ilegítima, porquanto, em síntese, face à nova redação daquele preceito, no âmbito de um processo penal, “as autoridades judiciárias podem ordenar e recolher directamente os dados solicitados”.

E, assim, com base em tal entendimento legal, dispensou a Banco... do dever de sigilo bancário e ordenou-lhe que remetesse ao tribunal, no prazo de 10 dias, os solicitados elementos em falta, “sob cominação de multa por falta de colaboração com o tribunal”.

1.2 – Inconformada com esta decisão, a BANCO... recorreu para este Tribunal da Relação, dizendo em conclusões da motivação apresentada: 1. “Andou mal o Tribunal a quo ao determinar à Banco..., S.A. que prestasse a informação solicitada pelo Ministério Público de fls. …; 2.

Tal informação encontra-se sujeita a segredo, nos termos do disposto no artigo 78.º do RGICSF; 3.

O Tribunal a quo não interpretou correctamente a alínea d) do n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF, que dispõe que os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal; 4.

E aplicou indevidamente ao caso o disposto no artigo 135.º, n.º 2, do CPP, pretendendo não ter a Banco..., S.A. legitimidade para se escusar à prestação da informação em causa, o que equivale a dizer que entendeu não existir in casu dever de guardar segredo profissional; 5.

Nos termos do disposto no artigo 9.º do Código Civil, a norma contida na alínea d) do n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF não pode ser interpretada fora do contexto sistémico em que se integra; 6.

E devem antes de mais aplicar-se, no âmbito de um processo penal, as normas da CRP, designadamente a disposição contida no seu artigo 26.º, que dispõe que a todos é reconhecido o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar; 7.

Atendendo à forma como é actualmente utilizado o sistema bancário, o acesso à informação bancária dos cidadãos permite determinar os exactos contornos da respectiva vida privada; 8.

Nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, a lei apenas pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos; 9.

A ponderação exigida pela CRP para que ocorram as restrições referidas em 8 antecedente apenas poderá resultar da intervenção de um tribunal superior, nos termos do disposto no artigo 135.º, n.º 3, do CPP; 10.

A interpretação que o Tribunal a quo faz da norma contida na alínea d) do n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF não respeita o disposto nos artigos 18.º e 26.º da CRP, facto que aqui se argui para todos os efeitos; 11.

A alteração legislativa que esteve na origem da actual redacção da alínea d) do n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF visou apenas clarificar o regime anteriormente vigente, procedendo designadamente à harmonização da expressão com a que consta da alínea f) da mesma disposição legal e acomodando tal redacção com a introdução do n.º 3 do citado artigo; 12.

O n.º 2, do artigo 79.º do CPP pretende apenas determinar as entidades às quais a informação sujeita a sigilo pode ser revelada, contendo regras de apuramento de legitimidade passiva para recepção da informação em causa, tal não significando contudo que não devam ser respeitadas as normas casuisticamente aplicáveis para que a informação possa ser prestada às entidades aí referidas; 13.

Ao contrário do que pretende o Tribunal a quo, não veio o legislador introduzir na alínea d) do n.º 2 do artigo em causa qualquer excepção ao padrão constante das restantes alíneas do mencionado preceito, que devem ser complementadas com as regras procedimentais aplicáveis que possibilitem a prestação da informação coberta pelo dever de segredo; 14.

Assim, quando se refere que a informação bancária pode ser revelada, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF, às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal, deverá entender-se que tal informação deve ser prestada nos termos das disposições aplicáveis do processo penal, que se mantiveram inalteradas; 15.

A introdução do actual n.º 3 do artigo 79.º do RGICSF em nada interfere com as conclusões supra expendidas, antes evidenciando incongruência na interpretação que o Tribunal a quo faz da alínea d) do n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF; 16.

Atendendo ao que antecede, é legítima a escusa por parte da Banco..., S.A. na prestação da informação solicitada, ao abrigo do disposto nos artigos 78.º do RGICSF e 135.º e 182.º, ambos do CPP; 17.

A quebra de sigilo pela Banco..., S.A. fá-la-ia aliás incorrer na violação do dever de segredo, nos termos e com as consequências previstos nos artigos 84.º do RGICSF e no artigo 195.º do Código Penal; 18.

É assim ilícita a aplicação feita in casu pelo Tribunal a quo do disposto no artigo 135.º, n.º 2, do CPP, violando o disposto nos artigos referidos em 16 antecedente; 19.

Acresce que, ao usar da competência atribuída ao Tribunal da Relação pelo n.º 3 do artigo 135.º e pelo artigo 12.º, ambos do CPP, verifica-se a nulidade insanável a que se refere a alínea e) do artigo 119.º do CPP, que aqui expressamente se argui, com as consequências estatuídas no n.º 1 do artigo 122.º do CPP; 20.

O despacho referido deverá assim ser revogado e substituído por outro que permita à Banco..., S.A. que guarde segredo acerca da informação em causa, a menos que venha a ser determinada a quebra de tal segredo, nos termos legais; 21.

Assiste à Banco..., S.A. legitimidade para interposição do presente recurso, nos termos do disposto no artigo 401., n.º 1, alínea d), do CPP.

1.3- Em contra-alegações pugnou o MºPº, em síntese, pela manutenção da decisão recorrida, a qual aplicou devidamente as alterações legislativas em vigor...

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