Acórdão nº 23/09.4 GBNLS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelBRÍZIDA MARTINS
Data da Resolução26 de Outubro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1. O arguido A...

, entretanto mais identificado e actualmente na situação de prisão preventiva à ordem dos presentes autos, no EPR de Viseu [cfr. fls. 2.477], foi submetido a julgamento, conjuntamente com outros demais arguidos, ora não recorrentes e/ou recorridos, sob a aludida forma de processo comum colectivo, porquanto acusado pelo Ministério Público de agente indiciário de factos que o instituiriam na prática: - Em co-autoria com o arguido B..., e na forma consumada, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal [factos descritos em II), XII -ii) e XII -xii) da acusação].

- Em co-autoria com o arguido C..., e na forma consumada, de um crime tráfico de armas, previsto e punido pelo artigo 87.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro [factos descritos em III), XII -iii) e XII -xii) da acusação].

- Em co-autoria com os arguidos B..., D..., E... e F..., e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), por referência ao artigo 202.º, alínea d), do Código Penal [factos descritos em IV), XII -iv) e XII -xii) da acusação].

- Em autoria material, e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência aos artigos 3.º, n.º 6, alínea c), e 2.º, n.º 1, alíneas p), q), s), aj) e ar), do mesmo diploma [factos descritos em IV), XII -iv) e XII -xii) da acusação].

- Em co-autoria com o arguido B..., e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), por referência ao artigo 202.º, alínea d), do Código Penal [factos descritos em V), XII -v) e XII -xii) da acusação].

- Em autoria material, e na forma tentada, de dois crimes de coacção, previstos e punidos pelo artigo 154.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal [factos descritos em VI), XII -vi) e XII -xii) da acusação].

- Em co-autoria com os arguidos B..., F... e G..., e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), por referência ao artigo 202.º, alínea f), iii), todos do Código Penal [factos descritos em VII), XII -vii) e XII -xii) da acusação].

No decurso da audiência de julgamento, foi declarado extinto o procedimento criminal relativo ao mencionado crime de furto simples, p. e p. pelo citado art.º 203.º, n.º 1.

Findo o contraditório, por acórdão adrede proferido, e ao ora mais relevante, decidiu-se no que concerne ao dito arguido A...: - Condená-lo pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, na pena de um (1) ano e 2 (dois) meses de prisão.

- Condená-lo pela prática de um crime de tráfico de armas, p. e p. pelo art.º 87.º, n.ºs 1 e 3, da mesma Lei n.º 5/2006, na pena de dez (10) meses de prisão.

- Condená-lo pela prática de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, nas penas de três (3) anos de prisão e de três (3) anos e dois (2) meses de prisão, respectivamente.

- Mais o condenar pela prática de um crime de coacção, sob a forma tentada, p. e p. pelo art.º 154.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão.

- Por fim, nos termos do art.º 77.º do último diploma mencionado, e em cúmulo jurídico de tais penas parcelares, condená-lo na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

1.2. O mesmo arguido A..., porque desavindo com o teor do assim sentenciado, interpôs recurso, extraindo do requerimento com que minutou a sua discordância, a seguinte ordem de conclusões: 1. A matéria dada como provada nos pontos II; III; IV e V do aresto recorrido, resulta da violação clara das garantias de defesa do arguido recorrente plasmadas no processo criminal, nomeadamente nos art.ºs 6.º, § da CEDH e no art.º 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, os quais consagram o princípio da presunção de inocência, daí decorrendo a proibição de inversão do ónus da prova em detrimento do arguido e o princípio in dúbio pro reo.

  1. Porque assim, mantendo o arguido em audiência o silêncio a que tem direito, desse silêncio não se pode retirar um sentido conducente à sua participação em quaisquer factos ilícitos, incumbindo sobre o mesmo, em determinadas circunstâncias, um dever de prestar esclarecimentos, logo, um dever de não usar o direito ao silêncio.

  2. A fundamentação da factualidade dada como provada é reveladora da constante inversão do ónus da prova a que procedeu o tribunal recorrido, redundando o silêncio do arguido em seu total desfavor em termos de convicção do tribunal.

  3. Desfavor esse agravado pela circunstância de o tribunal ter fundamentado os factos constantes nos números 8 a 12 dos factos provados em declarações de co-arguido e em exclusivo, violando o determinado no art.º 345.º, do Código de Processo Penal, na interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça dele vem mantendo.

  4. Inexiste qualquer prova segundo a qual o recorrente haja participado nos factos indicados em 1 supra, pelo que a matéria dos números 13 a 19; 20 a 23 e, 24 a 28 do acórdão sob censura, devem ser considerados como não provados no que a si diz respeito.

  5. Não existe qualquer prova da participação em qualquer tráfico de armas, qualquer detenção de arma, que aliás nem sequer ocorreu ainda que se mantivesse a matéria dada como provada.

  6. E não existe qualquer prova segura – para além da apreensão de objectos na posse do recorrente –, de que o mesmo os tivesse furtado ou houvesse participado juntamente com outros em qualquer furto.

  7. Isto é, nenhuma prova permitia que o arguido acabasse condenado como foi, mostrando-se consequentemente violados os art.ºs 81.º, n.º 1, e 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006; 154.º, n.º 1; 22.º; 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal.

  8. Mesmo concedendo qualquer participação do recorrente nos factos ajuizados, sempre a aplicação de uma pena de prisão superior a 3 anos não poderia deixar de se considerar exagerada, à luz dos critérios inscritos nos art.ºs 10.º e 11.º, do Código Penal.

  9. Pena essa que, por sua vez, nenhuma circunstância obstava a que fosse declarada suspensa na respectiva execução, atento o regime consignado pelo art.º 50.º, do Código Penal.

  10. Decidindo pela forma em que o fez, o tribunal a quo preteriu os normativos vindos de elencar.

    Terminou pedindo que no provimento do recurso, seja revogado o acórdão recorrido, substituindo-se por outro que declare o eximir da responsabilidade criminal imposta, ou, concedendo a manutenção da sua condenação, o sancione em pena de prisão não superior a três anos de prisão, suspensa na respectiva execução.

    1.3. Cumprido o disposto pelo artigo 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, respondeu o Ministério Público sustentando o improvimento do recurso interposto.

    1.4. Admitido, após reclamação deferida do arguido, ut art.º 405.º, do Código de Processo Penal [fls. 2.405/2.467], foram os autos remetidos a esta instância.

    1.5. Aqui, no momento processual a que alude o art.º 416.º do mencionado diploma adjectivo, a Ex.mo Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer: a) conducente à sua rejeição por extemporaneidade, uma vez não poder beneficiar o arguido, atentos os termos em que faz uma pretensa impugnação da matéria de facto, do prazo de 30 dias facultado pelo art.º 411.º, n.º 4, do Código de Processo Penal; b) concedendo todavia a possibilidade da sua apreciação, pugnando pelo respectivo improvimento.

    Após cumprimento do estatuído pelo artigo 417.º, n.º 2, do último diploma citado, seguiu-se resposta do arguido, manifestando a tempestividade da impugnação, e, com ela, do seu provimento atentas as razões oportunamente expendidas.

    No exame preliminar a que alude o n.º 6 deste mesmo inciso, consignou-se nenhuma circunstância impôr a apreciação sumária do recurso, mormente a sua intempestividade, cuja fundamentação se relegou para final, atentas razões de economia e de celeridade processuais, bem como nada obstar ao seu conhecimento de meritis, e, daí que a dever prosseguir seus termos, com a recolha dos vistos, e submissão à presente conferência.

    Cabe, então e agora, apreciar e decidir.

    * II – Fundamentação de facto.

    2.1. O acórdão sob sindicância, no que ao ora recorrente diz respeito, acolheu por provada a seguinte factualidade: “ (…) II) 8. No dia 28 de Junho de 2009, o arguido C... decidiu vender uma arma com as características a seguir enunciadas, que este tinha na sua posse: um sabre com cabo em madeira e uma lâmina com 15 centímetros de comprimento, com o número G17257 inscrito, destinada a equipar uma arma de fogo “Mauser”, de 1937, em razoável estado de conservação e sem valor comercial.

  11. Encontrou-se com o arguido A..., a quem deu conta do seu propósito, e deslocaram-se ambos, transportando a arma no veículo do arguido A..., ao “ZZ...”, em Nelas, tendo na madrugada do dia 29 de Julho de 2009 decidido regressar a casa do mesmo arguido A....

  12. Às 02:15 horas, quando circulavam no veículo do arguido A...e por este conduzido, na E.N. 231 – Mata das Alminhas, no sentido Nelas – Canas de Senhorim, levando consigo a referida arma, que, previamente, o arguido A...havia colocado na bagageira, por baixo da pneu suplente, foram interceptados pela GNR, que procedeu à apreensão do objecto.

  13. Nenhum dos arguidos era titular de licença de uso e porte de arma ou de autorização para proceder à sua venda, e a arma referida não se encontrava registada ou manifestada.

  14. Ao actuar do modo descrito, os arguidos A...e (…) agiram de forma voluntária, livre e consciente, (…), e o arguido A...concordando em transportar a arma, sabendo a que se destinava, bem sabendo que não tinha licença para a ter na sua posse, nem autorização para a vender, e que a arma não se encontrava registada ou manifestada.

    III) 13. Na noite do dia 13...

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