Acórdão nº 968/09.1 TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelBRÍZIDA MARTINS
Data da Resolução21 de Setembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1. O arguido AA...

, já mais devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento, mediante a aludida forma de processo comum e por tribunal singular, porquanto acusado pelo Ministério Público da prática de factos alegadamente consubstanciadores da autoria material, em concurso real de infracções, de dez crimes de injúrias agravadas, pp. pelos artigos 181.º, n.ºs 1 e 2 e 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l); de oito crimes de ameaças, pp. no artigo153.º, n.º 1, e, de um crime de ameaça agravada, pp. pelas disposições conjugadas dos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal.

Arvorando-se a qualidade de lesado em virtude da conduta delitiva assim assacada e para ressarcimento dos danos não patrimoniais consequentemente sobrevindos, BB...

, entretanto também mais identificado, deduziu pedido de indemnização civil visando obter a condenação do mesmo arguido a solver-lhe o pagamento da quantia de € 10.000,00.

1.2. No decurso da audiência, ponderando requerimentos aí apresentados pelo arguido[1];[2], a M.ma Juiz que presidia a tal acto processual, proferiu dois despachos, cujos teores se transcrevem, respectivamente: (fls. 172/3) Da leitura do preceito resulta, inequivocamente, que o segredo profissional na parte que aqui nos interessa, respeita aos assuntos profissionais conhecidos exclusivamente por revelação do cliente. Todos os outros factos, não estão a coberto do segredo profissional.

No caso dos autos, começo por lembrar que nem na acusação nem no pedido de indemnização civil, se diz que o arguido e o queixoso celebraram, à data dos factos, contrato de mandato.

Os factos denunciados, integram a prática dos crimes e não se confundem com uma relação de advogado/cliente que possa ter existido. Como dissemos, o art.º 87.º apenas proíbe o relato de factos cujo conhecimento adveio de serviços prestados por advogado e os factos denunciados não têm qualquer relação com eventual relação profissional que existiu, quanto muito, são posteriores a ela. Seria no mínimo estranho, que o advogado pudesse ser injuriado e ameaçado por um cliente e não pudesse reagir.

Em suma, os factos denunciados não se enquadram em nenhuma das situações previstas no art.º 87.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, e, como tal, podem ser livremente relatados e apreciados pelo Tribunal.

Pelo exposto, indefiro o requerimento em análise. Notifique. (fls. 177) O demandante foi indicado no pedido de indemnização cível para ser ouvido em declarações, nos termos do disposto no art.º 347.º do C.P.P. Por outro lado, as normas do C.P.Civil não se aplicam ao processo penal, no que se refere à tomada de declarações ao demandante, por existir norma expressa a regular tal matéria no C.P.Penal – art.º 347.º deste diploma.

Assim, não ocorre a invocada irregularidade.

Custas do incidente a cargo do arguido, que pela sua simplicidade, se fixam em 1 UC. Notifique.

1.3. Findo o contraditório, mostra-se proferida sentença, por cujo intermédio, e ao ora mais relevante, se decidiu: - Não apreciar a responsabilidade criminal imputada na acusação ao arguido na parte respeitante aos alegados sete dos crimes de injúria agravada por que vinha acusado, temporalmente delimitados na sua ocorrência após Março de 2009, atenta a falta de legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal.

- Absolver o arguido em causa da prática de três crimes de ameaça, por que vinha acusado.

- Condená-lo, porém, pela prática de três crimes de injúrias agravadas, pp. nos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º do Código Penal, na pena de 140 dias de multa por cada um dos crimes.

- Mais o condenar pela prática de cinco crimes de ameaça, pp. no artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 70 dias de multa, por cada um dos crimes.

- Ainda o condenar pela prática de um crime de ameaça agravada, pp. nos artigos 151.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 140 dias de multa.

- Em cúmulo jurídico de tais penas parcelares, condená-lo na pena única de 600 (seiscentos) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia de € 3.600,00 (três mil e seiscentos euros).

- Condenar o demandado a solver a título ressarcitório e ao demandante BB..., a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros).

1.4. O arguido, irresignado com aqueles dois despachos interlocutórios e com a sentença final prolatada, interpôs recurso, extraindo dos requerimentos com que motivou tais desavenças, as seguintes conclusões: (respeitantes ao despacho de fls. 172/3) 1. Invocou o arguido no decurso da audiência de julgamento a proibição de prova documental relativa a toda a correspondência carreada aos autos pelo ofendido, por estar abrangida pelo segredo profissional que o vincula como advogado.

  1. Ao invés do que fora dado como assente, indeferindo o requerimento apresentado pelo arguido, está configurada nos autos, mormente e expressamente na acusação, a circunstância de ter existido uma relação profissional entre causídico (ofendido) e cliente (arguido), que lhe motivara o envio dos escritos, nomeadamente os injuriosos.

  2. A norma do segredo profissional plasmada no Estatuto da Ordem dos Advogados e no C.C.B.E. (Código Deontológico dos Advogados da União Europeia) serve para blindar e proteger, em primeira linha, os interesses e a intimidade do cliente.

  3. Tal protecção, sem prejuízo do direito a intentar uma queixa-crime, apenas comporta uma excepção, em favor do causídico: quando a revelação dos factos sujeitos a sigilo seja “Absolutíssimamente” necessária para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do advogado, todavia com o requisito inultrapassável de autorização prévia do Presidente do Conselho Distrital respectivo.

  4. A correspondência enviada por cliente ou ex-cliente a seu advogado ou ex-advogado por virtude das funções que este exerce ou exerceu (que é a situação dos autos) está sujeita a tal sigilo e só por força de tal excepção, autorizada, pode servir como meio de prova em juízo, dado que a obrigação de sigilo não se encontra limitada no tempo.

  5. Tal excepção a existir, não cumpriu com tal requisito.

  6. A) Assistindo ao arguido o direito de se remeter ao silêncio; B) Assistindo-lhe todavia também direito a comprovar a veracidade das afirmações injuriosas para legitimar a sua conduta; e, C) Considerando que a prova de tal veracidade por parte do arguido implicaria que este expusesse a intimidade do que fora discutido entre advogado e cliente; 8. Temos, então, que a defesa do arguido passa por um fenómeno de inversão do ónus da prova (ou de subversão de ónus) de tal segredo: o de ser o próprio arguido, em sua defesa, levado a “valorar” uma obrigação que era própria do advogado e não dele, nomeadamente revelar e justificar publicamente a que se referia quando confidenciou, além do mais, que havia passado por problemas de saúde de que o advogado se havia aproveitado (vd. acusação, § 5.º).

  7. Considerações que de outra forma não sairiam do confessionário que é o escritório e a caixa do correio do advogado.

  8. Ao expor publicamente tais cartas em queixa-crime, fez o advogado sua a chave da intimidade do arguido, ignorou o Presidente do Conselho Distrital que lho permitiria e abriu tal cofre.

  9. Mas incoerentemente, volta a subverter em seu favor o dever de segredo, assistindo-lhe o direito (como o veio a fazer), em sede de audiência, de se escusar a depor sobre os factos que outrossim corroborariam a versão justificativa do arguido. 12. Fora erradamente analisada a acusação ao se reputar como inexistente uma relação advogado/cliente para se fundamentar a decisão porá em dissídio, o que correctamente feito, implica (ria) decisão diversa da recorrida.

  10. Foram violados os art.ºs 87.º do Estatuto da Ordem dos Advogados e 2.3 do Código Deontológico dos Advogados da União Europeia.

    Terminou pedindo que se determine a revogação da decisão recorrida, substituindo-se por outra que considere os meios de prova documental dos autos como meios proibidos de prova, por preterição do sigilo profissional que os deveria carimbar, com todas as consequências legais.

    (atinentes ao despacho de fls. 177) 1. O ofendido, também lesado, ao deduzir o PIC, transformou-se em verdadeiro sujeito processual: o de parte civil.

  11. Como parte civil está impedido de depor como testemunha [art.º 133.º, n.º 1, alínea c)], do Código de Processo Penal, podendo todavia a requerimento, serem-lhe tomadas declarações [art.º 347.º] do Código de Processo Penal, o que fora pedido pela própria parte civil… 3. Todavia, quer uma quer outra norma têm ínsita a ideia de que “as partes civis, só porque o são, não estão impedidas de testemunhar, mas apenas o estão relativamente aos factos que tenham a ver com o arguido ou arguidos visados” – Ac. do STJ, de 10/10/2011, a respeito do art.º 133.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal –.

  12. O mesmo é dizer que, como parte civil, o ofendido não pode prestar declarações relativamente aos factos consubstanciadores do dano moral; assim como a um assistente [art.ºs 346.º e 133.º, n.º 1, alínea b)], não podem ser tomadas declarações quanto aos factos acusatórios, já que ambos optaram por assumir um interesse na causa (um interesse indemnizatório ou um interesse na condenação).

  13. Quisesse o ofendido/testemunha prestar declarações sem tais impedimentos, bastava-lhe não ter requerido PIC, assim como ao ofendido que queira testemunhar sobre os factos ilícitos, de que se queixa, basta que não venha a constituir-se como assistente. O que não pode, e a lei com tais normas pretende evitar, é que venha simultaneamente acusar e fazer provas, tudo de per si.

  14. Só fazendo esta distinção se cumpre, em sede de PIC, com a igualdade de armas entre processo penal e processo civil, em que a parte demandante apenas pode lançar mão de declarações que lhe sejam desfavoráveis (normas relativas ao depoimento de parte).

  15. Tais normas do art.º 552.º do Código de Processo Civil completam-se e harmonizam-se com as...

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