Acórdão nº 794/04.4GBILH.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução21 de Setembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

34 35 I. RELATÓRIO 1. No processo Comum singular n.º 794/04.4GBILH o arguido AA...

solteiro, residente na Rua …, Aveiro, foi condenado, por sentença proferida a 13.07.2010, como autor material de um crime de homicídio por negligência previsto e punido pelos artigos 137º, nºs 1 e 15º do Código Penal na pena de 8 (oito) meses de prisão e, pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência previsto e punido pelo artigo 148º, nº 3 do mesmo Código, na pena de 4 (quatro) meses de prisão. Efectuado o cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período 1 (um) ano.

Foi ainda julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante BB... e condenada a demandada, Companhia de Seguros W..., Portugal S.A, a pagar ao demandante a quantia de 80.254,93€ (oitenta mil, duzentos e cinquenta e quatro euros e noventa e três cêntimos), sendo 50.000 (cinquenta mil) euros a título de perda de capacidade de ganho, 15.000 (quinze mil) euros pelas dores sofridas, 15.000 ( quinze mil ) euros pelo dano estético, valores estes acrescidos de juros à taxa legal desde a presente sentença (Ac. UJ 4/02 in DR I de 27.06.2002) até integral pagamento e, ainda, a quantia de 254,93€ (duzentos e cinquenta e quatro euros e noventa e três cêntimos) a título de despesas médicas, medicamentosas e similares, valor este acrescido de juros, à taxa legal, desde a notificação do pedido civil até integral pagamento.

  1. Não se conformando com a decisão, dela vieram o arguido e o assistente interpor recursos para este Tribunal, concluindo nas suas motivações nos seguintes termos: 2.1. O arguido: I - Atenta a prova produzida, o arguido efectuou uma manobra de mudança de direcção para a esquerda sem verificar que a poderia fazer com segurança e sem a sinalizar, cortando a passagem ao veículo conduzido pelo CC.., que se aproximava rapidamente, a velocidade não concretamente apurada mas seguramente a mais de 50 Kms por hora; II - São crimes de resultado aqueles por que o arguido foi julgado (homicídio por negligência, previsto e punido pelo art° 137°, n° 1, e ofensa à integridade física por negligência, previsto e punível pelo art° 148°, n° 3. ambos do C. Penal), e como assim, a responsabilidade do agente depende de lhe ser imputada uma conduta adequada a produzir o resultado.

    III - Ora, a conduta do arguido, apesar de violadora do dever de cuidado por desrespeito de uma regra estradal, atentas as circunstâncias demonstradas pelos factos constantes da douta sentença, não produziria os resultados típicos das sobreditas normas incriminadoras, se o malogrado CC.. transitasse a 50 Kms por hora; IV - A velocidade deste constitui a conduta mediadora interposta entre a conduta do arguido e o resultado, que por certo produziu os resultados (morte e ofensas à integridade física) que são os pressupostos das duas citadas normas V - Não se apurou ou é pelo menos duvidoso que tenha sido a conduta do arguido a determinante para a produção daqueles resultados, mas, assim sendo, tem a seu favor o princípio in dúbio pro reo.

    Foram erradamente aplicadas ao caso as normas dos art°s. 137°. n° 1, e 148°. n° 3, do C, Penal.

    Em consequência pede-se a revogação da douta sentença recorrida e a sua substituição por outra que absolva o arguido, assim se fazendo Justiça, * 2.2. O assistente/demandante civil: 1 - A única discordância do assistente BB... relativamente à douta sentença a quo reporta-se aos valores atribuídos de indemnização a título de lucros cessantes (50.000 €) e quantum doloris (15.000 €) e dano estético (15.000 €).

    2 - A escassez desses números terá resultado de a MMº Juíza ter principiado o raciocínio da atribuição da indemnização pelos critérios da Portaria 291/07, revista pela Portaria 679/09, o que não é norma, e não passa de orientação para as seguradoras apresentarem propostas de regularização de sinistros com a mínima decência.

    3 - Face à idade do assistente à data do sinistro (18 anos), vencimento mensal de 389,91 €, como serralheiro, acrescido de subsídio de refeição, incapacidade para a profissão anterior, incapacidade para o trabalho geral e permanente de 20 pontos acrescida de 10 pontos a título de dano futuro, será de atribuir a indemnização a título de lucros cessantes, no mínimo de 120.000,00 €.

    4 - Pois a vida activa aumenta como a esperança de vida, era espectável que ora auferisse um salário de operário especializado (serralheiro metalúrgico) que, na região, não é inferior a 1.000 €/mês, e tem oportunidades profissionais muito reduzidas face às sequelas do acidente, para o qual, de resto, não contribuiu.

    5 - O rol de padecimentos e limitações para o resto da vida de um jovem (sete intervenções cirúrgicas, quantum doloris 6/7, dano estético 4/7, uso de palmilha no calçado, não corre, não salta, ansiedade marcada, tristeza, afastamento do convívio, deformidades, varismo, cicatrizes, medo de amputação da perna esquerda, etc. ele), impõem, equitativamente, uma indemnização lenitiva, não inferior a 30.000 € para o quantum doloris e 30.000 € para o dano estético.

    6 - Foram violadas, entre outras que V. Exas suprirão, as normas dos artigos 496, 562, 564 e 566, todos do C.Civil.

    Nestes termos requer provimento ao recurso pois SERÁ DE JUSTIÇA” 3. Em respostas autónomas aos recursos interpostos pronunciaram-se o MP, em relação ao recurso do arguido e a companhia de seguros W... PORTUGAL, S. A.

    no âmbito do recurso interposto pelo demandante civil BB..., concluindo pela manutenção da decisão de primeira instância.

  2. A Exma. Senhora Procuradora Geral-Adjunta nesta Relação elaborou o seu parecer no sentido da improcedência do recurso, devendo manter-se a decisão recorrida.

    1. FUNDAMENTAÇÃO 1. Face ao teor das conclusões formuladas pelos recorrentes expostas nos seus recursos, as questões a decidir sustentam-se: 1.1. Recurso do arguido: – saber se o facto da morte ter sido directamente causada pelo embate, correspondeu à criação de um risco proibido pela própria vítima e, nessa medida, se tal obstará à imputação objectiva daquele resultado à conduta incorrecta do arguido.

    - saber se foi violado o princípio in dubio pro reo 1.2. Recurso do assistente/demandante civil: - Critérios da fixação da indemnização a título de lucros cessantes (50.000 €), quantum doloris (15.000 €) e dano estético (15.000 €).

  3. Matéria de facto provada, motivação da matéria de facto decisão e fundamentação da pena (tendo em conta os recursos interpostos): 2.1. FACTOS PROVADOS: (que agora se numeram) 1 - A zona Industrial da Mota na Gafanha da Encarnação era frequentada por condutores de veículos motorizados que costumavam efectuar corridas entre eles conhecidas por “picanços”, a que assistiam entusiastas da modalidade.

    2 - No dia 15/08/2004, pela 1 hora, o arguido conduzia o ciclomotor de matrícula …, marca Yamaha, modelo DR 50LC de cor preta, com 85Kg de tara e 49,9cm3 de cilindrada, pela Rua 6, na Zona Industrial da Mota, Gafanha da Encarnação com os médios ligados, no sentido norte-sul, pela hemi-faixa da direita, atento o seu sentido de marcha, a velocidade que rondava os 10Km/h.

    3 - Por sua vez, CC.. conduzia o motociclo de matrícula …, marca Suzuki, modelo GSX R600, de cores branca, azul e outra, com 199Kg de tara e 600cm3 de cilindrada, com os médios ligados, na mesma via e sentido, seguindo à retaguarda do arguido e de outros veículos tripulados por amigos do arguido.

    4 - No local, na berma esquerda da estrada, sentido Norte-Sul, junto ao poste de electricidade que se situa em frente a uma entrada da empresa denominada CNE, encontrava-se apeado BB..., com dois amigos.

    5- O CC.. pretendia seguir em frente em direcção à Rua 1.

    6 - Na faixa de rodagem direita, atento o sentido de marcha dos condutores dos veículos ciclomotores e motociclos cabiam dois veículos de duas rodas, em paralelo.

    7 - Quando se encontrava em frente às instalações da firma CNE o arguido virou à esquerda em direcção à berma esquerda, atento o seu sentido de marcha, sem verificar se o podia fazer em segurança e sem sinalizar a manobra, cortando a passagem ao veículo conduzido pelo CC.., que se aproximava rapidamente.

    8 - O CC.. que circulava a velocidade não concretamente apurada, mas seguramente superior a 50Km/hora, ao deparar-se com a mudança de direcção, virou o volante do seu veículo para a esquerda, mas não conseguiu evitar a colisão com o veículo conduzido pelo arguido, embatendo neste quando ambos se encontravam no eixo da via.

    9 - O embate ocorreu entre a parte frontal do veículo conduzido pelo CC.. e a parte traseira e lateral esquerda do veículo do arguido.

    10 - Em consequência do embate CC.. foi cuspido do motociclo, que entrando em despiste foi embater nos peões que ali se encontravam, entre os quais BB..., acabando por ficar imobilizado junto ao veículo de matrícula … que estava estacionado na berma esquerda Norte/Sul, enquanto CC.. foi cair em cima do veículo automóvel de matrícula …., que se encontrava estacionado na berma esquerda da faixa de rodagem, sentido Norte/Sul, tendo ainda embatido num outro veículo ciclomotor e seu tripulante de nome … .

    11- O veículo conduzido pelo arguido ficou caído no local onde ocorreu a colisão, tendo sido, posteriormente, removido para perto da berma.

    12 - Em consequência da colisão entre os dois veículos e do despiste do motociclo após o embate, o CC.., sofreu lesões traumáticas craneo-toraco-abdominais que foram causa directa e necessária da sua morte naquele mesmo dia e hora.

    13 - Em consequência do embate do motociclo contra BB... este sofreu lesões designadamente pneumotorax iatrogénico, traumatismo do pulmão, fractura do fémur direito e dos ossos da perna esquerda que foram causa directa e necessária de, pelo menos, 1095 dias de doença com incapacidade para o trabalho, ficando com deformidade acentuada na perna esquerda.

    14 - A via onde ocorreu o acidente é asfaltada entre bermas, com 8,80m, de largura, sem marcações e é uma recta com boa...

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