Acórdão nº 234/09.2GBOBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelOLGA MAUR
Data da Resolução28 de Setembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

RELATÓRIO 1.

Nos presentes autos foram os arguidos AA... e BB... condenados: 1º - AA... nas penas de 140 dias de multa e 120 dias de multa, ambas à taxa diária de 9 €, respectivamente pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, do art. 143º, nº 1, do Código Penal, e de um crime de detenção de arma proibida, do art. 86°, nº, 1 d), da Lei nº 5/2006, de 23/2. Efectuado o cúmulo jurídico foi aplicada ao arguido a pena única de 200 dias de multa, à taxa referida, a que correspondem 133 dias de prisão subsidiária.

  1. - BB... na pena de 140 dias de multa, à taxa de 7 €, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, do art. 143°, nº 1, do Código Penal, a que correspondem 93 dias de prisão subsidiária.

2.

Inconformado, o arguido AA... recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões: «1. No modesto entendimento do recorrente, o Meritíssimo Juiz do tribunal a quo deveria ter considerado como não provados os factos que constam da fundamentação de facto na parte tocante ao ora recorrente, nomeadamente (i) - "o arguido AA..., munido de um chicote com 60 cms de comprimento, desferiu chicotadas no corpo do arguido BB...", como consta do primeiro parágrafo do ponto um da folha 3 da M. D. sentença condenatória (ii) - o nexo de causalidade estabelecido entre o facto anterior em crise e os alegados danos sofridos pelo arguido BB... e que constam do primeiro parágrafo do ponto dois da folha 3 da M. D. sentença condenatória, (iii) - "O chicote utilizado pelo AA..., a si pertencente", como consta do ponto três, na folha 4 da M. D. sentença condenatória; (iv) - O ponto 4 e 6 na parte tocante à autoria material e elemento volitivo imputados ao ora recorrente AA..., (v) - O ponto 5, estes (pontos 4, 5 e 6) conforme constam da folha 4 da M. D. sentença condenatória, 2. Aos quais deverá ser dada uma outra valoração ou conclusão, pois impõe-se a não prova de chicotadas perpetradas pelo aqui recorrente na pessoa do arguido BB…, 3. Num chicote tido como mero adorno ou objecto de decoração, ainda bem comum do casal desavindo, 4. Não se provando os nexos de imputação e causalidade - por reporte activo à pessoa do aqui recorrente, 5. Jamais tendo este intencionado agredir o arguido BB…, 6. Ou ainda, nunca tendo considerado o chicote como arma, 7. Atendendo às declarações prestadas pelo recorrente AA... e aos depoimentos prestados pelas testemunhas GG... e CC..., 8. Quando por outra banda existia uma testemunha hostil ao aqui recorrente, a sua ex-mulher DD... e o seu actual e respectivo companheiro, o aqui arguido BB…, 9. Numa convicção alicerçada também nos depoimentos abonatórios das testemunhas EE... e FF..., 10. Além de um cadastro impoluto por parte do aqui recorrente AA..., 11. O qual tinha acabado de chegar de uma viagem transatlântica com a sua futura esposa, para um viagem de turismo por Portugal.

Acresce 12. A verificação de uma contradição quanto à matéria de facto dada como provada, porquanto 13. Se o recorrente AA...e a testemunha DD... ainda não fizeram as partilhas do divórcio, o chicote não podia ser da propriedade do decorrente, ademais tendo este provindo do seu sogro - e pai da testemunha DD... -, o que também enferma a D. sentença em recurso.

Depois, 14. A título de solução de direito, quanto aos crimes alvo de condenação, ao recorrente deveria ter sido reconhecido a situação de legítima defesa, conforme decorre do plasmado no art.º 32.º do Código Penal - até nem se verificando a previsão do art.º 33.º, atendendo aos vários danos físicos que resultam da prova fotográfica junta aos autos na primeira sessão de audiência de julgamento -, 15. Ou, sem conceder, em caso de alguma dúvida deve prevalecer o princípio plasmado no disposto no n.º 2, 1.ª parte, do art. 32.º, e artigos 1.º, 2.º e 18.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa, do in dubio pro reu; 16. Ainda, agora tão-só quanto à questão do chicote ser tratado como arma proibida e respectiva detenção, 17. A título de propriedade a mesma não é única à pessoa do aqui recorrente, 18. Sendo que tal objecto adveio, permaneceu e sempre foi encarado como se tratando daquilo que é e sempre foi, um mero objecto de decoração, 19. Jamais tendo o recorrente o considerado, quer única quer concomitantemente, como arma.

Por último, sem conceder, 20. Quanto à medida da pena o D. tribunal a quo decidiu não só separar em dois crimes, quando se crê, a título académico e discursivo, em como um chicote seria mais um instrumento para o cometimento de um crime de ofensas corporais, assim consumido, 21. Para além de, quanto a este crime, decidiu aplicar a mesma pena a ambos os arguidos, 22. Quando o recorrente, ao invés do arguido BB..., é primário, bem tido e considerado na sua comunidade, assim com uma necessidade bastante mais reduzida quanto às exigências de prevenção especial Portanto, 23. pugna-se pela absolvição do arguido.

24. Tudo de molde a ser administrada a melhor e sempre inteira, sã e costumada justiça».

3.

O recurso foi admitido.

4.

O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu, defendendo a manutenção do decidido, desde logo porque os factos dados como correspondem à prova produzida nos autos.

Nesta Relação, o Exmº P.G.A. emitiu parecer no mesmo sentido. Relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, entende que o recurso não deve ser conhecido por incumprimento do disposto no art. 412º do C.P.P.

Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..

5.

Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

Realizada a conferência cumpre decidir.

* * FACTOS PROVADOS 6.

Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: «1. No dia …, cerca das 22 horas, na Rua …, Aveiro, no âmbito de uma discussão: - o arguido AA..., munido de um chicote com 60 cms de comprimento, desferiu chicotadas no corpo do arguido BB...; - o arguido BB... desferiu murros no corpo do arguido AA..., ambos se envolvendo numa luta em que se agarraram e desferiram mutuamente murros, caindo no chão.

2. Estes factos causaram: - ao arguido BB..., uma equimose com escoriação no dorso do nariz, uma equimose na palpebra inferior direita, duas equimoses no tórax, uma escoriação no joelho direito e uma escoriação no joelho esquerdo, lesões estas que lhe determinaram um período de doença de 8 dias com afectação da capacidade de trabalho geral por 3 dias; - ao arguido AA..., duas escoriações na face esquerda, uma equimose na região infra-orbitáría esquerda, com edema subjacente, uma equimose no pescoço, uma equimose e cinco escoriações no tórax, uma ferida no braço direito, duas feridas no braço esquerdo, uma escoriação no joelho direito, uma escoriação e uma equimose na perna esquerda, lesões que lhe determinaram um período de doença de 8 dias com afectação da capacidade de trabalho geral por 3 dias.

3. O chicote utilizado pelo AA..., a si pertencente, é composto de fio metálico com bainha em material têxtil e alma em alumínio, entrelaçado com uma fivela.

4. Cada um dos arguidos de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de ofender o corpo e a saúde do outro.

5. Bem sabia o arguido AA... que não lhe era permitida a detenção daquele chicote, instrumento construído especificamente para funcionar como arma, de cujas características estava bem ciente.

6. Estavam, ainda, os arguidos bem cientes de que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

7. Por virtude das lesões de que foi alvo o arguido AA...deu entrada no Serviço de Urgência do Hospital de Aveiro, onde lhe foi prestada assistência e cujos encargos ascenderam a € 108,00.

8. O arguido AA...: - aufere mensalmente cerca de €1.500.

- vive com uma companheira em casa de renda mensal de cerca de €400; - tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade; - por alguns que o conhecem é tido como pessoa bem comportada e respeitadora; - não tem antecedentes criminais.

9. O arguido BB...: - aufere mensalmente cerca de € 700 a €800; - vive com uma companheira (que é a ex-mulher do arguido AA...); - tem como habilitações literárias o 9° ano de escolaridade; - do seu CRC constam averbadas condenações por crimes de falsificação de documento, burla, emissão de cheque sem provisão, furto qualificado, furto simples».

7.

Não houve factos relevantes julgados não provados.

8.

O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos provados e não provados nos seguintes termos: «O tribunal, num juízo crítico de apreciação da prova produzida, formulou a sua convicção, com base...

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