Acórdão nº 123/09.0IDSTR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução28 de Setembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I.RELATÓRIO: No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 123/09.0IDSTR que corre termos no Tribunal Judicial de Ourém, 1º Juízo, a fim de serem julgados em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o Ministério Público acusou os arguidos A..., B... de . e “WW..., Lda.”, imputando-lhes a prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. p. pelo artigo 105.º, n.ºs 1, 2 e 4, do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na redacção actual (Lei n.º 64-A/2008, de 31/12), por referência ao disposto no artigo 7.º, do mesmo diploma legal, com referência aos artigos 27.º, n.º 1, 28.º e 41.º, n.º 1, al. b), do Código de Imposto Sobre o Valor acrescentado (CIVA) e artigo 30.º, n.º 2, do C. Penal.

Por despacho proferido a fls. 292, dói declarado extinto o procedimento criminal contra o arguido A... ., nos termos do disposto nos artigos 1.º, 11.º, 127.º, n.º 1 e 128.º, n.º 1, do C. Penal. Após realização da audiência de julgamento, foi proferida, em 24/2/2011, a sentença constante dos autos a fls. 389/412, constando do seu Dispositivo o seguinte, relativamente ao crime acima mencionado: .

arguido B.... – condenação na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de sete euros, o que perfaz o montante total de mil cento e vinte euros; .

arguida “WW..., Lda.” – condenação na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de sete euros, o que perfaz o montante global de dois mil e cem euros.

**** Inconformados com a decisão, dela interpuseram recurso os arguidos, em 1/4/2011, defendendo a revogação da sentença recorrida, com a sua consequente absolvição, ou, caso assim não seja entendido, com a redução das penas aplicadas, extraindo da sua motivação as seguintes Conclusões: 1. A arguida “WW..., Lda.”foi declarada insolvente, tendo o respectivo Processo dado entrada em Juízo a 18/4/2009, sendo que a sentença de insolvência foi decretada em 1/6/2009, tendo transitado em julgado em 13/7/2009.

2. A notificação da arguida “WW..., Lda.”, para efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT, ocorreu na pessoa dos seus gerentes, em 26/11/2009.

3. Ao invés do que foi considerado pela Meritíssima Juiz a quo, a notificação mencionada na Conclusão anterior não teve qualquer validade jurídica, uma vez que não foi feita na pessoa que representava validamente a Insolvente.

4. A arguida “WW..., Lda.” não foi regularmente notificada para os efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT.

5. Existe erro manifesto na apreciação da prova, pois, tendo em conta a declaração de insolvência da arguida “WW..., Lda.”, só a notificação efectuada à Administradora de Insolvência tem a virtualidade de ser considerada como “notificação regular” para efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT.

6. Não se encontra preenchida a condição objectiva de punibilidade a que se alude no artigo 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT.

7. A conjugação da prova produzida nos autos, designadamente as Duas Certidões Judiciais retiradas do Processo de Insolvência e o depoimento da Sra. Administradora de Insolvência, impõe que se altere para provada a matéria da alínea F dos Factos Não Provados.

8. Resulta de fls. 5 e 6 da Certidão Judicial que constitui o Doc. N.º 7, junto aos autos por requerimento de 20/1/2011, ter o co-titular da conta da massa insolvente, e Presidente da Comissão de Credores, remetido oportunamente à Sr. Administradora de Insolvência devidamente assinado e passado à ordem de “WWW…, Lda.” um cheque do valor de 219 mil euros a esta destinado.

9. A testemunha C..., Administradora de Insolvência, confirmou ter recebido tal cheque e não o remeteu à “WW..., Lda.” 10. Devem V. Excias, Meritíssimos Juízes Desembargadores, alterar para provada a matéria factual da alínea F, em obediência ao disposto no artigo 412.º, n.º 3, als. a) e b), do CPP. E, em consequência, declarar que não foi por culpa dos arguidos que o pagamento do IVA em falta relativo ao mês de Outubro de 2008 ainda não foi efectuado.

11. Subsidiária e cautelarmente, entendem os arguidos serem as condenações aplicadas excessivamente severas e desproporcionadas em relação aos factos apurados, à culpa, à sua personalidade e às exigências de prevenção.

12. Verifica-se um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro dos arguidos, tendo já decorrido mais de dois anos e meio sobre a ocorrência dos factos, sem notícia que os arguidos tenham prevaricado, apesar de se manter o exercício da actividade comercial.

13. Devem ser reduzidas as penas aplicadas para, no máximo, metade dos respectivos valores, o que permitirá sancionar convenientemente as suas condutas, bem como acautelar a defesa da sociedade e a prevenção da criminalidade.

  1. A sentença recorrida, embora douta, padece dos alegados vícios e, para além do mais, violou, entre outras, as seguintes disposições legais: - artigo 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT; - artigo 81.º, n.º 1, do CIRE; - artigo 40.º, do C. Penal; - artigo 410.º, n.º 2, als. b) e c), do CPP. **** O Ministério Público junto do Tribunal recorrido, em 18/5/2010, apresentou resposta, defendendo a improcedência do recurso e apresentando as seguintes Conclusões: 1. A notificação estabelecida e imposta pelo artigo 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT tem uma dimensão criminal, nomeadamente de extinguir a responsabilidade nesse âmbito.

  2. Essa notificação deve, pois, ser dirigida a quem, devido à sua qualidade de sócio-gerente efectivo, originou o substrato fáctico criminalmente relevante, tal como a sociedade em si mesma entidades que serão chamadas a, eventualmente, responder criminalmente impondo-se-lhe diligenciar pela não verificação da condição objectiva de punibilidade constante do aludido preceito legal.

  3. No plano de responsabilidade criminal, esta associação dos sócio-gerentes à sociedade arguida em sede da notificação decorrente do artigo 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT, surge como natural pelas mesmas razões de responsabilização.

  4. Por isso, em sede da notificação em apreço quem deve responder em termos penais não é a massa insolvente nem o Administrador de Insolvência que são realidade e entidade constituídas posteriormente à verificação da situação eventualmente com relevância criminal.

  5. Pelo exposto, conclui-se, por conseguinte, que a notificação efectuada no âmbito dos presentes autos à sociedade arguida, na pessoa de um dos seus sócio-gerentes e dos seus sócios-gerentes, nessa qualidade, para efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT, foi regularmente efectuada.

  6. Não houve qualquer violação do disposto no artigo 81.º, n.º 1, do CIRE.

  7. Inexistiu qualquer erro manifesto na apreciação da prova, não estando violado o estabelecido no artigo 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.

  8. Mostra-se verificada a condição objectiva de punibilidade, decorrente da notificação regularmente efectuada ao abrigo do estatuído no artigo 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT, e do não pagamento imposto por essa notificação, no prazo nela fixado, pelo que se impunha, como sucedeu, a condenação dos arguidos e não a sua absolvição.

  9. Não resulta dos elementos de prova disponíveis no sentido de que tenha sido devido a teimosia da Sra. Administradora a disponibilização dos valores para o pagamento da dívida fiscal em apreço nos autos.

  10. O que resulta da prova feita é que existe liquidez que virá a permitir também o pagamento da referida dívida fiscal, conforme vertido no ponto 15 dos factos provados.

  11. Tal pagamento ainda não havia sido implementado devido à impugnação judicial das contas apresentadas pela Sra. Administradora de Insolvência, estando em curso o processo decorrente dessa impugnação.

  12. A pretensão dos arguidos de que na actualidade não foi por culpa dos mesmos que o pagamento do IVA em falta referente ao mês de Outubro de 2008 ainda não foi efectuado, o que corresponde a uma conclusão, parece, de algum modo, poder extrair-se dos factos dados como provados nos pontos 14 e 15 da matéria factual dada como provada.

  13. Nada justifica que se dê como provado o teor da matéria da al. f) dos factos não provados.

  14. As penas aplicadas aos arguidos não excedem a culpa do arguido – pessoa individual nem a medida de responsabilização admissível da arguida sociedade, sendo justas e adequadas, respeitando as exigências de prevenção geral e especial, não enfermando a sua fixação de qualquer violação ao disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do C. Penal.

  15. Não violando qualquer disposição legal, deve a sentença recorrida ser mantida.

    **** O recurso foi, em 24/5/2011, admitido.

    Os autos subiram, em 31/5/2011, a este Tribunal da Relação de Coimbra.

    Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 2/6/2011, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

    Cumpriu-se o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o respectivo direito de resposta, Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.

    **** II. Decisão Recorrida: “(…) 1.1. Factos Provados Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos: - Constantes da acusação pública: 1. A arguida WW..., Lda. no exercício do ano de 2008 desenvolvia actividade de …, na sua sede em …, Ourém. 2. A arguida WW..., Lda. era sujeito passivo de Imposto Sobre o Valor Acrescentado, encontrando-se enquadrada neste imposto no regime normal de tributação, com periodicidade mensal e era tributada peio serviço de finanças de Ourém.

  16. O arguido B...., durante o ano de 2008, e actualmente, é o gerente da arguida WW..., Lda. e nessa qualidade, seu representante, agindo em nome e no interesse da mesma, sendo necessária sua assinatura para representar e obrigar a sociedade arguida.

  17. Enquanto tal, competia ao arguidos B.... a prática de todos os actos necessários à administração da sociedade arguida, em especial, determinar a afectação dos meios financeiros ao cumprimento das respectivas obrigações correntes, nomeadamente o pagamento de impostos.

  18. No...

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