Acórdão nº 47/09.1GATND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução28 de Setembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: 1.

Nos autos de processo comum (tribunal singular) n.º 47/09.1GATND, a correr termos no Tribunal Judicial de Tondela, no decurso do julgamento (cfr. acta respectiva de fls. 110/113), o Sr. Juiz teve como verificada, em função de parte da prova oralmente produzida, uma alteração substancial dos factos descritos na acusação pública e, a final, determinou a remessa dos autos ao Ministério Público para «os fins tidos por convenientes, abstendo-se o tribunal de tomar conhecimento dos factos» imputados ao arguido AA....

*2. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, tendo formulado as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª - Por despacho de fls. 112-113, o Tribunal a quo considerou como sendo uma alteração substancial dos factos descritos na acusação a diferença da data (mês) em que ocorreram os factos.

  1. - Os factos ocorreram em …, tendo sido referido na acusação que ocorreram em 31 de Janeiro de 2009.

  2. - O Ministério Público entende, salvo o devido respeito por opinião contrária, tratar-se-á de um erro de escrita, de processamento de texto, cuja verificação foi requerida em sede de audiência de julgamento.

  3. - Porquanto, como facilmente se alcança da leitura atenta do auto de denúncia (violência doméstica), os factos ocorreram no dia …, pelas 15H30 - cfr. 4; do teor da perícia de avaliação do dano corporal em Direito Penal, faz-se referência à data de 31-05-2009, pelas 15H30 - cfr. fls. 9; dos elementos clínicos de fls. 14, constata-se que foi no dia …, pelas 16H55, que a vítima foi assistida no Hospital …; as declarações das testemunhas, prestadas em sede de inquérito a fls. 21 a 23, reportam-se aos factos participados, ocorridos no dia ….; o arguido, quando interrogado em sede de inquérito, prestou declarações, reportando-se aos factos constantes do auto de denúncia, factos referentes ao dia …, quando se encontrava de baixa médica, a descansar em casa, deitado na cama, a ver televisão e depois, no café, do rés-do-chão da residência.

  4. - Nas declarações prestadas pelo arguido e pela vítima em audiência de julgamento, ambos se referem ao dia/ano/hora constantes da acusação, bem como ao espaço e circunstâncias em que os factos ocorreram, com sendo os constantes da acusação.

  5. - No entanto, referiram que tais factos ocorreram no mês de Maio e não no mês de Janeiro.

  6. - O arguido apresentou contestação oferecendo o merecimento dos autos.

  7. - O arguido não alegou factos que contrariem a data/hora/ano, espaço e circunstâncias em que ocorreram os factos e que constam da acusação.

  8. - Aliás, tendo o arguido, em sede de inquérito, esbatido os factos de que vinha indiciado, como tendo ocorrido no dia …, pelas 15H30, não contestou os factos constantes da acusação, tendo em audiência de julgamento confirmado o dia/hora/ano e local/circunstâncias onde os mesmos ocorreram, em nada afectando a estratégia da sua defesa.

  9. - Ou seja, discordando do douto despacho proferido, o crime é o mesmo, e o objecto do processo continua a ser o mesmo, pelo que, tal alteração não importa alteração substancial, porque não mexem com a identidade do objecto do processo, uma vez que fazem parte do mesmo “pedaço de vida” dos factos da acusação, formando com eles um conjunto em conexão natural.

  10. - Entende-se que “A alteração da data, no caso (mês), diversa da que constava da acusação, não tendo por efeito a imputação de crime diverso nem agravação dos limites máximos da sanção aplicável, não constitui alteração substancial ou não substancial dos factos” (Acórdão da Relação do Porto de 06-07-2000, proferido no proc. 0040415), ou que “A simples alteração da data da ocorrência dos factos, não constitui para o arguido o surgimento de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos aplicáveis da pena, tratando-se apenas de uma alteração meramente circunstancial do objecto do processo.

  11. - No entanto, caso não se entenda que em causa estará um lapso de escrita, de processamento de texto, certo é que essa alteração do mês se se considerasse com relevância para a defesa e decisão da causa, deveria ter sido comunicada ao arguido, nos termos do artigo 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sendo-lhe concedido prazo para a defesa se o desejasse.

  12. - Pelo que, consideramos que o despacho proferido pelo tribunal a quo violou a interpretação a dar aos preceitos legais contidos nos artigos 152.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, do Código Penal, artigo 1.º, alínea f), 358.º, n.ºs 1 e 3 e 359.º, do Código de Processo Penal.

  13. - Termos em que, de harmonia com o exposto, requer-se que seja declarado nulo o despacho recorrido, ordenando a reabertura da audiência de julgamento, a fim de que seja dado cumprimento ao disposto no artigo 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

*3.

O arguido não respondeu ao recurso.

*4.

Subidos os autos a esta Relação, a Ex.ma Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta subscreveu o parecer de fls. 136/7, cujo conteúdo ora se reproduz: «(…).

  1. Louvando-nos na argumentação expendida pelo Magistrado do Ministério Público na 1.ª instância, na motivação do recurso interposto, que integralmente sufragamos, e em abono do que em tal peça processual vem e bem sustentado, apenas acrescentaremos o seguinte: Tem sido considerado pela jurisprudência que não existe uma alteração dos factos integradora do art. 358.º do C.P.P., ou do art. 359.º do mesmo diploma legal, quando apenas existam alterações de factos relativos a aspectos não essenciais, manifestamente irrelevantes para a verificação da factualidade típica ou da ocorrência de circunstâncias agravantes - neste sentido ver Ac. do STJ de 1991/04/03, 1992/11/11 e 1995/10/16, in BMJ 406/287, 421/309, 421/309, e www.dgsi.pt.

    Também tal não ocorrerá quando se tratar de uma simples descrição do contexto temporal e do ambiente físico em que a acção do arguido se desencadeou, quando o mesmo não é mais do que a reafirmação ou a ilação explícita de factos que sinteticamente já se encontravam narrados na acusação ou na pronúncia - cfr. Ac. TC n.º 387/2005, de 2005/Jul./13, in DR, II, 2005/Out./19.

    Também não se poderá falar de alteração dos factos com relevo para a decisão, quando a decisão condenatória se sustenta «exclusivamente nos factos constantes da acusação e da contestação e o recorrente não foi surpreendido com os factos, dadas as considerações que precedem» (cfr. o...

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