Acórdão nº 39/09.0TAFCR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelJORGE DIAS
Data da Resolução14 de Setembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

1 31 Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou procedente a acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra o arguido: A...

, casado, residente na Rua …, em Ww....

Sendo decidido: 1.Condenar o arguido na prática de cinco crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171, n.º 3, alínea a), com referência ao artigo 170, todos do Código Penal, o primeiro (na pessoa de B...) na pena de 1 ano e meio de prisão; o segundo e o terceiro (nas pessoas de B... e C...), cada um nas penas de 10 meses de prisão, o quarto (na pessoa de B...), na pena de 1 ano de prisão e o quinto (na pessoa de C...), na pena de 1 ano e meio de prisão.

  1. Operando o cúmulo jurídico das penas, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 77, do Código Penal, condenar o arguido na pena única de três anos e seis meses de prisão.

  2. Suspender na sua execução a pena de três anos e seis meses de prisão aplicada ao arguido por igual período de tempo (três anos e seis meses).

    ***Inconformado, da sentença interpôs recurso o arguido.

    Formula as seguintes conclusões na motivação do mesmo, e que delimitam o objecto: 1. A prova gravada deve ser reapreciada; 2. E deve sê-lo porque a Ma Juiz a quo fez errada interpretação da prova produzida; na verdade, 3. dos depoimentos das testemunhas referidas nos nºs. 1 a 11 da aI. A) supra, conjugados com os restantes depoimentos, não se pode concluir que o arguido tenha praticado os factos de que vem acusado; 4. Mas mesmo que, em hipótese académica, se considerassem praticados, não está provado o ânimus, a intenção de satisfazer instintos libidinosos ou condicionar a liberdade sexual das menores; 5. As contradições das ofendidas e testemunhas de acusação são flagrantes, algumas (caso da C...) totalmente divergentes do depoimento feito em sede de inquérito (caso do pénis à mostra e roupa interior em baixo); 6. O arguido, nos contactos físicos com as ofendidas (B...e C...), apenas quis manter a disciplina na Aula, estando em absoluto arredada qualquer intenção ou ânimus de cariz sexual, incompatível com a agressividade com que o arguido as tratava.

  3. O arguido, fora da Escola, nunca fez às arguidas ou outros alunos da Escola, abordagens de carácter sexual; 8. O arguido é diabético em alto grau, insulino-dependente, ao tempo padecia de depressão e vivia angustiado com o clima de pressão que se vivia na Escola; 9. O arguido não praticou os crimes de que vem acusado, sendo certo que a norma incriminatória e punitiva (art° 171, nº 3, al. a) com referência ao art° 170 ambos do C. P.) configura um crime de perigo concreto e não abstracto, pelo que é inaplicável ao caso sub júdice; 10. Mesmo que se considere provada a prática dos factos (e em hipótese académica podemos considerá-la), a medida da pena é exagerada, atendendo às circunstâncias que rodearam o caso, ao bom comportamento anterior do arguido e à sua boa prestação nas causas sociais do meio onde está inserido; 11. Do depoimento das testemunhas constantes dos nº 1 a 11 da al. A) supra pode concluir-se que a matéria de facto dada como provada é-o incorrectamente.

  4. Destes depoimentos impõe-se decisão diversa e de acordo com o referido nos art. 32 e ss supra.

  5. Por erro de interpretação e apreciação, tem-se por violado o disposto no n". 2 do art. 368 e 375 do C.P.P. e o art. 171, nº 3, aI. c) com referência ao art° 170, ambos do C. P. na redacção da Lei 59/2007.

    Deve o recurso merecer provimento, absolvendo-se o arguido dos crimes de que vem acusado.

    Respondeu o Magistrado do Mº Pº, concluindo:

    1. O Tribunal a quo apreciou correctamente a prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, seja, no que concerne ao factos dados como provados, seja, no que concerne aos factos dados como não provados.

    2. As testemunhas ouvidas, maioritariamente, menores, com conhecimento directo dos factos referiram e reiteraram a factualidade descrita na Acusação e dada como provada em sede de Sentença, assumindo especial relevância o depoimentos das vítimas, por credíveis e em sintonia com as regras da lógica e da experiência comum, sendo com base nos mesmos possível formar a convicção do julgador.

    3. Tais testemunhos foram, ainda, corroborados pela prova documental existente nos autos e, ainda, pela prova pericial, fundamentais para a formação da convicção do Tribunal.

    4. Na verdade, existem algumas contradições, diga-se, de pormenor, nos depoimentos prestados, todavia, consideramos, tal como consignado em sede de sentença que, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, há também que considerar para a sua valoração a idade das mesmas. Todavia, no essencial, todas elas sustentaram os factos descritos na acusação.

    5. Ao contrário, a versão apresentada pelo arguido revela-se, tudo menos coerente e consistente, assumindo, ao longo de toda a Audiência e Julgamento, várias razões e fundamentos, díspares e incongruentes com a lógica e as regras da experiência comum, sem existência de prova que corrobore a versão por si apresentada.

    6. Em nosso entendimento resultou provado que o arguido, na qualidade de professor das ofendidas, tinha pleno conhecimento das suas idades e pretendeu, através das condutas por si praticadas, satisfazer os seus instintos libidinosos e importunar, como importunou as menores, bem sabendo, que actuava contra a vontade das mesmas, constrangendo-as, além do mais, a contactos de natureza física contrária à decência e ao pudor, sendo susceptível de prejudicar, como prejudicou, o livre e harmonioso desenvolvimento psicológico e da personalidade na sua esfera sexual, conforme descrito na perícia da personalidade das menores.

    7. Na sequência e, conforme resultou provado, designadamente, nos pontos 3, 6, 8, 10, 11, 12 e 13, em nosso entender, face á prova produzida, com a prática de tais conduta, tinha o arguido intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos e condicionar a liberdade e autodeterminação sexual das menores.

    8. Porquanto, os factos em causa foram dados como provados dentro da livre convicção do julgador, sendo que, os ora alegados pelo Recorrente foram considerados pelos Tribunal a quo, nomeadamente, ao considerar o seu afastamento e, em consequência, não terem sido dados como provados.

    9. Em nosso entender, o Recorrente vem manifestar discordância com a forma como os depoimentos e a prova realizada foram apreciados. No entanto, esta discordância não é susceptível de configurar um erro notório na apreciação da prova, porquanto este se circunscreve às situações em que se verifique um erro patente, evidente e perceptível a qualquer cidadão médio.

    10. Concordamos, desta forma, com o teor da douta sentença proferida, bem como com os seus fundamentos e conclusões, entendendo, assim, que foi correctamente apreciada a prova produzida e esta foi correctamente subsumida ao preenchimento do tipo legal de crime em causa.

    11. Considerando a redacção dada ao artigo 171, n.º 3 aI. a) do Código Penal pela Lei 59/2007, de 04.09, o tipo legal de crime em causa é um crime de perigo abstracto, ou seja, é a própria acção considerada perigosa segundo a experiência comum, não sendo de exigir a prova da criação efectiva de uma concreta situação de perigo para o bem jurídico, sendo suficiente para o preenchimento do tipo de ilícito o mero perigo abstracto ou presumido da lesão.

    12. Nestas situações a lei presume que a prática de certos actos ou actuação sobre menor de 14 anos prejudica o seu desenvolvimento global, justificando este, per si, a tutela penal, de modo a preservar o desenvolvimento livre da sua personalidade do ponto de vista sexual.

    13. Por um lado, porque há que considerar o elemento sistemático, e integração dos diferentes tipos de crime em secção diversa, sendo que o artigo 171 do C.P. se encontra no âmbito dos crimes contra a autodeterminação sexual e o artigo 170 do C.P. se encontra no âmbito dos crimes contra a liberdade sexual.

    14. Atendendo, desde logo, à unidade do sistema jurídico, afigura-se-nos, que não obstante o legislador tenha na al. a) do n.º 3 do artigo 171tido por referência o artigo 170, não foi intenção do mesmo reportar a natureza deste ao primeiro, mas tão só, remeter para os elementos que integram e preenchem a acção típica, mantendo, o espírito e fundamento axiológico do tipo legal de crime em causa.

    15. Uma vez que, é entendimento quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, na esteira da própria natureza do tipo legal de crime e ao âmbito de protecção da norma e ao bem jurídico a tutelar que os crimes contra a autodeterminação sexual são crimes de perigo abstracto, resultando da presunção legal do prejuízo dos actos descritos na lei para o livre desenvolvimento da personalidade da criança.

    16. Por outro lado, porque, se tal fosse intenção do legislador, teria o mesmo procedido à alteração/ exclusão de tal alínea, encontrando-se os comportamentos e situações análogas às dos presentes autos abrangidas pelo âmbito de protecção da norma do artigo 170 do Código Penal.

    17. Razão pela qual, afigura-se-nos que para preenchimento do tipo não é exigível a prova da criação de um concreto perigo para a autodeterminação sexual, pois que, um entendimento diverso levaria à criação de situações de impunidade.

    18. Todavia, caso ainda assim não se entenda, resultou provado, ainda, que as condutas do arguido criaram, em concreto, perigo para autodeterminação sexual e liberdade individual das menores.

    19. Na determinação da pena concreta o Tribunal considerou todos os critérios legais, à luz do estipulado nos artigos 40, 70 e 71 do Código Penal.

    20. As exigências de prevenção, são ponderosas porquanto urge impedir a repetição das condutas como estas que atentam contra bens jurídicos aos quais a sociedade e o direito conferem elevado valor, pois que, a prática deste tipo de ilícitos e, ainda, no âmbito escolar, é alvo de enorme censura por parte da sociedade e causadores de alarme social.

    21. Não obstante o arguido não possuir antecedentes criminais e se encontrar...

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