Acórdão nº 2061/08.5PFLRS-A.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelPAULO FERNANDES DA SILVA
Data da Resolução19 de Outubro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I.

RELATÓRIO.

Nos autos de inquérito de que os presentes constituem apenso, A… apresentou queixa-crime contra desconhecidos, alegando que em 16.09.2008 foi vítima de assalto na via pública, tendo-lhe sido então retirado um computador portátil, uma carteira e um telemóvel.

Identificado entretanto o IMEI daquele telemóvel, foi solicitado às operadoras V…, T… e O…, além do mais, a indicação de referências/códigos bancários relativos a carregamentos feitos quanto àquele IMEI após o referido assalto.

A Vodafone prestou tais informações e o Ministério Público solicitou à “S…, SA.”, que identificasse a entidade bancária na qual está sediada a conta bancária através da qual foram efectuadas os aludidos carregamento.

Satisfeito tal pedido, em 21.03.2011 o Ministério Público proferiu despacho no sentido de que fosse solicitado à C…, entre outras instituições bancárias, «a identificação do titular da conta bancária, com o envio da ficha de assinaturas, através da qual foram efectuados os carregamentos do cartão telefónico em causa», consignando que «se investiga a eventual prática de um crime de roubo e que o pedido se fundamenta no disposto no art. 79 n.º 2, al. d), do DL n.º 298/92, de 31.12, na redacção introduzida pela Lei n.º 36/2010, de 02.09»[ Cf. fls. 30 e 31.] .

Na sequência de notificação feita no sentido daquele despacho, a C… veio, em carta datada de 06.04.2011, referir que «1. Os elementos solicitados estão sujeitos a segredo bancário, nos termos do art. 78.° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n°. 298/92, de 31 de Dezembro.

  1. A nova redacção da alínea d), do n° 2, do RGICSF, efectuada pela Lei 36/2010, de 2 de Setembro, não fundamenta a derrogação do segredo. Não há qualquer redução, ampliação ou por qualquer forma alteração do regime de tutela do segredo em sede de processo penal, de processo civil, ou noutro qualquer tipo de processo. E em consequência, as normas legais, dos Código Penal, Código de Processo Penal e Código de Processo Civil continuam a aplicar-se do mesmo modo sempre que uma instituição de crédito for directamente interpelada por autoridade judicial ou judiciária.

  2. Também não se verificando, face aos dados fornecidos, nenhuma das excepções estabelecidas no art. 79.° do mencionado Regime, designadamente nas alíneas f) do seu n.° 2, não podemos fornecer os elementos solicitados, sob pena de violarmos o dever de segredo a que estamos legalmente vinculados.

  3. Assim, sem prejuízo da reiterada disponibilidade para colaborar, continuamos, nos termos do disposto no CPP, e tal como vem determinado no Acórdão do STJ 2/2008, de fixação de jurisprudência, no DR Série 1, 31 de Março, vinculados ao dever de guardar segredo.

    Lembramos, porém, a V. Ex.a. a possibilidade de, ao abrigo do n.° 1 do citado art. 79.º, o(s) clientes(s) autorizar(em), pôr escrito, a prestação dos elementos ora solicitados» [Cf. fls. 54.] .

    Entretanto, o Ministério Público promoveu que os autos fossem presentes ao Juiz de Instrução para que seja ordenada «a dispensa do dever de sigilo bancário» [Cf. fls. 55 a 57.] .

    Conclusos os autos, o 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de …, por decisão de 23.05.2011, considerou «ilegítima a recusa de prestação de informações» bancárias solicitadas à C… e determinou que esta fornece-se em dez dias «a identificação completa do(s) titular(es) da(s) conta(s) bancária(s) e a cópia da(s) respectiva(s) ficha(s) de assinatura, através dos quais foram efectuados os carregamentos telefónicos identificados a fls. 15 a 18 e 21» [Cf. fls. 58 a 63.] .

    Do recurso para a Relação.

    Notificado daquela decisão, inconformado com a mesma, a C… veio dela interpor recurso para este Tribunal, concluindo a respectiva motivação nos seguintes termos: (transcrição) «1. Andou mal o Tribunal a quo ao determinar à C… que prestasse a informação solicitada pelo Ministério Público de fls. …; 2. Tal informação encontra-se sujeita a segredo, nos termos do disposto no artigo 78.° do RGICSF; 3. O Tribunal a quo não interpretou correctamente a alínea d) do n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF, que dispõe que os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal; 4. E aplicou indevidamente ao caso o disposto no artigo 135.°, n.° 2, do CPP pretendendo não ter a C…, legitimidade para se escusar à prestação da informação em causa, o que equivale a dizer que entendeu não existir in casu dever de guardar segredo profissional; 5. Nos termos do disposto no artigo 9.º do Código Civil, a norma contida na alínea d) do n.º 2 do artigo 79 ° do RGICSF não pode ser interpretada fora do contexto sistémico em que se integra; 6. E devem antes de mais aplicar-se no âmbito de um processo penal, as normas da CRP, designadamente a disposição contida no seu artigo 26.º que dispõe que a todos é reconhecido o direito a reserva da intimidade da vida privada e familiar; 7. Atendendo à forma como é actualmente utilizado o sistema bancário, o acesso à informação bancária dos cidadãos permite determinar os exactos contornos da respectiva vida privada; 8. Nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, a lei apenas pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos; 9. A ponderação exigida pela CRP para que ocorram as restrições referidas em 8 antecedente apenas poderá resultar da intervenção de um tribunal superior, nos termos do disposto no artigo 135.°, n.° 3, do CPP; 10. A interpretação que o Tribunal a quo faz da norma contida na alínea d) do n.° 2 do artigo 79.° do RGICSF não respeita o disposto nos artigos 18.º e 26.° da CRP, facto que aqui se argui para todos os efeitos, 11. A alteração legislativa que esteve na origem da actual redacção da alínea...

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