Acórdão nº 830/09.8PBCTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução07 de Setembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: 1.

No Círculo Judicial de TTT..., foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção de tribunal do júri, o arguido: - A..., solteiro, residente na Rua … Q..., presentemente detido no E.P. de Lamego, sob acusação da prática, em autoria material, de um crime homicídio qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), in fine, h) e j), todos do Código Penal, e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, al. a) e 2 e 132.º, n.º 2, al. h), do CP.

* 2.

B... foi admitido a intervir nos autos com a qualidade de assistente.

* 3.

B... e C... deduziram pedido de indemnização cível contra o arguido, pedindo a condenação deste no pagamento aos demandantes do montante global de € 196.622,50, a título de indemnização pelos alegados danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

* 4.

Por acórdão de 23 de Março de 2011, o tribunal decidiu nos seguintes termos: 1. Julgou parcialmente procedente por provada a acusação do Ministério Público e, em consequência: a) Absolveu o arguido A... da prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º/1 e 2, als. e), in fine, h) e j), do Código Penal; b) Condenou o arguido A...: - Pela prática de um crime de homicídio simples, previsto e punido no artigo 131.º do Código Penal, na pena de 15 (quinze) anos de prisão; - Pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º/1, 145.º/1, al. a) e 2 e 132.º/2, al. h), todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão; - Na pena única de 15 (quinze) anos e 6 (seis) meses de prisão; c) Declarou perdida a favor do estado a faca apreendida a fls. 23 dos autos e ordenou a sua oportuna destruição, por ter sido o objecto utilizado na prática do crime.

  1. julgou parcialmente procedente, por provado, o pedido cível formulado por B… e C..., em função do que condenou o arguido-demandado A... no pagamento aos demandantes das seguintes quantias: a) € 1422,50, a título de danos patrimoniais; b) € 70.000,00, a título de danos não patrimoniais correspondentes à perda do direito à vida por parte da falecida; c) € 25.000,00, a título de danos não patrimoniais referentes ao sofrimento por que passou a falecida antes do seu decesso, sendo as quantias referidas em b) e c) a repartir pelos demandantes segundo as regras do direito sucessório; d) Ao demandante B..., € 3.500,00, a título de danos não patrimoniais, referentes às lesões que lhe foram infligidas; e) A cada um dos demandantes, B... e C..., € 40.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos pela morte da sua filha D....

    * 5.

    Inconformados, interpuseram recurso o Ministério Público, o assistente B... e o arguido A..., tendo formulado nas respectivas motivações as seguintes (transcritas) conclusões: 5.1. Ministério Público: 1.ª - Por se impugnar a matéria de facto, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 3, al. a), do Código de Processo Penal, indica-se que os pontos que, concretamente, se reputam incorrectamente julgados são os factos dados como provados nos pontos 7. a 24. do acórdão recorrido. Tais pontos levam, em nosso entender, à conclusão contrária à vertida no douto acórdão agora questionado.

    1. - O arguido A... foi absolvido da prática do crime de homicídio qualificado p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º, n.ºs l e 2 als. e) in fine, h) e j) do Código Penal, pelo qual vinha acusado.

    2. - A apreciação da prova feita pelo tribunal, que conduziu à matéria provada e não provada, com especial relevo para a apreciação que consubstancia a premeditação, da especial censurabilidade ou perversidade, a circunstância de o agente utilizar meio particularmente perigoso, de o agente matar determinado por qualquer motivo torpe ou fútil, e, com frieza de ânimo, com reflexão com os meios empregados ou com persistência na intenção de matar por mais de 24 horas, na sua conjugação com os demais elementos de prova produzidos, designadamente, os depoimentos das várias testemunhas, deveria merecer uma diferente conclusão.

    3. - Não se compreende nem se aceita que a arma em causa nestes autos - faca, e, que faca - qualifique o crime de ofensa à integridade física de B... e não qualifique o crime de homicídio de D... - ver incriminações constantes do acórdão recorrido.

    4. - Há, pois, frieza de ânimo quando se age a sangue frio, de forma insensível, com indiferença pela vida humana.

      Como reflexão sobre os meios empregados deve entender-se a selecção de meios de actuação que facilitem a execução do crime ou pelo menos diminuam a vulnerabilidade da concretização do desígnio criminoso.

      Isto é, o agente, ao escolher de entre os meios disponíveis ou possíveis os mais idóneos e com maior capacidade de êxito, diminui as possibilidades de defesa da vítima, pelo que, a sua conduta deve ser mais severamente punida.

    5. - O Supremo Tribunal de Justiça refere no seu acórdão de 90/12/12 AJ n.º 13/14 Proc. n.º 41361 que: a - A premeditação é caracterizada por a vontade do crime como que acompanhar o criminoso todo o tempo, levando-o a inúmeras representações e volições, com aceitação repetida do resultado.

      b - A figura do dolo de premeditação, como acontecia no direito romano, opõe-se à do dolo de ímpeto.

      c - Actua com premeditação o agente que mantém a resolução de matar, pelo menos desde que iniciou uma viagem de mais de 100 quilómetros até ao local onde se encontrava a vítima que viria a matar.

    6. - O arguido havia adquirido a mencionada faca após pesquisa na internet e através daquele meio, duas ou três semanas antes do dia 14 de Novembro de 2009 e depois de a D...ter terminado o relacionamento entre ambos, este facto dado como provado, diz o senso comum, que foi o momento durante o qual o arguido toma a resolução de matar a D… .

    7. - A fundamentação decisória, nos termos do art. 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, está desenhada na lei para, pelo enunciar dos pontos de facto provados e não provados, como de uma súmula dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, o julgador explicitar o processo lógico e psicológico da sua decisão, excluindo da motivação o que não é passível de justificação racional, movendo-se unicamente no âmbito do racionalmente justificável. O acórdão violou o disposto no art. 374.º, n.º 2, conjugado com o disposto no art. 379.º, n.º l, ambos do Código de Processo Penal.

    8. - Bastará enumerar as lesões sofridas pela vítima D... num total de 23 golpes, provocando-lhe: - uma ferida perfurante na região supra clavicular direita com orientação de cima para baixo atingindo a clavícula, com cerca de 4 cm de comprimento e 10 cm de profundidade, atingindo a veia sub-clavia direita e a pleura parietal, uma ferida perfurante com cerca de 3 cm de comprimento, com orientação de cima para baixo e de fora para dentro, penetrando cerca de 3 cm até ao externo e bordo superior do 4.º arco costal direito, apresentando um entale de cerca de meio cm de profundidade; - duas feridas lineares de secção transversal, de características perfurantes, com cerca de 2 e 4 cm de comprimento, na região supra clavicular esquerda, com orientação de cima para baixo; - uma ferida perfurante de cima para baixo, com cerca de 3 cm de comprimento, no limite superior da mama esquerda, atingindo o bordo superior do 4.º arco costal esquerdo; - duas feridas perfurantes na transição entre o tórax e a raiz do membro superior esquerdo, com cerca de 3 cm de comprimento e com orientação de cima para baixo e de fora para dentro, atingindo a pleura e o pulmão esquerdo; - uma ferida perfurante na face interior da mama esquerda de trajecto horizontal, com cerca de 3 cm de profundidade e sem penetrar na cavidade torácica; - três feridas perfurantes na região para vertebral esquerda, junto à linha média, com orientação oblíqua de cima para baixo, perfurantes até à cavidade pleural, uma com cerca de 4 cm de comprimento, de traço horizontal, e duas de cerca de 3 cm, de corte vertical; - uma ferida para vertebral direita, perfurante, junto à linha média, atingindo a coluna vertebral ao nível da 2.ª vértebra dorsal e penetrando cerca de meio cm no osso; - três feridas perfurantes na região interescapular esquerda com cerca de 3 cm e orientação de cima para baixo, sendo as duas inferiores perfurantes para a cavidade pleural; - uma ferida perfurante ao nível do ombro esquerdo, com cerca de 3 cm, atingindo a cabeça do úmero; - duas feridas perfurantes na face antero interna do braço direito, com orientação de cima para baixo com cerca de meio cm de profundidade; - ferida incisa, transversal, da face antero interna da mão direita, na transição metacarpo-falângica, desde a raiz do indicador até à zona média da palma da mão, com características de defesa; - duas feridas perfurantes na região frontal desferidas com violência, com fractura do osso frontal; - uma ferida cortante do lábio inferior até ao mento; lesões estas que foram causa directa e adequada da morte daquela, principalmente as lesões traumáticas torácicas atrás mencionadas, para se verificar que o acórdão em crise não respeitou o estatuído no art. 132.º, n.ºs l e 2, als. e), h) e j), do Código Penal, quer pelo número de facadas quer pela intensidade e celeridade das mesmas, pois, o pai da vítima rapidamente apareceu junto da cena do crime, por chamamento da filha.

    9. - Ao tribunal estes factos provados documentalmente não suscitaram dúvidas pois foram dados como provados.

    10. - À luz das regras da experiência comum todas estas feridas, em número de 23, e pelas zonas vitais atingidas desrespeitam o normativo do homicídio qualificado e já enunciado.

    11. - Nos autos e concretamente em audiência, foram apresentados, como meios de prova, os relatórios de autópsia, as fotografias do cadáver, e não foram valorados...

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