Acórdão nº 59/10.2 TTBJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelCORREIA PINTO
Data da Resolução12 de Julho de 2011
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I) Relatório M…, D… e M…, com residência na Rua…, melhor identificados nos autos, na qualidade de viúva e filhos de A…, terminada sem êxito a fase conciliatória do processo, instauraram no Tribunal do Trabalho de Beja a presente acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, contra as rés, Companhia de Seguros…, S.A.

, com sede em Lisboa, e M…, residente no Monte….

  1. Os autores alegam, em síntese, que seu marido e pai faleceu no dia 23 de Fevereiro de 2010, atingido por um raio quando, trabalhando sob as ordens, direcção e fiscalização da ré M…, em execução de contrato de trabalho com esta celebrado, apanhava lenha na Herdade do Monte… O sinistrado tinha sido contratado para executar uma tarefa pontual (limpar oliveiras) e, por isso, auferia € 45,00 por dia útil (€45,00 x 313 dias), incluindo subsídio de alimentação, férias, subsídio de férias e de Natal.

    A entidade empregadora tinha celebrado com a ré… contrato de seguro, transferindo para esta a responsabilidade infortunística decorrente da relação laboral; contudo, a remuneração transferida pelo contrato de seguro era apenas a de € 475,00 x 14 meses.

    Defendem que o acidente não ocorreu apenas por motivo de força maior pois foi a tarefa concreta de que foi incumbido e as circunstâncias em que foi executada que criaram as condições para que o acidente ocorresse, o qual teve origem imediata num fenómeno natural mas mediata num comportamento humano que potenciou o perigo do trabalho que era executado sob árvores, local onde existia um claro perigo do trabalhador ser atingido por um raio.

    Em conclusão, pedem que seja reconhecido o acidente descrito nos autos, e do qual resultou a morte de A…, como sendo um acidente de trabalho e as rés condenadas a pagar aos autores as pensões devidas na proporção das respectivas responsabilidades e demais prestações, a partir de 24 de Fevereiro de 2010, acrescidas de juros legais devidos, do seguinte modo: - A ré, Companhia de Seguros, a pensão anual e vitalícia no montante de € 1.995,00 para a viúva Maria do Sacramento e, para os filhos D… e M…, a pensão anual no montante de € 2.660,00.

    - A ré M…, para a viúva, a pensão anual e vitalícia no montante de € 2.230,50 e, para os filhos, a pensão anual no montante de € 2.974,00.

    - Ambas as rés a pagarem aos autores, na proporção das suas responsabilidades, o subsídio por morte no montante de € 5.533,70, bem como as despesas de funeral no montante de € 1.640 e transportes às duas autoras no montante de € 30,00.

  2. As rés contestaram.

    2.1 A ré M… defende a improcedência dos pedidos contra si deduzidos, alegando, em primeiro lugar, que tinha transferido a responsabilidade pela ocorrência de acidentes de trabalho para a ré seguradora, sendo certo que o sinistrado tinha sido contratado para trabalhar auferindo o montante do salário de € 475,00 x 14 meses, acrescido de subsídio de alimentação de €3,37 por cada dia de trabalho efectivo, sendo esta a retribuição declarada para efeitos de seguro; em segundo lugar, defende que o acidente em discussão ocorreu devido a motivos de força maior e força inevitável da natureza pelo que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 98/2009, não há lugar a reparação do acidente.

    Excepciona a sua ilegitimidade, de acordo com o disposto nos artigos 26.º, 493.º e 494.º do Código do Processo Civil.

    Conclui defendendo que a acção deve ser julgada improcedente e, caso assim não se entenda, deve ser julgada procedente a excepção de ilegitimidade invocada, com a consequente absolvição da instância.

    2.2 A ré Companhia de Seguros…, na respectiva contestação, alega que nada fazia prever que fosse ocorrer uma trovoada no dia do acidente pelo que este se deve apenas a motivo de força maior, às forças inevitáveis da natureza, e não proveio de risco causado pelas condições de trabalho, pelo que nenhuma das rés se encontra obrigada a reparar o acidente, de acordo com o disposto no artigo 15.º da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro.

    Conclui defendendo que a acção deve ser julgada improcedente, com a respectiva absolvição.

  3. Proferido despacho saneador (fls. 152 e seguintes), foi julgada improcedente a excepção invocada pela ré M… e afirmada a legitimidade das partes.

    Foram fixados os factos assentes e organizada a base instrutória.

    Concretizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferido despacho que respondeu à matéria que integrava a base instrutória da causa, de que não houve reclamação; foi depois proferida sentença onde se decidiu nos seguintes termos: “V. Decisão: Pelo exposto o Tribunal julga como parcialmente procedente a presente acção, por parcialmente provada, e condena: A- Ambas as rés a reconhecerem o acidente que causou a morte do sinistrado, A…, nas circunstâncias de tempo e lugar acima descritas, como acidente de trabalho reparável.

    B- A ré Companhia de Seguros a pagar à autora, viúva, M…, a pensão anual e vitalícia no montante de €1995, 00 (mil novecentos e noventa e cinco euros), a qual deverá ser aumentada, de acordo com o disposto no artigo 59, nº 1, a) da Lei nº 98/2009 de 4 de Setembro.

    C- A ré, Companhia de Seguros, a pagar aos autores, filhos, D… e M…, a pensão anual temporária de €2660 (dois mil seiscentos e sessenta euros).

    D- A ré Companhia de Seguros a pagar aos autores o subsídio por morte no montante de €5533,70 (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e setenta cêntimos) e às autoras o montante de €30,00 (trinta euros), a título de despesas de deslocação.

    E- A ré, M… a pagar à autora, viúva, M…, a pensão anual e vitalícia no montante de €2230,50 (dois mil duzentos e trinta euros e cinquenta cêntimos), a qual deverá ser aumentada, de acordo com o disposto no artigo 59, nº 1, a) da Lei nº 98/2009 de 4 de Setembro.

    F- A ré, M…, a pagar aos autores, filhos, D… e M…, a pensão anual e temporária de €2974 (dois mil novecentos e setenta e quatro euros).

    G- Condenar as rés a pagarem juros de mora legais vencidos e vincendos sobre o montante das pensões devidas desde 24 de Fevereiro de 2010.

    H- Condenar a ré seguradora a pagar juros de mora sobre as demais quantias em que foi condenada, contados a partir da data da citação.

    Decide, também, absolver as rés do peticionado pagamento de despesas de funeral, por não provado o pedido, relativamente aos autores nesta acção.

    E, absolve a segunda ré, M…, do contra si peticionado, a título de pagamento de subsídio por morte e despesas de deslocação.

    Custas (…)” 4.

    Ambas as rés, não se conformando com a decisão, vieram interpor recurso 4.1 A ré M… formulou as seguintes conclusões: A) Na douta fundamentação constante da sentença aqui em crise, a Meritíssima Juiz a quo reconheceu que “é inequívoco que a morte do sinistrado se deveu a forças inevitáveis da natureza independentes da intervenção humana porque foi atingido por um raio”, tendo ainda afirmado que “também não se provou que a morte tenha ocorrido ao executar serviço expressamente ordenado pelo empregador em condições de perigo evidente”.

    B) O risco criado pelas condições de trabalho em nada aumentou a possibilidade do acidente ocorrer: esta seria igual se uma pessoa qualquer por ali passasse, naquela hora e naquele local.

    C) As premissas que constam da fundamentação da douta sentença em crise, apontam para o preenchimento e subsunção da situação sub judice à previsão do citado artigo 15º, redundando num clássico caso de força maior.

    D) Acresce que a tese aqui sindicada levaria a que jamais se considerasse qualquer caso como sendo de força maior, porquanto o sinistrado, fosse qual fosse o acidente que sofresse, o teria sofrido durante o período em que se encontrava ao serviço da sua entidade patronal.

    E) A ora Recorrente transferiu a responsabilidade pela ocorrência de acidentes de trabalho para a co-R, Companhia de Seguros, S.A., seguradora e o sinistrado tinha sido contratado para trabalhar, auferindo o montante de salário de € 475,00 x 14 meses, acrescido de subsídio de alimentação de € 3,37 por cada dia de trabalho efectivo, tendo sido esta a retribuição declarada para efeitos de formalização do contrato de seguro de acidentes de trabalho e que corresponde ao efectivo salário auferido pelo sinistrado.

    F) A Meritíssima Juiz a quo, desprezando a prova documental apresentada e bem assim a alínea I dos factos provados, deu como provado que o sinistrado havia sido contratado pela aqui Recorrente para executar a tarefa sazonal de limpar oliveiras, auferindo a quantia de € 45,00 x 313 dias úteis, incluindo subsídio de alimentação, férias, subsídio de férias e de Natal (facto provado alínea J), estribada no depoimento de uma testemunha, por acaso cunhada do sinistrado, que havia ouvido daquele que era esse o salário auferido e não o declarado pela aqui Recorrente.

    G) A referida testemunha, por pertencer ao agregado familiar do sinistrado, irá beneficiar, mesmo que indirectamente, do incremento patrimonial que advirá da pensão arbitrada, razão pela qual o seu depoimento padeceu de isenção porquanto detinha e detém um interesse directo na procedência da presente acção.

    H) Existe uma insanável contradição no facto provado na alínea J que inquina de forma irreversível a douta decisão em crise e que radica no facto de que se o sinistrado havia sido contratado sazonalmente para a execução de uma específica tarefa agrícola, nunca a sua remuneração diária se poderia multiplicar por 313 dias úteis, correspondentes a um ano de trabalho.

    I) O trabalho sazonal não decorre pelo período de um ano inteiro, mas apenas pelo período específico que a tarefa em questão impõe, não resultando da prova dos autos qualquer indicação do período pelo qual o sinistrado foi contratado.

    J) E nessa medida, torna a sentença em crise nula porquanto se fundou na existência de um contrato impossível.

    K) A douta sentença é nula porque encerra a declaração de um direito inexistente, impondo-se a sua alteração no sentido de consagrar a retribuição...

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