Acórdão nº 4-D/1997.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Outubro de 2007
Magistrado Responsável | TELES PEREIRA |
Data da Resolução | 30 de Outubro de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.
Em Novembro de 2006, no 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Coimbra, por apenso ao processo de divórcio por mútuo consentimento com o nº 4/1997 veio A...
(Requerente e aqui Apelado) requerer, enquanto pai da menor B..., nascida a 6 de Junho de 1994, a entrega desta, alegando ter ocorrido, em 6 de Maio de 2006, o falecimento da mãe da sua filha, sua ex-mulher, recusando os avós maternos, C... e D... (Requeridos e, neste recurso, Apelantes), proceder à entrega da menor ao pai [O Requerente configurou a sua pretensão, no requerimento inicial de fls. 1/2, como alteração de regime de regulação do exercício de poder paternal [artigo 182º da Organização Tutelar de Menores (OTM)], tendo sido considerado no despacho liminar de fls. 4 corresponder a situação ao mecanismo processual da entrega judicial de menor (artigo 191º da OTM), determinando-se a alteração da distribuição (cfr. fls. 5) e o subsequente processamento como tal.] .
Os Requeridos contestaram a fls. 12/15, alegando serem quem cuida da menor, desde data anterior ao decesso da mãe, invocando que o Requerente “[…] nunca demonstrou nem reclamou ter condições e responsabilidade para [a] criar […]”, pedindo, a culminar tal peça, que “[…] não [seja] ordenada a entrega da menor […] ao pai […] devendo a mesma ser confiada à guarda e confiança dos avós maternos [ou seja, deles Requeridos], com a consequente e posterior alteração de regulação do poder paternal” (transcrição de fls. 15).
1.1.
Na fase preparatória da decisão (artigo 192º, nº 1 da OTM), realizou o Instituto de Reinserção Social (IRS) inquérito à situação do Requerente, dos Requeridos e da menor B... (constam de fls. 23/27 e 28/32 os relatórios respectivos [Que suscitaram tomadas de posição dos Requeridos (fls. 36/38) e do Requerente (fls. 51/52).]), procedendo-se, conforme promoção do Ministério Público a fls. 46 (reiterada a fls. 60), à audição do Requerente e da sua actual mulher, dos Requeridos (diligência documentada na acta de fls. 69/71), da técnica do IRS que elaborou os relatórios e, finalmente, da menor (acta de fls. 72/74 [ Julga-se útil transcrever aqui, nos termos relatados na acta de fls. 72/74, o teor das declarações da menor B...: “[…] Inquirida disse: Que está a viver com os avós maternos. Mais disse que pretende continuar a viver com os mesmos, porque tem lá as suas coisas, foram estes que a criaram e têm espaço para as suas brincadeiras; Refere que já conhece a nova casa do pai, mas não gosta do quarto que o mesmo tem para ela, este é um anexo à casa, estando virado para a rua, tendo por isso medo de ali pernoitar; Declarou que por vezes tem medo de noite, indo dormir para a cama dos avós maternos; Nunca chumbou, está a fazer os possíveis para transitar no presente ano lectivo; Declarou que não foi forçada pelos avós a dizer alguma coisa; Aceita visitar o pai, mas só uma vez por mês; E mais não disse.
[…]” [transcrição de fls. 73]]).
Colheu-se a fls. 75/76 o parecer final do Ministério Público, apontando este no sentido da entrega judicial da menor ao pai, acrescentando-se aí “[…] deve[r] este assegurar que a filha mantenha contactos regulares com os avós maternos, os quais, por sua vez, deverão abster-se de atitudes e comportamentos que prejudiquem ou dificultem a plena integração da neta no agregado familiar do pai” (transcrição de fls. 76).
1.2.
Foi, então, proferida a decisão de fls. 76/80 (a ela respeita o presente recurso), contendo o seguinte pronunciamento decisório: “[…] [J]ulgo provada e procedente a presente acção especial de entrega judicial de menor e ordeno que os requeridos C... e D..., avós maternos da menor B..., nascida em 6/6/1994, procedam à entrega dessa neta ao respectivo progenitor, aqui requerente, A..., no dia 28 de Abril de 2007, pelas 12 horas, à porta de casa deste, no Sítio da Ponte Velha, Lousã, sob pena de, não o fazendo, incorrerem em crime de desobediência, nos termos do artº 191º, nº 4, parte final, da O.T.M. e do artº 348º, nº 1, a), do Código Penal.
O pai fica obrigado a vigiar o aproveitamento escolar da menor, estimulando-a e auxiliando-a a melhorá-lo, não a transferindo da escola que ora frequenta até ao final do presente ano lectivo.
O pai fica ainda obrigado a permitir que a menor visite e seja visitada pelos avós maternos, nas ocasiões que forem acordadas entre estes e aquele, com uma periodicidade não inferior a uma vez por semana.
Os avós ficam obrigados a abster-se de atitudes e comportamentos que prejudiquem ou dificultem a plena integração da neta no agregado familiar do pai.
[…]” [transcrição de fls. 79 vº/80] 1.3.
Inconformados, interpuseram os Requerentes (fls. 84) o presente recurso, recebido pelo despacho de fls. 91 como de apelação, com efeito meramente devolutivo, tendo os Apelantes apresentado as alegações de fls. 139/144, rematando tal peça processual com as seguintes conclusões: “[…] 1- A decisão do Mmo. Juiz ao entregar, sem mais, a menor ao pai, não teve em conta o verdadeiro interesse da mesma, e limitou-se a aplicar a lei substantiva.
2- Os presentes autos são de jurisdição voluntária.
3- O Mmo. Juiz a quo ao não adoptar a solução mais conveniente à menor, violou o disposto no artigo 1410º do [Código de Processo Civil].
4- A menor que tem 13 anos de idade tem maturidade e discernimento para formar opinião.
5- O Mmo. Juiz do Tribunal a quo ao não valorizar a vontade da menor em não querer ir viver com o pai, violou o direito da personalidade da mesma consagrado no artigo 26º, nº 1 da [Constituição da República Portuguesa], bem como o artigo 12º, nº 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança.
[…]” [transcrição de fls. 144] 1.3.1.
Entretanto, subsequentemente à prolação da decisão recorrida e paralelamente à preparação da subida do recurso, atravessou o Requerente o requerimento de fls. 95/96, no qual relata ter a menor B... “mudado” as suas coisas para a casa dos avós, aqui Requeridos, aí permanecendo, recusando-se estes a entregarem-na ao pai [Note-se que o efeito devolutivo do recurso acarretou a efectiva entrega da menor ao pai no dia 28 de Abril de 2007, nos termos determinados na decisão apelada.].
Originou esta situação o processamento desencadeado pelo despacho de fls. 97/98 [Do qual consta, nos trechos mais relevantes: “[…] [A]legadamente a menor não quer sair de casa dos avós, que não a obrigam a cumprir a decisão judicial de regresso a casa do pai, pois o que se estipulou na sentença foi que pudesse visitar e ser visitada pelos avós e não que por mera «birra» decidisse voltar a viver com os avós, quando não tem maturidade para tal decisão e é obrigada a obedecer ao pai, nos termos do artigo 1878º, nº 2 do Código Civil, mesmo que os avós a influenciem em sentido contrário.
A sentença não pode ser «letra morta», pelo que ordeno a passagem de mandados de condução da menor a casa de seu pai, a cumprir pela equipa própria do IRS, com o auxílio, se necessário, da GNR, nos termos do artigo 157º, nº 1, parte final da OTM.
[…] Deve o progenitor marcar uma consulta de pedopsiquiatria para a filha B..., com urgência, a fim de lhe fazer compreender o alcance da decisão judicial de entrega ao pai e a estabilizar emocionalmente.
Suspendo provisoriamente o estipulado na sentença sobre visitas da menor aos avós maternos e sobre visitas destes à neta, para evitar repetição do sucedido, que desestabiliza gravemente a menor (artigo 157º, nº 2 da OTM).
[…]” [transcrição de fls. 97/98]] , que culminou com a (nova) entrega documentada a fls. 112/113, sendo que, antecedendo a subida dos autos a este Tribunal, realizou-se a conferência consubstanciada na acta de fls. 233/234, na qual foi alcançado um acordo de restabelecimento das visitas da menor B... aos avós, ora Apelantes.
II – Fundamentação 2.
Relatado o iter do processo que o conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos deste, tendo presente que as conclusões formuladas pelos Apelantes, a cuja transcrição se procedeu no item 1.3. deste Acórdão, operaram a delimitação temática da apelação, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aqui aplicáveis ex vi do disposto no artigo 161º da OTM. Trata-se, assim, basicamente, de sindicar a opção do Tribunal a quo, decorrente da decisão de fls. 76/80, de proceder à entrega da menor B... ao seu pai, em detrimento da pretensão dos avós maternos a essa custódia, sindicância esta que terá por referência o quadro argumentativo configurado pelos Apelantes, através das mencionadas conclusões, sendo que nestas avulta, enquanto argumento central, a asserção segundo a qual o interesse da menor exigiria a sua entrega aos avós maternos, em detrimento do pai.
2.1.
Entretanto, importa ter presente que os factos fixados como relevantes pela primeira instância (fixação que os Apelantes não contestam e que, aliás, esta Relação aceita à luz dos elementos disponíveis no processo) são os seguintes: “[…] A menor B... nasceu em 6/6/1994 na freguesia e concelho da Lousã.
A regulação do poder paternal [desta] ocorreu no âmbito dos autos de divórcio dos seus progenitores, com o nº 4/97 deste 2º Juízo, a que este processo está apenso.
A progenitora, após a ruptura familiar, reorganizou-se em família monoparental.
A casa onde habitava com a filha fora-lhe cedida pelos seus pais e localiza-se perto da habitação destes familiares.
Os avós maternos apoiavam a progenitora nos cuidados a ter com a menor, designadamente nas refeições, porque...
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