Acórdão nº 0742168 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução26 de Setembro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório O arguido B.........., foi submetido a julgamento, em processo comum com a intervenção do Tribunal Singular, acusado pelo MP, pela prática de factos, que na acusação foram qualificados como susceptíveis de integrar, em autoria material, a previsão do tipo legal de crime, p. e p. no art. 115º do Decreto Lei 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção introduzida pelo Decreto Lei 10/95, de 19 de Janeiro, com referência aos artigos 1º, 4º/1 alínea g) e 68º do mesmo diploma legal.

Na sequência do que veio, a final, a ser condenado pela prática, como autor material, da dita infracção, na pena de 12 meses de prisão e 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, suspendendo-se a execução da pena de prisão pelo período de 2 anos.

Mais se decidiu, declarar perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos à ordem dos autos, determinando-se a sua destruição e elaboração do competente auto de destruição, ao abrigo do disposto no artigo 116º do Decreto Lei 422/89.

  1. 2. Inconformado, com o assim decidido, recorreu o arguido, apresentando as seguintes conclusões: 1. O enquadramento jurídico efectuado pelo Digníssimo Tribunal "a quo", no que ao material apreendido nos presentes autos se refere, não foi, no modesto entendimento do recorrente, o correcto, pois que, resulta da douta sentença ora recorrida que esse mesmo Tribunal não entende os jogos desenvolvidos pelo material apreendido nos autos como modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, "atendendo ao critério diferenciador resultante da lei", - critério esse que, segundo o mesmo Tribunal, radica nas "operações oferecidas ao público" existentes nas modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e inexistentes no jogo de fortuna ou azar.

    1. Ora, atendendo a toda uma série de Jurisprudência que vem entendendo material como o dos autos, como desenvolvendo jogos que assumem a natureza de modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, e já não dos próprios jogos de fortuna ou azar em si mesmos, é de referir que essencial para a boa decisão da causa, através de uma correcta qualificação jurídica de tal material, seria o Digníssimo Tribunal "a quo" aferido do que serão efectivamente as ditas "operações oferecidas ao público, e de que forma poderão, ou não, os jogos dos autos serem entendidos como fazendo parte dessas "operações", e bem assim, ter apurado da hermenêutica dos artigos 1°, 4°, 159°/1, 2 e 3, e 161°/3, todos do Decreto Lei 422/89, de onde decorre, por um lado, que a lei distingue o jogo de fortuna ou azar das modalidades afins e, por outro lado, que prevê a existência de outros jogos não enquadráveis em qualquer daqueles dois tipos de jogos.

    2. Conforme bem resulta da douta sentença sob recurso, a distinção entre jogos de fortuna ou azar e modalidades afins desses jogos não poderá colher no factor ou critério da aleatoriedade do resultado, porquanto, tanto uns como as outras perfilham dessa mesma aleatoriedade, devendo, ao invés, atender-se aos critérios presentes na nossa Jurisprudência, como seja, o entendimento expresso no douto Acórdão desta Relação, de 26.04.2000, segundo o qual a linha de fronteira entre estas figuras jurídicas estaria demarcada pelo simples facto de, nas modalidades afins, as promotoras oferecerem os jogos ao público, enquanto que nos jogos de fortuna ou azar elas se limitam a colocá-los em estabelecimentos, aos quais o público se dirige para os praticar.

    3. Ora, consagrou o Ac. da R.L. de 14.03.2000 que «fundamentalmente, o que caracteriza as operações oferecidas ao público são duas coisas incompatíveis com o jogo de fortuna ou azar: os prémios fixados previamente, como assim, a participação, à partida, de um número de pessoas indeterminado. Realmente, nos jogos de fortuna ou azar, os prémios não são fixados previamente, além de que só pode jogar um número determinado de pessoas, de cada vez».

    4. De modo que, o elemento balizador corporiza-se no facto de nas modalidades afins, existirem um ou vários prémios previamente definidos, determinados ou U oferecidos", enquanto nos jogos de fortuna ou azar, em antinomia, não tem de haver, e em regra não há, um prémio fixado. (cfr. douto Acórdão da Relação de Évora de 06/11/90, in CJ; XV, T. V, pág. 277), pelo que, é de afirmar que, no caso sub judice não estamos perante um qualquer jogo de fortuna ou azar, mas sim perante uma modalidade afim desses jogos de fortuna ou azar, pois, os prémios atribuídos estavam previamente fixados e o número de jogadores podia ser indeterminado, não relevando, de forma alguma, o facto de poderem ou não ser atribuídos prémios em dinheiro para que se conclua estarmos perante um crime e já não uma modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar.

    5. Sendo certo que, a oferta ao público dos jogos dos autos sempre resultará explícita da colocação dos mesmos nos estabelecimentos comerciais, o que sempre exigirá uma qualquer actuação por parte do explorador de tal jogo, que não é passível de utilização sem o auxilia imediato do seu explorador, até porque, conforme resulta provado, toda e qualquer prémio a que se tivesse direito só seria pago/entregue pelo explorador de tal jogo.

    6. Além do que, os jogos dos autos sempre deverão ser considerados como "operação" no sentido que a essa expressão é atribuída na nossa Jurisprudência, pois que, teriam sempre uma vida útil limitada, uma vez que se encontraria limitada pelo número de apostas possíveis, limitada ao número de senhas existentes, bem como, se encontra limitada pelo número de prémios a atribuir, que, como referido, se encontram previamente definidos, sendo certo que, estando os jogos associados a um cartaz específico sempre a sua vida útil se circunscreveria à vida útil de tal cartaz.

    7. A que acresce o facto de, e conforme resulta provado na douta sentença sob recurso, os jogos serviriam para serem colocados em diversos estabelecimentos comerciais, ou seja, não seriam colocados num local onde o público se dirigia para a sua prática, mas sim, num local onde o público se dirigia no intuito de consumir os produtos aí disponibilizados, sendo depois confrontado com a "oferta" dos ditos jogos.

    8. Haverá, por isso, que se atender a toda uma série de jurisprudência, onde se inserem os doutos ares tos desta Relação do Porto, de 14.07.1999 e 28.03.2001, e da Relação de Lisboa de 08.10.1996, sendo de concluir que, "in casu", estaremos perante jogos com todas as características referidas no nº. 1 e 2 do art. 159º do D.L. 422/89, com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. 10/95, de 19 de Janeiro, sendo que tais jogos sempre deveriam ser classificados como jogo de rifas.

    9. Não sendo, naturalmente, de descurar a jurisprudência mais recente, onde se inserem os doutos arestos da Relação de Lisboa de 26-10-2005, e da Relação de Évora de 23.05.2006 e 11.07.2006, o que sempre permitirá afirmar estarmos claramente perante uma situação que não se poderá enquadrar na previsão do art. 115º do D.L. 422/89, de 02 de Dezembro, pois que, ainda que a esperança de ganho resida única e exclusivamente na sorte, de forma alguma o material apreendido nestes autos desenvolve um qualquer tipo de jogo tipificado na lei como sendo de fortuna ou azar.

    10. Assim, e uma vez que no caso concreto não estamos perante um qualquer jogo de fortuna ou azar, conforme descritos no art. 4º do diploma legal supra referido, até porque, não se verifica em tais jogos uma qualquer potencialidade de viciação, que se entende ser o critério a considerar para a determinação do conceito de jogo de fortuna ou azar, visto que, pelas suas características, a sua utilização é sempre imediata e instantânea, esgotando-se a cada "jogada", não se propiciando de forma alguma a que o seu utilizador se sinta preso, com a ânsia de por novamente em jogo a sua sorte, pois, não é de forma alguma possível uma qualquer duplicação de apostas, ou mesmo fazer depender o prémio a receber do montante efectivamente gasto, será de concluir que nunca a conduta do ora Recorrente poderia ser criminalmente punível, pois que, não estaríamos perante um qualquer crime de material de jogo, mas sim já, perante uma mera contra-ordenação.

    11. Por outro lado, e sem conceder de tudo quanto supra foi expendido, discorda ainda o Recorrente da medida concreta da pena que lhe foi aplicada, pois que, a exigência do respeito pela dignidade da pessoa do agente e os termos da referência à culpa, critério consagrado expressamente no nº. 2 do art. 40º do C. Penal, impõem que não haja pena sem culpa e a culpa decida da medida da pena.

    12. Acontece que, se é certo que é muito difícil "medir" a culpa de quem pratica factos criminalmente puníveis, não o é menos que, para a determinação judicial da pena, a nossa lei penal oferece ao julgador um quadro ou moldura em cujos limites aquela deverá ser fixada e dentro dos quais o julgador deverá ter em consideração, em conjunto, as particularidades do crime e do seu autor, orientando-se por critérios valorativos objectivos.

    13. De entre tais critérios ou regras temos, em primeiro lugar, o critério de culpa do agente, que desempenha uma função justificável e limitadora da pena - artigo 71º/1 do Código Penal - ou seja, uma pena justa, adequada, proporcional e razoável, radicando neste ponto, a discordância do aqui Recorrente em relação à medida da pena fixada pelo Digníssimo Tribunal "a quo".

    14. E isto porque, o Tribunal "a quo" considerou como elementos relevantes, para a fixação da medida da pena relativamente ao ora Recorrente, a intensidade elevada da ilicitude e do dolo, bem como o facto de o mesmo haver sido anteriormente condenado por um crime de idêntica natureza, sem que, no entanto, haja relevado o facto de a sua anterior condenação se haver verificado apenas três meses antes dos factos que deram origem aos presentes autos, a que sempre acrescerá a inexistência de quaisquer notícias da prática de factos semelhantes pelo Recorrente.

    15. Assim sendo, conclui-se que, o Tribunal "a quo" envereda por um...

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