Acórdão nº 4956/2007-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Julho de 2007
Magistrado Responsável | MANUELA GOMES |
Data da Resolução | 20 de Julho de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa 1. O Mº Público requereu, no dia 14 de Outubro de 2003, a instauração de processo judicial de promoção e protecção, relativamente à menor A, nascida no dia 27.11.2000 e residente com os pais na Rua …, com o fundamento de que ela estaria a ser vítima de abusos sexuais por parte do pai, cidadão dinamarquês.
Produzidas algumas diligências investigatórias, o tribunal, por decisão provisória proferida no dia 20.10.2003, invocando o disposto no art. 35º al e) e 37º da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, determinou que a menor fosse entregue à guarda e cuidados dos seus avós maternos.
Esta medida, inicialmente aplicada por 30 dias, foi sendo sucessivamente reapreciada, prorrogada e alterada com admissão de visitas aos pais, em casa dos avós ou nos serviços de Segurança Social e a certa altura, com o acordo da avó, foi permitido à mãe da menor passar a ir buscá-la ao infantário.
No dia 20.02.2004, passados quatro meses de execução da medida, a mãe da menor foi buscá-la ao jardim de infância frequentado pela menor e levou-a para a Dinamarca, onde passou a viver todo o agregado familiar, então ainda só composto pelos pais - B cidadã portuguesa e C, cidadão estrangeiro - e pela menor.
No dia 26.07.2004, o Mº Pº, invocando a Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída na Haia em 25.10.1980 e aprovada pelo DL nº 33/83, de 11 de Maio, requereu que fosse solicitado à Autoridade Central competente que providenciasse pelo regresso imediato da menor à companhia dos avós maternos, a fim de se assegurar a execução da medida aplicada, diligência que se veio a revelar infrutífera, porque os Tribunais Dinamarqueses, por decisão de 1ª instância proferida em 21.06.2005 e da 2ª instância, proferida em 22.07.2005, tornada definitiva por falta de recurso para a instância superior, indeferiram o pedido de entrega da menor aos avós, recusando-se a devolver a menor a Portugal,"apesar do rapto ilegal", com fundamento no disposto no art. 11º nº 2 da Lei da execução internacional de decisões judiciais em matéria de responsabilidade parental, invocando que "a A irá sofrer prejuízos graves ao nível da sua saúde psíquica e física se for entregue aos avós maternos".
Comunicada essa decisão a Portugal, o Tribunal, em 2006, determinou o arquivamento do apenso destinado a executar a medida provisória imposta (fls. 614).
Não obstante a retirada da menor do agregado familiar a que fora, provisoriamente, confiado e a sua saída do país, no dia 2.08.2004, foi proferido novo despacho a determinar que a menor continuasse entregue à guarda e confiança dos avós maternos, nos termos do art. 62º nº 3, al. c) da Lei nº 147/99, determinando-se o regresso imediato da menor para o agregado familiar dos avós maternos.
Interposto recurso desta decisão, com o objectivo de saber se se justificava a continuação da medida provisória aplicada à menor, este Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão datado de 14.12.2004, confirmou a decisão recorrida, decidindo-se o seguinte: - Justifica-se medida provisória de confiança de uma criança aos avós maternos no âmbito da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo indiciando-se que, na ausência da mãe, uma criança com menos de 3 anos de idade pode ter sido vítima de abusos sexuais por parte do pai.
- Uma tal medida continua a impor-se a partir do momento em que, a mãe (com a conivência do pai) levou a filha para fora de Portugal, aproveitando o regime de visitas que o tribunal gradualmente ia concedendo aos pais, instalando-se com o marido na Dinamarca, país da nacionalidade do marido.
- Não se vê que a Convenção da Haia de 1996 relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de poder paternal e de medidas de protecção de menores ou a Convenção da Haia de 1961, aprovada pelo Decreto-Lei nº 48494, de 22 de Julho de 1968, legitimem a fuga ou rapto de uma criança para assim, se impedir que no Estado onde a criança tinha a sua residência habitual possam ser adoptadas quaisquer medidas de protecção relativamente a essa criança, designadamente em relação ao pai que relativamente ao seu próprio filho haja incorrido em actos de abuso sexual.
- Não se vê que as aludidas convenções proíbam a execução de medidas provisórias judicialmente decretadas proferidas no âmbito de processos de promoção e protecção das crianças e jovens em perigo.
Esta decisão transitou em julgado.
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Em 9.02.2007, o SEF junto do Aeroporto de Lisboa contactou o Tribunal a dar conhecimento de que a menor se encontrava naquele aeroporto e a solicitar que fosse informado se continuava a "interessar a detenção para presença à Autoridade Judiciária da menor" uma vez que se encontrava pendente naqueles serviços um pedido para esse fim (fls. 35).
Na sequência do que, ouvido o Mº Pº e os avós da menor, foi proferido um despacho, datado desse mesmo dia - 9.02.2007 - que, invocando desconhecer a decisão dos Tribunais da Dinamarca e pondo a tónica no facto da menor ter sido levada para aquele país por virtude da prática de um crime por parte da sua progenitora, e ponderando manterem-se todos os pressupostos que determinaram a retirada da menor aos pais, ordenou que, ao abrigo da Convenção da Haia, se solicitasse ao Gabinete SIRENE, que providenciasse pelo imediato regresso da menor para o agregado familiar dos avós.
Mais ordenou que se passassem "os competentes mandados internacionais para impedir que a menor possa viajar através de qualquer aeroporto no espaço SCHENGEN" (fls. 42), o que foi cumprido, tendo a menor sido entregue aos avós maternos no dia 10.02.2007, encontrando-se na altura munida do passaporte dinamarquês).
Passados dois dias, ouvida a menor, os avós e o Mº Pº (mas sem intervenção dos pais ou do seu mandatário, que não foram notificados para as diligências a realizar), com data de 12.02.2007, considerando-se que continuavam a verificar-se as finalidades que levaram à aplicação da medida e que a menor continuava a beneficiar do apoio dos avós, e sob a invocação do disposto no art. 34º, als. a), b) e c), 35º nº 1 al. b) e 40º ex vi do art. 37º , todos da LPCJP, foi ordenado, para além da realização de várias diligências, que se executasse "de imediato a medida já anteriormente determinada e, por conseguinte, a A fique entregue à guarda e confiança dos avós maternos, sem prejuízo dos ulteriores termos do processo" (fls. 82/83).
A mãe da A veio então, por requerimento apresentado no dia 21.02.2007, arguir diversas pretensas "nulidades" atribuídas aos despachos proferidos quer no dia 9, quer no dia 12 de Fevereiro de 2007 - a incompetência absoluta do Tribunal para determinar a entrega da A aos avós, lei aplicável ao caso, falta de notificação do mandatário dos pais, violação do caso julgado, caducidade da medida provisória, da inexistência da situação de emergência...
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