Acórdão nº 1075/07-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Julho de 2007
Magistrado Responsável | MARGARIDA BLASCO |
Data da Resolução | 10 de Julho de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa 1-No proc. nº 7363/00.6 TDSLB que corre seus termos no 1º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, foi proferida em 27.10.2007, decisão instrutória que não pronunciou o arguido J.
pela prática de factos que consubstanciam a prática do crime de abuso de confiança qualificado que a assistente M.
lhe imputou no requerimento de abertura da instrução, pelo que, e, consequentemente, foi determinado o arquivamento dos autos.
2-A assistente veio recorrer desta decisão por entender que a mesma deve ser substituída por outra que pronuncie o arguido como autor material de um crime de abuso de confiança qualificado p. e p. pelo art. 205º nºs 1 e 4 al. b) do Código Penal (CP), ou anulada e substituída por outra que analise a prova produzida e se pronuncie sobre as respectivas consequências penais.
3- O recurso foi devidamente admitido e fixado o efeito legal.
4-O Ministério Público (MP) veio responder no sentido de que a decisão recorrida não violou o disposto no art. 308º n.º1 do Código de Processo Penal (CPP), ao não pronunciar o arguido, pelo que não merece qualquer censura, tendo sido proferida, numa correcta aplicação da lei, e do direito, pelo que, deverá ser confirmada.
5- O recorrido veio apresentar a sua resposta de fls.1250 a 1257, no sentido da confirmação do despacho de não pronúncia.
6-Subiram os autos a este Tribunal, onde na vista a que corresponde o art. 416º do CPP, a Exma. Procuradora - Geral Adjunta emitiu Parecer, segundo o qual, por não existirem elementos que permitam concluir "... que o arguido se tenha querido apropriar de forma ilegítima de coisa que não lhe pertença… que o Mm.º Juiz do T.I.C. na sua douta decisão de 27 de Outubro de 2006, decidiu não pronunciar o arguido, decisão que …não merece qualquer censura" e por, isso, deve ser mantida.
7- Cumprido o art.417º, nº 2 do CPP, veio a assistente manter a argumentação que enforma o seu recurso.
8- Procedeu-se a exame preliminar que determinou o envio dos autos para conferência.
9- Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II 1-A decisão recorrida tem o seguinte teor (transcrição): (…) Nos presentes autos foi pela assistente apresentada queixa contra o arguido.
Procedeu-se a inquérito, no fim do qual pelo Ministério Público foi proferido o despacho de arquivamento que faz fls. 373 a 375 dos autos.
A assistente por discordar do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público veio requerer a abertura da instrução, conforme consta de fls. 391 a 396 dos autos, pedindo a pronúncia do arguido pela pratica do crime de abuso de confiança, qualificado.
Procedeu-se à inquirição de testemunhas e foram juntos documentos.
*Procedeu-se à realização do debate instrutório com observância das formalidades legais.
(…) Conforme resulta do artº 286º do CPP a instrução tem como fim a comprovação judicial de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito com vista a submeter ou não os factos a julgamento.
No caso dos autos a instrução visa a comprovação judicial de não acusar, ou seja, pretende-se que se afira da existência ou não de indícios dos quais resulte a possibilidade razoável de em julgamento vir a ser aplicada ao arguido uma pena, pelos factos e ilícito que lhe são imputados pela assistente no requerimento de abertura da instrução (entendendo-se que a assistente pese embora o artigo indicado -224º do CP-, pretende como ali refere a pronuncia do arguido pela pratica doo crime de abuso de confiança qualificado p. e p. pelo artº 205º do Código Penal).
Dispõe o artº 308º nº 1 do CPP que se até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o Juiz, por despacho pronuncia o arguido pelos respectivos factos; caso contrário, profere despacho de não-pronuncia.
Resulta por outro lado do artº 283º nº 2 do CPP, para onde remete o artº 308º nº 2 do mesmo diploma legal, que se consideram suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento uma pena ou uma medida de segurança.
O despacho de não pronuncia deverá ser proferido sempre que, perante o material probatório constante dos autos, não se indicie que o arguido, se vier a ser julgado, venha provavelmente a ser condenado, sendo tal probabilidade um pressuposto indispensável da submissão do feito a julgamento.
Para ser proferido despacho de pronúncia embora não seja preciso uma certeza da infracção é necessário que os factos indiciários sejam suficientes e bastantes, para que logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo da culpa do arguido.
A assistente imputa ao arguido a prática do crime de abuso de confiança. Importa assim verificar se face aos elementos de prova constantes dos autos, se indicia a pratica pelo arguido de factos que integrem o preenchimento da tipicidade objectiva e subjectiva do referido ilícito que lhe é imputado pela assistente no requerimento de abertura da instrução.
Pratica um crime de abuso de confiança quem " ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por titulo não translativo da propriedade …".
O abuso de confiança decorre de uma situação de posse legítima de uma coisa alheia, por parte do agente que a detêm por acto não translativo da propriedade.
Simas Santos e Leal-Henriques, referem que "o crime de abuso de confiança supõe a entrega válida de coisa móvel, entrega feita por título não translativo da propriedade (que não implique transferência da propriedade - cfr. art. 1316º do Código Civil) e que não se justifique a apropriação, antes se constituindo a obrigação de afectação a um uso ou fim determinado, ou de restituição" In "Código Penal Anotado", 2º volume, 1997, Editora Rei dos Livros, pág. 461.
.
A entrega tem de ser válida, para ser típica, isto é tem de decorrer de uma causa justificada.
A consumação do crime verifica-se com a apropriação, isto é, com a inversão do título da posse. Apropriar-se de uma coisa é fazer sua, uma coisa, que pertence a outra pessoa.
É necessário, que o agente, estando na posse ou detenção da coisa por modo legítimo, embora a título não translativo da propriedade, passe a actuar animo domini: ou seja, sendo já possuidor legítimo em nome alheio, passe a ser possuidor ilegítimo em nome próprio.
É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência que não é lícito extrair conclusões de simples, ou supostas, atitudes subjectivas, não projectadas no mundo sensível ou sitas no nebuloso terreno da nuda cogitatio, pois inversão é intenção e apropriação, e esta carece de ser revelada Vide o Ac. do STJ de 31.10.91, BMJ, 410, pág. 430.
. Exige-se que o agente pratique factos objectivos demonstrativos de que integrou a coisa na sua esfera patrimonial, ficando dono dela, ou tendo passado a agir como se dela fosse dono.
A nível do tipo subjectivo, tem vindo a jurisprudência a enunciar que o abuso de confiança é um crime de "realização intencionada", na medida em que um dos seus elementos é a intenção de apropriação de coisa alheia, a qual se consuma quando ocorre a inversão do titulo de posse.
Exclui-se pois, desde logo, a punibilidade da negligência, subsistindo a punição a título de dolo, em qualquer das suas modalidade, e que consiste aqui na vontade do agente de passar de possuidor alieno domine a possuidor uti dominus.
Resulta dos autos tendo em conta os elementos de prova nele reunidos, que o arguido munido de procuração dos seus pais, terá procedido a vários movimentos em contas bancárias em nome daqueles, bem como terá colocado tais montantes em contas bancárias apenas em seu nome.
Resulta igualmente indiciado nos autos que o arguido e a assistente são irmãos, que os pais daqueles faleceram e que existe entre ambos divergência quanto aos bens que constituem o acervo hereditário, bem como quanto aos frutos pelo mesmo gerados.
Para resolução de tais divergência encontram-se segundo resulta dos autos e foi referido no decurso do debate instrutório pendentes em juízo processos de natureza cível.
Face ao exposto e após análise critica de todos os elementos de prova reunidos nos autos, designadamente tendo em conta o teor dos depoimentos e declarações prestadas bem como o teor dos documentos que...
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