Acórdão nº 5671/2007-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 05 de Julho de 2007
Magistrado Responsável | SALAZAR CASANOVA |
Data da Resolução | 05 de Julho de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: Banco […], SA interpôs recurso da decisão de fls. 106 que indeferiu o cumprimento do disposto no artigo 864.º do Código de Processo Civil enquanto não estiver comprovado o cancelamento do registo de reserva de propriedade que se encontra efectuado a favor do exequente.
Desta decisão foi interposto recurso.
Verifica-se que T.[…], SA demandou em acção declarativa com processo sumário Fernando […] e mulher Etelvina […] instaurando seguidamente execução de sentença no âmbito da qual foi penhorado o veículo […] verificando-se que sobre o memos incide reserva de propriedade registada a favor do Banco[…] SA o que levou a decisão recorrida a considerar que, devendo o registo automóvel estar em conformidade com a situação substantiva dos bens, designadamente quanto a terceiros e para defesa destes, impor-se ao exequente provar o cancelamento do registo de reserva de propriedade ao qual disse ter renunciado.
Nada temos a acrescentar relativamente ao que referimos a este propósito em anteriores decisões designadamente no âmbito do P. 8541/2004 que aqui se transcreve: P. 8541/2004 Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1.
Banco […] interpôs recurso da decisão de fls. 69 que determinou a suspensão da acção executiva quanto aos termos da penhora conexionados com o veículo de marca Fiat […] Considerou a decisão recorrida, face à declaração de renúncia expressa do exequente da reserva de propriedade, que os autos deviam aguardar a junção da competente certidão do cancelamento do registo de reserva, pois a execução, quanto a tal bem, não pode prosseguir para a fase da venda por se impor o cancelamento.
Considera a recorrente que a cláusula de reserva de propriedade registada não obsta a que, nos termos dos artigos 824º do Código Civil e 888º do C.P.C., ordene o Tribunal oficiosamente o cancelamento de todos os registos que incidam sobre o bem penhorado designadamente o registo de reserva de propriedade (ver fls. 109; conclusões 3ª e 6ª); sustenta ainda que no caso de existirem dúvidas sobre a propriedade dos bens objecto de penhora deve agir-se de acordo com o disposto no artigo 119º do C.R.P. caso a penhora já tenha sido realizada (conclusão 4ª) A decisão ao impor o cancelamento do registo e a suspensão da execução desrespeita, segundo o recorrente, o disposto nos artigos 5º,nº1, alínea b) e 29º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, 7º e 119º do C.R.P. e 408º, 409º,nº1, 601º e 879º, alínea a) todos do Código Civil e ainda o artigo 888º do Código de Processo Civil. […] Apreciando: 3.
Compra e venda com reserva de propriedade a favor do alienante.
A questão a decidir nestes autos é a de saber se a execução se deve ou não sustar até que o exequente comprove o cancelamento do registo da penhora.
O exequente é titular do registo de reserva de propriedade incidente sobre o aludido veículo.
É ele, portanto, face ao registo, presumidamente, o proprietário da coisa.
É isto que decorre do artigo 409º do Código Civil que prescreve: 1- Nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento.
2- Tratando-se de coisa imóvel, ou de coisa móvel sujeita a registo, só a cláusula constante do registo é oponível a terceiros.
A reserva de propriedade é expressamente prevista no caso de venda a prestações (artigo 934º do Código Civil).
Considera-se que a venda sob reserva de propriedade é realizada sob condição suspensiva, quanto à transferência da propriedade, que assim se mantém na titularidade da vendedora: ver Código Civil Anotado, Antunes Varela, Vol 1º, 4ª edição, pág. 376; Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 103º, pág. 380/383, anotação de Vaz Serra ao Ac. do S.T.J. de 27-5-1969, B.M.J. 187-107, Ac. do S.T.J. de 24-6-1982 (Pedro Cluny), B.M.J. 318-396, Ac. do S.T.J. de 8-1-1991 (Simões Ventura) B.M.J. 403-334.
O comprador adquire uma expectativa de propriedade "que é considerada pela doutrina jurídica como um direito patrimonial actual, como um direito de expectativa. Com a verificação da condição ela reforça-se tornando-se ipso jure um direito pleno e, assim, uma propriedade não condicionada (Vaz Serra, loc. cit, pág. 383 in nota 2 iniciada na pág. 382); de expectativa com eficácia real, atento o disposto no artigo 409º/2 do C.C., fala o Prof. Antunes Varela (ver R.L.J.
, Ano 122º, pág. 318) que considera o comprador investido numa verdadeira posse (ver hoje sobre penhora de expectativas de aquisição o artigo 860º-A do C.P.C.).
Houve quem defendesse que, face ao disposto no artigo 18º/1 e 3 do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, a venda, no ramo automóvel, seria feita sob condição resolutiva (ver voto de vencido no Ac. de 24-6-1982 e também no Ac. do S.T.J. de 24-1-1985 - Solano Viana -B.M.J. 343-309). No entanto, como salientou o Prof. Almeida Costa na R.L.J.,Ano 118º, pág. 384, no referido nº3 do DL 54/75 " claramente se alude a resolução do contrato por incumprimento e não a resolução do direito de propriedade.
Assente que o comprador não adquire a propriedade, mantendo-se esta no alienante, não pode este, enquanto a reserva de propriedade subsistir, penhorar o bem sobre o qual ela incide pois pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor (artigo 601º do Código Civil e 821º/1 do C.P.C.).
-
Não cancelamento oficioso do registo de inscrição de reserva de propriedade.
Tem acontecido, porém, que, instaurada execução pelo próprio titular da reserva de propriedade, vem este nomear à penhora o bem sobre o qual incide a reserva, omitindo tal referência e alcançando sucesso na sua pretensão mesmo nos casos em que o tribunal ainda assim se apercebe da situação, como, por exemplo, aconteceu nos casos tratados no Ac. da Relação de Lisboa de 18-6-1998 (Fernando Casimiro) C.J.,3, pág. 129 também publicado na Actualidade Jurídica, ano II, nº 18 e no Ac. da Relação de Lisboa de 22-6-1999 (Seara Paixão),C.J.,3, pág. 119).
Entendeu-se nessas decisões que o exequente, quando requer a penhora do bem, tacitamente renuncia à reserva de propriedade; a verdade, porém, é que subsiste o registo da reserva e, por conseguinte, prosseguindo a execução, o adquirente vai comprar bem sobre o qual incide esse ónus.
O Tribunal, após o pagamento do preço, manda oficiosamente cancelar os registos dos direitos reais que caducam nos termos do nº2 do artigo 824º do Código Civil, mas não se afigura que o possa fazer, quando se trate de clausula de reserva de propriedade, visto que ela não se traduz num direito real de garantia, muito embora desempenhe a função de garantia do preço devido pela aquisição do bem.
Não caduca o registo do direito real de propriedade incidente sobre o aludido veículo, de que é titular o exequente por força da aludida cláusula, pois, sendo anterior à penhora, rege o disposto no artigo 824º/2 do Código Civil segundo o qual não caduca o registo de direitos reais que sejam anteriores ao de qualquer arresto, penhora ou garantia.
Ressalva ainda o preceito na sua parte final aqueles direitos reais que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo o que não é o caso da cláusula de reserva de propriedade de coisa imóvel ou de coisa móvel sujeita a registo a qual só quando registada é oponível a terceiros (artigo 409º/2 do Código Civil).
Assim, "se sobre o bem a transmitir em venda executiva incide um direito de propriedade, há que verificar se se trata de propriedade do executado ou de terceiro.
A situação comum é aquela em que o bem se encontra na propriedade do executado, podendo ser, por ordem judicial, livremente transmitido. Mas sendo o bem vendido em execução propriedade de terceiro, estar-se-á perante uma execução de coisa alheia, e o proprietário, terceiro no processo executivo, pode, nos termos gerais, recorrer designadamente à acção de reivindicação (artigo 1311º do C.C). Esta hipótese poderá não ser tão rara como possa parecer à primeira vista; pense-se na eventualidade de ser vendido em execução um bem que fora adquirido pelo executado com reserva de propriedade (artigo 409ºCC). Em tal caso, o proprietário do bem, que não é o exequente, pode reivindicar a coisa e a venda fica sem efeito (artigo 909º, nº1, alínea d) do CPC), tendo o adquirente direito à restituição do preço e ao pagamento dos danos sofridos": ver "Venda Executiva. Alguns aspectos das alterações legislativas introduzidas pela nova versão do Código de Processo Civil", Pedro Romano Martinez in "Aspectos do Novo Processo Civil", Lex, 1997, pág. 330; no mesmo sentido salientando que o registo da reserva de propriedade subsiste veja-se o Ac. da Relação de Lisboa de 2-6-1999 (João Moreira Camilo) B.M.J. 488-407.
Nem de outro modo se pode entender visto que o registo dá publicidade à identificação do titular do direito de propriedade que, nos termos do artigo 409º/1 do Código Civil, é o alienante que para si reservou a coisa.
Admitindo-se que o exequente pode penhorar bem a favor do qual dispõe de reserva de propriedade, mesmo nesses casos pode ter o exequente interesse em que o registo subsista após a venda. Basta pensar no caso em que, com a venda, ele não obtém o pagamento integral da quantia reclamada; o...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO