Acórdão nº 4852/2007-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelOLINDO GERALDES
Data da Resolução28 de Junho de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO Associação e M… instauraram, em 25 de Março de 2003, na 6.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, contra …noticias, S.A. e outros, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que os Réus fossem condenados, solidariamente, a pagar-lhes a cada uma a quantia de € 45 000,00 e que a 1.ª R. fosse ainda condenada a publicar a decisão condenatória.

Para tanto, alegaram, em síntese, que o semanário da 1.ª R., tendo por director o 3.º R., publicou, em 2000, notícias falsas, da autoria principal do 2.º R., segundo as quais a 2.ª A., aproveitando-se do património da 1.ª A., tinha casas em vários locais e de preços elevados e fazia compras de montantes elevados, sendo ainda responsável pelo desvio de obras de arte doadas à 1.ª A., notícias que, pondo em causa a sua seriedade, causaram danos, ressentindo-se a 1.ª A. nos donativos que habitualmente recebia, enquanto a 2.ª A. sofreu uma crise do foro psíquico que afectou a sua vida pessoal e profissional.

Citados os RR., contestou o R. F, que, no essencial, alegou não terem existido falsas imputações e ter havido interesse legítimo nas notícias, concluindo pela improcedência da acção.

Contestou também o R. T, alegando, fundamentalmente, não ser o responsável pelos textos em causa.

Contestou ainda a R. …notícias, que invocou, sobretudo, a inexistência de responsabilidade civil, tanto por falta da ilicitude como do dano, concluindo também pela improcedência da acção.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com gravação, e proferiu-se a sentença, que condenou a 1.ª R. e o 2.º R., solidariamente, a pagarem à 1.ª e 2.ª AA., respectivamente, as quantias de € 5 000,00 e € 20 000,00, acrescidas dos juros de mora desde o seu trânsito em julgado e até integral pagamento, e ainda a 1.ª R. a publicar, por extracto, após o trânsito, a decisão condenatória, e absolveu o 3.º R. do pedido.

Inconformados, recorreram dessa sentença as AA. e o 2.º R.

, apresentando as respectivas alegações.

As Autoras extraíram, no essencial, as seguintes conclusões: a) Relativamente à 1.ª A., deve ser especialmente valorado que a nuvem de suspeição afectou a sua seriedade e honorabilidade e que, pelo menos em 2000, isso afectou os donativos recebidos, de que depende em grande medida.

b) Nesse enquadramento, o pedido de indemnização de € 45 000,00 parece encontrar plena justificação.

c) Quanto à 2.ª A., foi exposta publicamente à mais vil das acusações, tendo a sua seriedade e honorabilidade sido postas em causa, com o sofrimento a ser mais intenso e a perdurar mais longamente.

d) A verba de € 20 000,00 é excessivamente modesta e o montante reclamado é até parcimonioso.

e) Cabia ao director do jornal impedir a publicação das notícias, pelo que, não o tendo feito, violou os seus deveres legais e deontológicos.

f) O 3.º R. deve também ser condenado com os restantes RR.

Pretendem, com o provimento do recurso, a condenação solidária dos três RR. no pagamento da indemnização de € 45 000,00, a favor de cada uma.

Por sua vez, o 2.º Réu formulou, essencialmente, as seguintes conclusões: a) A factualidade vertida sobre os artigos 24.º e 25.º da base instrutória, quanto à 1.ª A., não poderia ser considerada provada, por insuficiência da prova.

b) O artigo 26.º da base instrutória, também por insuficiência de prova, deveria ter sido dado como não provado.

c) Por isso, não há factos que sustentem a condenação no pagamento de qualquer indemnização à 1.ª A.

d) Quaisquer danos que a mesma tenha eventualmente sofrido terão de ser qualificados como danos reflexos, não consagrando o ordenamento jurídico a obrigação de os indemnizar (art.º s 495.º e 496.º do CC).

e) Deveria ter sido absolvido da totalidade do pedido formulado pela 1.ª A., por falta da alegação de factos susceptíveis de fundar o deferimento da sua pretensão.

f) Por isso, a sentença recorrida padece da nulidade prevista no art.º 668.º, n.º 1, al. d), do CPC.

g) Ao demandarem apenas o …notícias e nas vésperas do termo da prescrição, as AA. agiram em manifesto abuso de direito (art.º 334.º do CC).

h) A sentença recorrida não valorou devidamente o contributo da 2.ª A. para a produção dos danos (art.º 570.º do CC).

i) Atento o reduzido impacto dos escritos do apelante e os padrões adoptados pelos Tribunais superiores, deve a indemnização, porque manifestamente excessiva, ser fixada em montante francamente inferior, senão meramente simbólico.

Pretende, com o provimento do recurso, a revogação da decisão recorrida, e a sua substituição por outra que julgue em conformidade com o alegado.

Contra-alegaram os 2.º e 3.º Réus, assim como as Autoras, no sentido de ser negado provimento aos respectivos recursos.

Depois, sem mais, foi ordenada a subida dos autos.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Nos dois recursos, para além da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e da nulidade da sentença, está em causa a verificação da responsabilidade civil, pela publicação de notícia em jornal, designadamente do seu director, a existência do dano e a fixação da indemnização.

  1. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Foram dados como provados os seguintes factos: 1. No ano de 2000, as Autoras foram objecto de várias notícias em órgãos de comunicação social que davam conta de uma denúncia efectuada por um antigo colaborador da 1.ª A., que apontava para irregularidades na gestão da "A", que veio a determinar a realização de inquéritos no âmbito da Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho e da Solidariedade e do Ministério Público.

    1. A 1.ª Ré é dona do semanário …notícias.

    2. O 3.º Réu era o director do …notícias, em 31 de Março de 2000 e 7 de Abril de 2000.

    3. Na edição de 31 de Março de 2000 do …notícias, a manchete da 1.ª página tinha como título "Rico …", precedida do subtítulo "Investigação toda a história do enriquecimento ilícito de (…). Conheça toda a história do enriquecimento ilícito".

    4. Na página 6, o semanário apresenta uma fotografia de uma casa e desenvolve uma notícia da autoria do 2.º R., com o título "A vida é bela", e tendo como subtítulo "M acumulou um invejável património imobiliário desde que é presidente da maior associação portuguesa de combate à sida".

    5. Nessa notícia, escreve-se, entre outras passagens, o seguinte: "Acusam-na de viver luxuosamente, (…)".

    6. Na página 7, o …notícias publica uma entrevista de M, da autoria do 2.º R.

    7. Na edição de 7 de Abril de 2000, do …notícias, a manchete da 1.ª página é "M… acusada de desvio de arte", acompanhada de uma fotografia de M com o subtítulo "Pintores e Escultores afirmam que (…) está na origem do desaparecimento de obras doadas", seguindo-se o seguinte texto: "Toda a história no Segundo Plano do Jornal".

    8. Na página 11, aparece uma notícia da autoria do 2.º R., com o título "Onde param os quadros", acompanhada de uma fotografia de M, com o subtítulo "Dizem-se "enganados", "ofendidos" e "vilipendiados".

    9. A "A" foi fundada em 1992 e é uma prestigiada associação de solidariedade social, que se tem distinguido no combate à sida.

    10. A Autora prestou declarações ao jornal Tal & Qual, na sua edição de 13 de Setembro de 1996, em que aquela diz que "Depois deste caso (de furto de obras de arte), todas as exposições são organizadas por mim ou por pessoas da minha confiança. (…)".

    11. Numa entrevista concedida pela A. M ao jornal Correio da Manhã, em 23 de Março de 1998, questionada sobre os gostos nos tempos livres, afirma que "gosto de ir para Assafora, uma terra muito simpática ao pé de Sintra, onde tenho um local chamado …, onde vou passear a pé e receber amigos".

    12. A 2.ª A. concedeu uma entrevista ao jornal Tal & Qual, que foi publicada na edição de 20 de Junho de 1998, onde diz que "até já escolheu um local para testar as suas potencialidades eleitorais: a Aldeia de …, nos arredores de Sintra, onde possui uma casa de fim-de-semana e onde, queixa-se, os habitantes da aldeia não lhe dão descanso".

    13. Já em entrevista ao jornal Diário de Noticias, dada pela 2.ª A. após a publicação das notícias do …notícias, esta afirma: "a casa que tenho na Rua das …, Assafora, está arrendada há 14 anos ao Sr. A…".

    14. Na notícia de que existe cópia a fls. 97, a A. M afirma: "percorro as ruas de Tavira todos os dias e vou à praia da Fábrica, em Cancela Velha".

    15. Em artigo publicado no jornal Público, na edição de 1 de Abril de 2000, a 2.ª A., que subscreve o mesmo, afirma: "Quando vou lá de férias (em Tavira), costumo alugar uma casinha simples que fica a meio da serra e que pertence a uns amigos".

    16. ...

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