Acórdão nº 3901/2007-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 31 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelVAZ GOMES
Data da Resolução31 de Maio de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam os juízes na 2.ª secção (Cível) do Tribunal da Relação de Lisboa I-RELATÓRIO AGRAVANTE: S (representada, entre outros, em juízo, pela ilustre advogada A com escritório em Lisboa, conforme procuração a fls. 40 dos autos cujo teor aqui se reproduz).

* AGRAVADOS: Não foram previamente citados.

* Inconformada com a decisão de 21/03/07 que por força do art.º 409, n.º1 do CCiv indeferiu a presente providência cautelar para apreensão de veículo nos termos do art.º 15 do DL 54/75 de 12/0, dela agravou a requerente onde conclui em suma: 1. A reserva de propriedade, tradicionalmente uma garantia dos contratos de compra e venda, tem vindo, face à evolução verificada nas modalidades de contratação a ser constituída como garantia dos contratos de mútuo, sobretudo daqueles cuja finalidade e objecto é financiar um determinado bem ou seja quando exista uma interdependência entre o contrato de mútuo e o contrato de compra e venda, situação em que se verifica uma sub-rogação do mutuante na posição jurídica do vendedor, isto é, o mutuante ao permitir que o comprador pague o preço ao vendedor, sub-roga-se no risco que este correria caso tivesse celebrado um contrato de compra e venda a prestações, bem como nas garantias de que este poderia dispôs no caso a reserva d e propriedade, o que ocorre nos autos (conclusões a) a g); 2. Este entendimento encontra pleno acolhimento no art.º 591 do CCiv bem como no princípio da liberdade contratual previsto no art.º 405 do CCiv, inexistindo objecções de natureza jurídica, moral ou de ordem pública relativamente ao facto de a reserva de propriedade ser constituída a favor do mutuante e não do vendedor e o art.º 6, n.º 3 do DL 359/91, de 21/09, que prevê o acordo sobre reserva de propriedade como acordo do contrato de crédito ao consumo (conclusões h) a j); 3. O direito que a requerente tem de reaver a viatura não decorre das cláusulas de contrato de mútuo mas sim da reserva de propriedade que tem sobre ela, condicionada, mas ao não se verificar a condição que implicaria a transmissão da mesma para os requeridos então a propriedade permanece na sua esfera jurídica; encontrando-se inscrita a favor da requerente a reserva de propriedade sobre a viatura sobre que se requereu a apreensão, e indiciariamente demonstrado que os requeridos não cumpriram as obrigações que originaram a constituição de reserva de propriedade, designadamente através da prova testemunhal e documental, encontram-se reunidos os pressupostos do art.º 15 do DL 54/75 pelo que se deve anulara decisão da 1.ª instância.

Recebido o recurso, foram os autos a vistos, nada obstando ao julgamento do recurso.

Questão a resolver: Saber se a financiadora a crédito para aquisição pelos requeridos de outrem de uma viatura automóvel, que a seu favor goza do registo de reserva de propriedade sobre essa viatura, e que alega o incumprimento do mútuo pelos requeridos, tem legitimidade para requerer a apreensão daquela ao abrigo do art.º 15 do DL 54/75.

II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Em suma a requerente na sua petição inicial refere: · No exercício da sua actividade de financiamento de aquisições a crédito, nomeadamente de veículos automóveis a requerente celebrou com M e A, no dia 05/09/2003 o contrato n.º 64023 junto por cópia a fls. 32/33 que aqui se reproduz que teve por objecto o financiamento de Eur 21041,90 montantes esse destinado à aquisição pelos requeridos da viatura com a matrícula tendo sido acordada a constituição de reserva de propriedade a seu favor sobre o mencionado veículo (cfr. condição particular a fls. 32 w condição geral n.º 9, alínea a) a fls. 32/33) · O veículo foi vendido aos requeridos com o encargo de reserva de propriedade devidamente registado conforme cópia de certidão do registo de fls. 34 e mantém-se na esfera jurídica da requerente a propriedade da viatura só se transmitindo com o cumprimento do contrato, encontrando-se suspensa até então; · Por força do contrato os requeridos assumiram entre outras obrigações a de pagar à requerente uma prestação mensal de €374,34, durante 60 meses, não tendo os requeridos pago as 31 a 35 das prestações e ate à propositura da providência os requeridos nada pagaram; não obstante a requerente interpelou os requeridos através de cartas registadas com aviso de recepção de 14/08/06 e de 01/09/06 para pagara em 8 dias findo os quais a mora se converteria em incumprimento definitivo III - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A Meritíssima juíza do Tribunal recorrido, liminarmente, não ordenou a providência, com o fundamento de que só o alienante e não o financiador pode reservar para si a propriedade nos termos do art.º 409 do CCiv, não obstante reconhecer que existe acordo reduzido a escrito a fls. 32/33 pelo qual a Sofivenda concedeu aos requeridos um empréstimo destinada a adquirir a mencionada viatura o qual está na origem da reserva da propriedade O art.º 409, n.º 1 do CCiv estatui: "Nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservara para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento." A reserva de propriedade vem prevista como encargo dos contratos de alienação ou seja nos contratos de compra e venda.

O art.º 15, n.º 1 do DL 54/75, de 12/02, estatui: "Vencido e não pago o crédito hipotecário ou não cumpridas as obrigações que originaram a reserva de propriedade, o titular dos respectivos registos pode requerer em juízo a apreensão do veículo e dos seus documentos." Art.º 16, n.º 1 do cit. diploma: "Provados os registos e o vencimento do crédito ou, quando se trate de reserva de propriedade, o não cumprimento do contrato por parte do adquirente, o juiz ordenará a imediata apreensão do veículo." Art.º 18, n.º 1: "Dentro de 15 dias a contar da data da apreensão, o credor deve promover a venda do veículo apreendido, pelo processo de execução ou de venda de penhor, regulado na lei de processo civil, conforme haja ou não lugar a concurso de credores; dentro do mesmo prazo, o titular do registo de reserva de propriedade deve propor acção de resolução do contrato de alienação." O n.º 2: "O processo e a acção a que se refere o número anterior não poderão prosseguir seus termos sem que lhes seja apenso o processo de apreensão, devidamente instruído com certidão comprovativa do respectivo registo ou documento equivalente." O n.º 3: "Vendido o veículo ou passada em julgado a decisão declarativa de resolução do contrato de alienação com reserva de propriedade, os documentos apreendidos serão entregues pelo tribunal ao adquirente ou ao autor da acção que tomará posse do veículo, independentemente de qualquer outro acto ou formalidade." A providência cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente da acção declarativa ou executiva - art.º 383, n.º 1 do CPC.

O legislador de 75 indicou expressamente no art.º 18, n.º 1 do DL 54/75 a acção correspondente à cautelar apreensão e essa acção é a acção de resolução do contrato de alienação.

A transferência de direitos reais sobre coisas determinadas dá-se por mero efeito do contrato - art. 408 do CC . Nos termos do art. 409, nº 1, do CC nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações ou até à verificação de qualquer outro evento e tratando-se de coisa imóvel ou de coisa móvel sujeita a registo, só a cláusula constante do registo é oponível a terceiros».

Por seu turno, consoante o art. 5, nº 1-b) do DL 54/75, de 12-2, está sujeita a registo a reserva de propriedade estipulada em contratos de alienação de veículos.

A reserva de propriedade permite ao vendedor precaver-se de uma eventual inexecução do contrato ou insolvência por parte do comprador, podendo obter a restituição da coisa e fazer valer os seus direitos quer face ao comprador, quer face a terceiros, credores daquele; do mesmo passo é proporcionado o gozo da coisa ao adquirente antes de realizado o preço. Com a reserva de propriedade, a transmissão da propriedade é diferida para o momento do pagamento integral do preço (ou para o momento em que se verifique aquele evento a que a cláusula se reporta).

A cláusula de reserva de propriedade tem que ser estipulada no âmbito de um contrato de compra e venda, do qual não pode ser cindida. Assim, se a venda já foi celebrada, não poderá posteriormente ser nela inserida uma cláusula de reserva de propriedade, dado que a propriedade, nesse caso, já foi transferida para o comprador.

Entre a requerente e a requerida não foi celebrado qualquer contrato de alienação. A requerente não é alienante do veículo automóvel antes mutuante no âmbito do contrato de financiamento que permitiu à requerida obter a quantia que possibilitou a satisfação do preço no contrato de compra e venda que celebrou com outrem, por sinal identificado no contrato de mútuo e assim sendo, a propriedade da viatura, não tendo havido reserva do direito a favor do alienante, transmitiu-se para o adquirente ou seja a requerida (art.º 879, alínea a) do CCiv).

Trata-se de dois contratos autónomos, ainda que económica e funcionalmente interligados; os dois contratos como que se unem em vista da prossecução de uma finalidade económica comum, mantendo, contudo, formal e estruturalmente a sua autonomia.

Como garantia do pagamento do crédito mutuado concedido à requerida declarou-se no contrato de mútuo a reserva a favor da requerente da propriedade do veículo que fora vendido por terceiro, neste caso, a fazer fé no documento de fls. 32 a AUTOESTE-COMP.VEÍCULOS DO OESTE, SA., fornecedora do bem.

A Autora não alega, também não resulta provado que tenha adquirido a propriedade da viatura e que a tenha vendido aos requeridos.

Se a requerente não alienou o veículo aos requeridos, se apenas lhes concedeu o crédito necessário ao pagamento do preço ao terceiro vendedor, não estamos no circunstancialismo previsto no...

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