Acórdão nº 2184/06.5JFLSB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução06 de Julho de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - Relatório 1.

No âmbito do inquérito registado sob o n.º 2184/06.5JFLSB que correu termos nos Serviços do Ministério Público de ZZZ..., o Ministério Público proferiu, em 22 de Abril de 2010, a fls. 407/418 (vol. 2.º), ao abrigo do disposto no artigo 283.º, do Código de Processo Penal, acusação contra os arguidos P...

, B...

e C...

, devidamente identificados nos autos, imputando-lhes a prática, em co-autoria material, de um crime de administração danosa, p. e p. no artigo 235.º do Código Penal.

* 2.

A assistente VV... - E.M. requereu a sua constituição como assistente - que viria a ser admitida, por despacho de 07-12-2010 -, e, simultaneamente, aderiu à acusação pública e acusou, também, pelos factos narrados a fls. 478 v.º, 479 e 480.

* 3.

Inconformados com a acusação pública, os arguidos B... e P... requereram a abertura de instrução, nos precisos termos de fls. 512/542 e 585/596, respectivamente.

* 4.

Admitida a abertura da instrução, teve lugar o respectivo debate. A final, foi proferida decisão instrutória, na qual foi decidido não pronunciar todos os arguidos pela prática do referido crime de administração danosa.

* 5.

Inconformados, o Ministério Público e a assistente VV... - E.M. interpuseram recurso da decisão instrutória de não pronúncia, tendo formulado na motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 5.1. Ministério Público: 1.ª - No texto da acusação inexiste omissão dos factos que integram o elemento subjectivo do crime de administração danosa imputado aos arguidos.

  1. - Não há que aplicar analogicamente o teor de douto Acórdão n.º 7/2005, de 12/5/2005, à presente situação jurídica.

  2. - Não é aplicar jurisprudência de douto Ac. da Relação de Lisboa de 30/1/2007 aos presentes autos, porque o texto da acusação contém todos os pressupostos, nomeadamente, de facto, ao nível do tipo objectivo e do tipo subjectivo de que depende a aplicação aos arguidos de uma pena ou de uma medida de segurança pela prática do crime de administração danosa.

  3. - O processo penal português tem uma “estrutura acusatória integrada por um princípio de investigação oficial”.

  4. - O crime de administração danosa exige uma específica intenção em relação à violação “das normas de controlo ou regras económicas”, já que, em relação ao resultado típico, não existindo qualquer limitação, o dolo determinar-se-á segundo os critérios e os princípios gerais e, logo, é admissível o dolo em qualquer das suas formas - directo, necessário ou eventual (cfr. artigo 14.° do Código Penal) (vide Costa Andrade, CCCP, vol. II, p. 552).

  5. - Uma coisa é agir intencionalmente em relação aos actos, em si mesmo, outra é agir intencionalmente em relação aos efeitos lesivos desses mesmos actos.

  6. - Circunstância do crime é, em geral, aquilo que está em torno (em redor) do crime (circum stat), mas que não fazendo parte do tipo de crime, depõe a favor ou contra os arguidos, nos termos do art. 71.º, n.º l e n.º 2 do Código Penal.

  7. - As mesmas têm de ser traduzidas em factualidade no despacho de acusação tendo sempre como padrão a densificação do sentido axiológico-normativo com que pretende a salvaguarda de específicos bens jurídicos.

  8. - Quando se escreveu no despacho de acusação que “os arguidos agiram pensando que assim evitariam uma despesa excessiva resultante de adopção do abastecimento através do PT existente, o qual careceria de ser adoptado para o efeito e considerando que o gerador a adquirir poderia ser utilizado posteriormente nas caves do topo Norte do X...” está-se a referir a momento cronologicamente anterior a contrato misto de aluguer e prestação de serviços em apreciação nos autos, em que arguidos ponderaram um negócio de compra e venda de gerador.

  9. - Quanto se escreveu no despacho de acusação que a “a decisão tomada pelos arguidos foi ditada pela adopção da solução mais rápida e fácil, face a iminência da chegada do dia previsto para inauguração do CMP 6/6/2004”, está-se a factualizar a valoração de critérios de alegada urgência temporal que têm de ser ponderados com valoração de critérios de necessidade e gestão racional, nos termos de despacho de acusação, o que se indicia que não existiu.

  10. - Quando se escreveu no despacho de acusação que os arguidos “desinteressaram-se e ignoraram a real possibilidade da utilização do gerador se arrastar por um período dilatado de tempo, muito superior ao inicialmente previsto, originando os custos que vieram a ocorrer”, está-se a factualizar uma circunstância agravante do dolo directo intencional, na perspectiva de omissão imprópria, já que o prejuízo adveio não só do acto inicial de celebração de contrato de aluguer, mas sobretudo da sua vigência durante seiscentos e dois dias.

  11. - A acusação só se considera manifestamente infundada por inexistência de factos que constituam crime quando, inequivocamente, faltem elementos típicos objectivos e subjectivos de qualquer ilícito penal ou quando se trate de conduta penalmente irrelevante, o que não é manifestamente o caso.

  12. - O dolo específico do crime em causa encontra-se expressamente escrito em diversos artigos da acusação, nomeadamente: i. Os arguidos, como administradores da VV..., perante o problema do fornecimento de energia ao CMP, incorreram na adopção de soluções erradas em detrimento de outras mais ponderadas, coerentes e económicas.

    ii. Com efeito, os mesmos, logo no início, considerando os valores de consumo de energia previstos, deveriam ter contemplado no projecto inicial da parte eléctrica do CMP, a construção de um Posto de Transformação.

    iii. Para tal haviam sido alertados pelo Eng. L..., responsável pela realização do projecto apresentado à EDP e por esta indeferido.

    iv. Os arguidos, como administradores da VV..., com base nos conhecimentos próprios e nos aconselhamentos técnicos e económicos que obtiveram junto de diversas entidades, públicas e privadas, teriam necessariamente de ter decidido pelo fornecimento de energia eléctrica, a título provisório, através do PT da EDP já existente, como sendo a melhor e mais segura solução.

    v. Não tendo sido previsto no projecto electrotécnico a construção de PT e face à não aprovação daquele pela EDP, tal teria sido a solução lógica, ponderada, racional e economicamente adequada.

    vi. A administração da VV... tinha a consciência de que a construção do PT próprio e sua ligação à rede, nunca seria feita a curto prazo, face à necessidade, entre outras, de proceder à consulta de preços para adjudicação do serviço e às normais delongas do evoluir do processo até obter energia da EDP, pelo que nunca deveria ter adjudicado o aluguer de um gerador que sabia, no mínimo, originar uma facturação mensal de 62.197 euros.

    vii. Ao praticarem os factos acima relatados os arguidos causaram um prejuízo que se pode quantificar num montante significativo, rondando um milhão de euros, correspondente à diferença de despesa verificada entre a opção por eles assumida, num total de l.129.584,46€, sem iva, e a que ocorreria se tivessem optado pela solução oferecida pelo gabinete de planeamento da EDP, em que, depois da realização do pagamento relativo às parcelas do PT e da linha de Média Tensão, (26.500€+5.418€), acresceria um valor de consumo mensal na ordem dos 10.000€, a valores de Fevereiro de 2006.

    viii. Os arguidos actuaram no interesse e proveito da empresa que administravam, a VV....

    ix. Ao tomarem a decisão de manterem para abastecimento de energia ao CMP o gerador da “F... SA”, pagando por tal utilização os valores acima mencionados, os arguidos estavam cientes dos custos económicos e financeiros de tal decisão.

    x. Desprezaram a possibilidade dos custos inerentes à utilização do gerador daquela se acumularem a atingirem um valor muito significativo.

    xi. Actuaram em comunhão de esforços e intenções levando à prática, de forma conjunta, uma decisão tomada de forma consensual entre eles.

    xii. Agiram de forma livre, consciente e voluntária, aceitando a possibilidade das suas condutas determinarem a prática de actos que sabiam ser proibidos por Lei.

  13. - Quando o douto tribunal a quo rejeitou a acusação por manifestamente infundada considerando que os factos não constituem crime mediante uma interpretação divergente de quem deduziu essa acusação, salvo melhor entendimento, procedeu a uma opinião divergente, objectivamente equívoca e controversa da inexistência dos factos que sustentaram a imputação efectuada aos arguidos.

  14. - Existiu pois violação dos princípios do acusatório e do inquisitório.

  15. - Só com os elementos do texto da acusação, não poderia o tribunal concluir que os factos não constituíram crime.

  16. - Só quando de forma inequívoca os factos que constam na acusação não constituem crime é que o Tribunal pode declarar a acusação manifestamente infundada e rejeitá-la, o que não é manifestamente o caso.

  17. - Se o Tribunal reconhecer que a acusação do M.P. deve ter outro conteúdo por ser legalmente incorrecta, não se justifica uma nova acusação - o Juiz de Instrução, sempre que entenda alterar o conteúdo da acusação, altera-a sempre que se trate de alteração não substancial dos factos acusados.

  18. - Quando o tribunal a quo afirma que “dos factos acima referidos é manifesto que não resulta uma actuação com dolo directo por parte dos arguidos em relação à violação de regras de gestão” e que “os arguidos terão tomado tal decisão, não com o fim em si mesmo de tal violação mas adoptaram a decisão com vista a evitar, na altura em que terão tomado, excessivos gastos e ainda em face de iminência da chegada do dia previsto para a inauguração” está a proferir uma decisão de mérito, dando prevalência à tese de arguidos sem analisar a prova que resultou quer da fase de inquérito, quer da fase de instrução e ultrapassa o texto da acusação, o que faz sem fundamentar as suas afirmações quanto ao tipo subjectivo com os elementos probatórios (documentais e testemunhais) que constam de autos.

  19. - A falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto é uma nulidade.

  20. - Face ao valor de caso julgado...

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