Acórdão nº 0035211 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Maio de 2002

Magistrado ResponsávelADRIANO MORAIS
Data da Resolução07 de Maio de 2002
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: (A) e mulher, (B) intentaram contra o Estado Português a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo a condenação do R. a pagar-lhes a quantia de 302.418.448$00, sendo 72.418.448$00 de danos patrimoniais e o restante - 230.000.000$00 de danos morais, acrescida de juros à taxa legal de 16% ao ano, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Alegaram em resumo, que o seu filho (C) morreu no parque aquático da cidade de Lisboa, por asfixia por submersão, por falta de legislação específica para este tipo de recintos de diversões aquáticas.

Refere ainda que o R. bem sabia e não podia ignorar que estes eram autorizados e licenciados e que funcionavam sem qualquer cobertura legal, regulamentar ou de outro tipo.

Fundamentam, assim, o pedido na responsabilidade civil do Estado por omissão ilícita e culposa no exercício da função legislativa - violação do artigo 22º da Constituição da República Portuguesa.

Citado, o Estado contestou dizendo que "... a mera ausência de legislação especifica sobre parques aquáticos não originou a ocorrência do acidente que vitimou o menor". O R. nunca reconheceu, designadamente através do Instituto do Consumidor, que a mera ausência daquela legislação pudesse provocar acidentes mortais em parques aquáticos, pois a existência de tal legislação não desencadearia o impedimento de factos impeditivos do acidente dos autos.

Concluiu que não houve omissão legislativa ilícita e que nem houve nexo de causalidade entre ela e o dano, pelo que pediu a absolvição do pedido.

Depois foi elaborado o despacho saneador e organizados a especificação e questionário.

O Mº Público reclamou do questionário, tendo a reclamação sido parcialmente atendida.

Instruída a acção teve lugar o julgamento que decorreu com a observância do formalismo legal, tendo o Mmº. Juiz respondido aos quesitos como se vê de fls. 1138 a 1159 dos autos.

As partes apresentaram as suas alegações por escrito do aspecto jurídico da causa, nos termos do art. 657º do C.P.Civil.

Foi proferida sentença em que se julgou a acção procedente parcialmente.

Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso de apelação o Mº Público, tendo finalizado as suas alegações com estas conclusões: 1) - As respostas aos quesitos 107 e 131 deverão ser negativas; ao quesito 132 deve responder-se que apenas se provou que foi instaurada a competente acção penal junto do Tribunal de Loulé, a qual conduziu, no termo do inquérito, a uma decisão de arquivamento, a resposta do quesito 133 deverá ser afirmativa.

2) - O Estado não é civilmente responsável pelos danos causados a particulares pelo exercício, ou não exercício, da função legislativa.

3) - A responsabilidade civil do Estado por danos resultantes de alegada omissão do exercício da função legislativa, não decorre do preceituado no art. 22º da C.R.P., visto neste preceito dever considerar-se incluída apenas a função administrativa.

4) - A admitir-se que o aludido art. 22º se aplica a todas as funções do Estado, incluindo a legislativa nem assim haveria fundamento para responsabilizar o R. pelos prejuízos petecionados nesta causa, uma vez que aquela norma estabelece apenas o principio geral da responsabilidade do Estado e demais entidades públicas pelos actos dos seus órgãos, funcionários e agentes, relegando para a Lei ordinária a regulação dos pressupostos de diversos tipos de responsabilidade e os termos concretos da delimitação dos danos ressarcíveis e respectivos montantes.

5) - No que toca ao exercício da função legislativa, como aliás, à função política, mantém-se a inércia do legislador pois não existe ainda qualquer diploma que regule em concreto esta matéria.

6) - Não devendo admitir-se que face a esta inactividade do legislador pertenceria ao tribunal dar execução ao principio constitucional do artigo 22º da CRP, criando a norma mais adequada ao caso concreto, e porquanto tal inércia configuraria uma omissão inconstitucional, se se entendesse existir um verdadeiro e especifico dever de legislar, a qual não pode ser suprida pelos tribunais comuns, pois só o Tribunal Constitucional tem competência para apreciar (artigo 283º, nº 1, da CRP).

7) - Na situação dos autos, o alheamento legislativo invocado pelos Autores não traduziu a violação de qualquer imposição constitucional concreta, visto não se vislumbrar a existência de algum preceito constitucional que impusesse ao Estado o dever de produzir legislação especifica sobre parques aquáticos.

8) - Como também não havia alguma Lei, Estipulação Negocial ou Directiva Comunitária a vincular o Estado, através dos seus órgãos competentes, a legislar sobre a matéria em questão (cfr. o art. 486º do C. Civil).

9) - A alegada passividade legislativa não foi, destarte, ilícita.

10) - Face ao que se deixou dito nas anteriores conclusões nºs. 2 a 9, deveria, desde logo, o Estado Português ser absolvido do pedido.

11) - Na nossa Constituição não está previsto um direito subjectivo à Lei.

12) - Há que reconhecer que as normas técnicas, não jurídicas e meramente orientativas a que aludimos em II destas alegações, conjugadas com as normas contidas na legislação genérica sobre recintos públicos de diversão, em vigor à data do evento preveniam a violação do direito à vida e à integridade pessoal consagrados na Constituição da República Portuguesa (direitos a que se refere a douta sentença recorrida).

13) - Mesmo a admitir-se que houve um déficit regulativo por parte do Estado, não se vê que isso tenha implicado a violação subjectiva do direito à vida ou à integridade pessoal, quer se analise a questão pelo critério do fim de protecção da norma, quer pelo critério da evidência, ambas utilizadas pela melhor doutrina e jurisprudência contemporânea no exame às omissões legislativas.

14) - Não existiu, pois, repare-se, qualquer omissão legislativa ilícita por banda do Estado.

15) - Atendendo a que legislação específica sobre parques aquáticos ora extremamente minuciosa, de elaboração difícil, exigia particularidades de redacção e as referências legislativas estrangeiras eram consideradas insuficientes, e tendo ainda em consideração que o alerta para a perigosidade daqueles recintos só foi dado em Agosto de 1991, não era exigível ao Estado que a assinalada legislação já estivesse em vigor quando da ocorrência do evento em 29/07/93.

16) - Não é, assim, possível lançar um juízo de culpa sobre o R., o qual ao não produzir a legislação em causa não agiu de forma eticamente censurável.

17) - Se a Lei em vigor à data do evento tivesse sido cumprida o acidente poderia ter sido evitado.

18) - Mesmo que então vigorasse a actual legislação especifica sobre parques aquáticos não é muito provável que a morte do menor deixasse de se verificar porque mais do que a mera norma jurídica em si mesma, também ela insuficiente, o factor determinante a ocorrência de tal facto danoso dependeria sempre do grau de cuidado, do sentido de responsabilidade e da consciência cívica dos gerentes do Aquaparque.

19) - Até porque a fiscalização a efectuar é, em regra, apenas anual, a legislação sobre parques aquáticos hoje em vigor não é, por opção do legislador, exaustiva e esgotante e a mesma nunca poderá acautelar todos os riscos.

20) - Há indícios muito fortes que o dramático acidente dos autos aconteceu por causa de manifesta conduta negligente dos proprietários e dos gerentes do Aquaparque, violadora não só de elementares cuidados em relação à forma como era utilizado o Ribeirão e as suas grelhas protectoras, como também da própria Lei em vigor à época.

21) - Esta atribuição de responsabilidade é feita pelos próprios autores da presente lide na jurisdição criminal, referente ao mesmo acidente, pelo que, através desta acção os autores pretendem, em relação ao mesmo facto, receber do Estado uma indemnização de 302.418.448$00 a somar à indemnização de 405.242.166$00 que reclamam no pedido de indemnização que deduziram no processo crime; esta atitude é inaceitável, pois traduz uma duplicação da indemnização pelo mesmo facto danoso.

22) - No fundo, através desta acção os AA. visam responsabilizar o Estado por actos lesivos cometidos não pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, mas por entidades privadas, singulares ou colectivas; é a concepção do Estado como segurador universal, como responsável solidário por tais actos lesivos, a qual não pode aceitar-se.

23) - Não é de excluir liminarmente a possibilidade dos pais do menor (C) poderem também ser corresponsabilizados pelo seu eventual comportamento omissivo quando do evento.

24) - Não houve qualquer nexo de causalidade adequada entre a alegada omissão do Estado-legislador e o acidente que vitimou o filho dos Autores.

25) - Não se verificam, por consequência, todos os pressupostos da responsabilidade civil, pelo que, o R. Estado deverá ser absolvido do pedido.

26) - Ao condenar o R. por entender que este tinha cometido uma omissão ilícita, culposa e causadora de um dano de morte, a douta sentença recorrida infringiu assim o disposto nos artigos 486º, 487º, nº 2, 493º nº 2, 563º, todos do Código Civil.

27) - Sem conceder, caso se entenda, o que apenas por mera hipótese se admite, que o R. Estado deve ser condenado a indemnizar os AA., os montantes a fixar não deverão exceder: a) 8.000.000$00, pela perda do direito à vida; b) 4.000.000$00, pela compensação respeitante ao sofrimento pré-morte; c) 6.000.000$00, (3.000.000$00 para cada um dos Autores) pelos danos não patrimoniais sofridos pelos pais do menor; d) 20.000.000$00, pelos danos patrimoniais do próprio menor alusivos à perda da sua capacidade de adquirir; e) 250.148$00, pelos danos patrimoniais dos pais do menor.

Em consequência, a importância global a título de danos patrimoniais e morais não deverá, assim, exceder a quantia de 38.250.148$00.

28) - Ao fixar montantes superiores aos acima indicados a douta sentença recorrida infringiu, destarte, o disposto no artigo 496º, nº 3, 494º e...

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