Acórdão nº 0032276 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Junho de 1998
Magistrado Responsável | SALVADOR DA COSTA |
Data da Resolução | 04 de Junho de 1998 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam no Tribunal de Relação de Lisboa I (A) intentou, no dia 12 de Abril de 1994, contra (C) e cônjuge, (B) acção declarativa de condenação, com processo sumário, pedindo a condenação destes a pagar-Ihe 610561$, 200000$ a título de responsabilidade pré-contratual, e juros à taxa legal sobre 410 561$ desde 6 de Agosto de 1993 e até integral pagamento, com fundamento no incumprimento pelos réus de um contrato verbal de permuta de casas de habitação, concretizado, e na omissão de pagamento das despesas de telefone, água e energia eléctrica por eles feitas, e o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de preparos e custas.
Os réus invocaram, na contestação, que o contrato caducou por o autor deixar de poder cumprir e, com base nisso, resolveram o contrato, e, deduziram reconvenção contra o autor, pedindo a condenação deste a pagar-Ihe 948 143$, 18 143$ relativos ao consumo de água e de energia eléctrica, 230 000$ a título de despesas com a mudança, e 700 000$ relativos a prejuízos.
Foi concedido ao autor o apoio judiciário na modalidade de dispensa de preparos e de pagamento de custas.
Na sentença, proferida no dia 15 de Dezembro de 1997, a reconvenção foi julgada improcedente e a acção parcialmente procedente e os réus condenados a pagar ao autor a quantia de 592 418$ e juros moratórios, à taxa legal, desde o incumprimento.
Apelaram os réus, e concluíram: - o tribunal não interpretou correctamente o acordo de desistência tacitamente aceite pelo apelado; - o acordo bilateral, com termo essencial no mês de Janeiro de 1993, que o apelado deixou de poder cumprir, implicou a sua caducidade e o direito de os apelantes operarem a sua resolução; - a resolução não pode abranger, à luz do disposto no artigo 434°, n° 1, do Código Civil,o que foi pago pelo apelado à Caixa Geral de Depósitos pela assunção do encargo mensal dos apelantes com base em contrato de mútuo com hipoteca; - nos termos da alínea c) do n° 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil, ao reconhecer o direito do apelado a indemnização por responsabilidade pré-contratual, a sentença é nula por a decisão se opor aos fundamentos em que assenta; - nos termos da alínea e) do n° 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil, ao condenar os apelantes no pagamento de juros de mora desde a data do incumprimento, no confronto com o pedido do apelado a pagá-Ios desde a citação, a sentença é nula.
Colhidos os vistos, importa apreciar e decidir.
II É a seguinte a factualidade declarada provada na 1ª instância e a constante de documentos para os quais a decisão fáctica remete: 1. O prédio do autor situa-se na Rua (X) freguesia de São Gonçalo, Município do Funchal, está inscrito na matriz predial sob o artigo 1755, e o prédio dos réus situa-se na (W), e está inscrito na matriz sob o artigo 3015, fracção A.
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O autor e o réu (C) declararam, por escrito, num mesmo instrumento, acordarem: - no dia 21 de Novembro de 1992, em trocar as respectivas casas, a do primeiro no valor de 10 000 000$, e a do segundo no valor de 19 000 000$, e que o autor tinha de ir ao Banco; - no dia 4 de Dezembro de 1992, que o autor só podia tratar do empréstimo na Caixa Geral de Depósitos a partir de Fevereiro de 1993, e que a partir do dia 11 de Dezembro de 1992, tratariam da mudança da casa, e, em Fevereiro, das transferências e da escritura da casa do autor a favor do réu (C).
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No âmbito do expresso em 2, o autor e os réus acordaram que aquele passaria a depositar, mensalmente, na Caixa Geral de Depósitos, a quantia de 41 000$, devida pelos réus àquela instituição bancária, nos termos de um contrato de mútuo oneroso com hipoteca, celebrado entre os réus e a Caixa Geral de Depósitos.
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A realização da escritura dependia da obtenção de um empréstimo por parte do autor.
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Desde o mês de Dezembro de 1992 até ao mês de Julho de 1993, o autor procedeu ao depósito mensal daquela quantia, no montante global de 328 000$.
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O autor e os réus entregaram um aos outros e vice-versa, no dia 11 de Dezembro de 1992, a respectiva casa de habitação, mudando-se o autor para a casa dos réus e estes para a casa do autor.
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Aos 28 de Julho de 1993, o autor recebeu uma carta da advogada dos réus a comunicar que estes haviam desistido da permuta acordada.
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O autor desocupou o prédio dos réus no dia 6 de Agosto de 1993.
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Durante todo o período em que habitaram a casa do autor, os réus procederam ao consumo de água e de luz, utilizaram o telefone que lá existe, e não procederam ao pagamento da totalidade das despesas referentes a esse consumo e utilização, sendo o consumo de água, relativo aos meses de Janeiro a Julho de 1993 no montante de 45 701 $, e o do consumo de electricidade relativo ao mês de Julho de 1993, no montante de: de 30 183, e o da utilização do telefone relativo ao período de 26 de Maio de 1993 a 25 de Julho de 1993, no montante de 6 677$, e as despesas relativas à mudança de casa no montante de 200 000$.
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Durante o período em que habitou a casa dos réus, o autor procedeu ao consumo de água e luz, e não procedeu ao pagamento, sendo a água, relativa aos meses Janeiro a Julho de 1993, no montante de 4 323$, e a electricidade no montante de 13 820$, e o valor das despesas efectuadas com a mudança de casa, em 6 de Agosto de 1993, de 230 000$.
III - O tribunal recorrido considerou ou não ilegalmente a afirmação fáctica de que aos 28 de Julho de 1993, o autor recebeu uma carta da advogada dos réus a comunicar que estes haviam desistido da permuta acordada? - enferma ou não a sentença de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão? - enferma ou não a sentença de nulidade por haver condenado para além do pedido? - caducou ou não, em relação ao apelado, por impossibilidade de cumprimento, o direito de resolução do contrato? - tem ou não o apelado direito a reaver, por virtude da resolução do contrato, o que pagou pelos apelantes à Caixa Geral de Depósitos? Vejamos de, per se, cada uma das referidas questões.
1 - Afirmaram os apelantes que a sentença recorrida não interpretou correctamente o conteúdo da carta dirigida, no dia 28 de Julho de 1993, pela sua advogada ao apelado, por dela não resultar a manifestação de vontade de incumprir definitivamente o contrato em causa.
Na referida carta expressa-se o seguinte: "Na sequência da V. conversa telefónica ocorrida no dia de hoje, com a senhora (B), venho solicitar a V. Exas. a comparecer no dia 30 de Julho do corrente ano, pelas 15:00 horas, na Rua da Sé, n° 2, 2° andar, no Funchal, a fim de acordar, por escrito, a desistência da permuta que pretendiam realizar".
Reporta-se o artigo 236° do Código Civil a uma das vertentes da interpretação da declaração negocial, nos termos seguintes: "1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
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Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida".
Resulta do disposto no n° 1 , a regra de que o sentido decisivo da declaração negocial é o que é apreendido por um declaratário medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante.
Só assim não é, conforme resulta do prescrito no n° 1, no caso de o sentido entendido pelo declaratálio a algum vocábulo seja ignorado pelo círculo de pessoas em que vive o declarante e divirja do sentido com que os utilizou, ou se, conforme se infere do disposto no n° 2, o declaratário conhecer o sentido que o declarante pretendeu exprimir, caso em que releva a vontade comum das partes, não obstante a ambiguidade da declaração ou o sentido objectivo diverso (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, "Código Civil Anotado", Vol. I, Coimbra, 1987, págs. 223 e 224). Não está em causa, pela natureza da declaração, a ressalva a que alude a última parte do n° 1 do artigo 236° do Código Civil, e a factualidade disponível não permite que se conclua sobre os termos da conversa que o apelado terá tido com a apelante Gisela Rodrigues no dia em que a referida carta foi escrita, nem que o apelado conhecesse a vontade real dos apelantes diversa daquela que foi objectivamente manifestada.
O segmento declarativo com que termina a referida carta, interpretado à luz do disposto no n° 1 do artigo 236° do Código Civil, configura o sentido expresso de que os apelantes pretendiam que o apelado...
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