Acórdão nº 0078643 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Maio de 1998

Magistrado ResponsávelRODRIGUES SIMÃO
Data da Resolução13 de Maio de 1998
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam em audiência no Tribunal da Relação de Lisboa: I - Relatório.

  1. No Pr. C/S n° 8024/94.9TD.LSB, vindo do 1° Juízo Criminal de Oeiras, onde são arguidos (J) e outros, recorrem os arguidos (A), (C), (J) e "PÚBLICO - Comunicação Social, SA", da sentença de fls. 939/968, publicada em 31-10-1997, que a todos condenou em penas de multa {o primeiro, pela prática de um crime de difamação agravada; os dois seguintes, pela prática de um crime de abuso de liberdade de imprensa, com referência a uma difamação agravada; finalmente, o "Público", pela prática de uma contravenção pr. e p. no artº 29°, n° 1 do DL 85-C/75}.

1.1. Verifica-se ainda dos autos que o arguido (M) interpôs recurso a fls 509 (em debate instrutório), admitido para subir diferidamente e com efeito devolutivo a fls. 590.

Só que tal recurso foi logo declarado extinto, a fls. 595, por via de esse arguido "...ter sido despronunciado".

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  1. O recorrente (A), pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por outra absolutória ou, se assim não se entender, a suspensão da pena aplicada, motiva o recurso e formula as conclusões que a seguir se transcrevem: 1º - O arguido é vice-presidente da Federação Nacional de Caçadores e Proprietários e nessa qualidade participou em várias manifestações que tiveram lugar em vários pontos do país.

    1. - A Lei da Caça foi alvo durante meses a fio de enorme contestação nacional liderada pela Federação de Caçadores e Proprietários- Por todo o país, como é público sucederam-se as manifestações de rua, os bloqueios de estradas, marchas e manifestações á porta do Ministério da Agricultura.

    2. - Os direitos dos caçadores foram postos em jogo e sobretudo os direitos dos proprietários de prédios rústicos que viram as suas terras invadidas e exploradas compulsivamente sem autorização dos donos e sem a mínima contrapartida pecuniária.

    3. - Os jornais, mormente o "Expresso" fizeram eco ao longo de várias semanas do inúmeras irregularidades praticadas na caça e na floresta por técnicos do então Instituto Florestal, algumas alvo de investigação pelo Ministério Público e pela Policia Judiciária.

    4. - Os jornais publicavam e ilustravam os artigos com fotos do membro do governo em caçadas junto de alguns dos visados sendo voz corrente que estava ao corrente das irregularidades denunciadas.

    5. - Foi também esta a imagem que o arguido captou da leitura dos jornais, dos recortes que circulavam e a que teve acesso.

    6. - Dizer-se, como terá dito o arguido "de que existem provas" mais não foi do que relatar as notícias - e foram muitas - que leu e apareceram relatadas na comunicação social.

    7. - O arguido estava envolvido numa luta política, contra a actuação política do Ministério da Agricultura, mormente a do Secretário de Estado (B).

    8. - A matéria discutida era de relevo público, de interesse nacional, liderada pela Federação Nacional de Caçadores e Proprietários de que o arguido é o vice-presidente da direcção.

    9. - O actual governo alterou radicalmente a política cinegética e de aprovação de zonas de caça em detrimento da prosseguida pelo Sec. de Estado (B).

    10. - A conduta do arguido não é punível, porquanto teve como finalidade a defesa do interesse público.

    11. - A sentença do tribunal "a quo" violou o disposto no nº 2 do artigo 180 do Código Penal e artigo 28, nº 1 da Lei n° 85-C/75, de 26 de Fevereiro.

  2. Os demais recorrentes, pedindo a anulação da sentença ou, se assim não se entender, a sua revogação e substituição por outra absolutória, motivam o seu recurso acabando por formular as conclusões que a seguir se transcrevem: I - Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida no tribunal "a quo" e que condenou os recorrentes como autores do crime de abuso de liberdade e imprensa com referência ao crime de difamação e uma contraordenação prevista na Lei de Imprensa.

    II - Na sentença sob recurso, existe erro notório na apreciação da prova quanto ao facto dado como provado de que os arguidos "se limitaram a reproduzir as afirmações proferidas" ou, se assim não se entender, que da conjugação dos dois pontos - 1. e 13. - dados como provados, resulta contradição insanável na fundamentação, fundamento de recurso nos termos do art° 410° nº 2 do C.P..

    III - A sentença sob recurso padece de vício, nos termos do art° 410° do C.P.P., por insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, já que não se deram como provadas quais as afirmações que foram reproduzidas por um dos arguidos jornalistas e pelo outro, de forma a destrinçar as suas efectivas responsabilidades, apesar de tal ser um dado adquirido na sentença na medida em que incorpora como facto provado o artigo em causa.

    IV - Nos termos dos art°s 379° a) e 374° nº 2 do C.P., é a sentença nula por nela não se terem enumerado como provados ou não, factos que eram relevantes para a descoberta da verdade e que foram considerados como não provados.

    V - A sentença sob recurso ao não reconhecer interesse público e legítimo no conhecimento das afirmações em causa produzidas no âmbito das manifestações e do que nelas ocorrera, peca, nos termos do art° 410° nº 2 c) por erro notório na apreciação da matéria de facto, de acordo com as regras da experiência comum e com a própria sentença que incorporou o artigo em causa como aquele que é da autoria dos recorrentes (J) e (C).

    VI - o interesse legítimo resulta de se estar na presença de manifestações públicas simultâneas em três localidades do país, previamente convocadas pela associação que representava os interesses dos caçadores do regime livre e no âmbito de uma polémica pública que envolvia o secretário de Estado da Agricultura e a política governamental para a caça.

    VII - Omitir o conteúdo dessa manifestação seria um {SIC} censura inadmissível face ao disposto no art° 37º nº 2 da C.R.P..

    VIII - Tal direito á informação tem de ser compatibilizado com o direito à honra e consideração do assistente, em concreto, na sua qualidade de titular de um cargo público, membro do Governo.

    IX - Faz a sentença sob recurso uma ponderação de interesses em que é dada uma prevalência injustificada à honra e consideração do assistente sobre o direito à informação e a liberdade de informação.

    X - Este direito à honra e consideração do assistente é comprimido, até porque, como resulta da sentença, as afirmações em causa "foram produzidas em virtude das funções desempenhadas pelo ofendido, funções essas que os arguidos conheciam".

    XI - A compressão do direito à honra e consideração do assistente sobre as matérias em causa, enquanto titular de um cargo público e no âmbito de uma polémica pública e com fácil acesso aos meios de comunicação social, permite que o direito à informação abranja um relato integral das manifestações públicas em que a sua actividade política é contestada - incluindo as afirmações nela produzidas - sob pena de impedir o pleno debate democrático consagrado na nossa Constituição.

    XII - Os arguidos jornalistas fizeram o único trabalho de indagação da veracidade das fontes para os leitores que lhes era possível: identificar os autores das afirmações que citaram e relatar o que se passara nas manifestações, estando a sentença sob recurso ferida nesta matéria, de vicio de erro notório na apreciação da prova.

    XIII - A realização de três manifestações públicas num dia, não se noticia dois ou três dias depois, sob pena de deixar de ser notícia. perdendo actualidade e de já haver uma ou mais respostas às manifestações que, entretanto, ainda não foram noticiadas ! XIV - Aos recorrentes jornalistas, correspondentes locais, não era exigível outra actuação, de acordo com a legis artis, se não a elaboração do artigo relatando o que se passara nas manifestações e identificando os autores das afirmações mais relevantes, assim exercendo o direito à informação face ao direito.

    XV - A sentença sob recurso viola, assim, o disposto nos art°s 18° nº 2, 26°,37°,38°,45° e 48° da C.R.P., violando também o disposto nos art°s 164° nº 1, 166°, 167 nº 2 e 168° e 174° do Código Penal e 374° nº 2 do CPP, pelo que deverá ser anulada ou, se assim, não se entender, revogada e substituída por outra que absolva os arguidos.

  3. Respondendo, o Mº Pº "salientou" a final (também em transcrição): Manifesta improcedência do recurso por do texto da decisão recorrida não resultar nem contradição insanável da fundamentação, nem erro notório na apreciação da prova, nem a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.

    Deverá ser julgado improcedente e mantida a decisão recorrida nos seus precisos termos. Caso assim se não entenda, deverão os presentes autos ser reenviados para julgamento.

  4. Nesta Relação, o Digno Procurador defende, em douto parecer, o não provimento do recurso.

    II - Fundamentação.

  5. Colhidos os vistos e realizada audiência, cumpre decidir.

    A questão a resolver no presente recurso) - saber se é de manter a condenação dos recorrentes { a absolvição dos demais arguidos extravasa o seu objecto} - subdivide-se nas seguintes:

    1. A conduta do arguido (A) não é punível, porquanto teve como finalidade a defesa do interesse público, tendo a sentença violado o n° 2 do artº 180° do C. Penal e artº 28, nº 1 da L 85-C/75, de 26-02? b) Na sentença recorrida, existe erro notório na apreciação da prova, - quanto ao facto dado como provado de que os arguidos" se limitaram a reproduzir as afirmações proferidas"? - ao não reconhecer interesse público e legítimo no conhecimento das afirmações em causa produzidas no âmbito das manifestações e do que nelas ocorrera, de acordo com as regras da experiência comum e com a própria sentença, que incorporou o artigo em causa como aquele que é da autoria dos recorrentes (J) e (C)? - por não reconhecer que os arguidos jornalistas fizeram o único trabalho de indagação da veracidade das fontes para os leitores que lhes era possível: identificar os autores das afirmações que citaram e relatar o que se passara nas manifestações? c) da conjugação dos dois pontos - 1. e 13. -...

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