Acórdão nº 0732864 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Junho de 2007
Magistrado Responsável | DEOLINDA VARÃO |
Data da Resolução | 28 de Junho de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.
B………., SA, instaurou acção especial de insolvência contra C………., pedindo a declaração de insolvência do requerido.
Como fundamento, alegou, em síntese, que é dona e legítima possuidora de duas livranças emitidas, respectivamente, em 15.12.99, no valor de € 131.801,98, e 14.07.00, no valor de € 100.801,73, com datas de vencimento em 17.11.03, subscritas por D………., Lda. e avalizadas pelo requerido. Apresentadas a pagamento, as mesmas não foram pagas nas datas dos seus vencimentos, nem em momento posterior. Acrescentou, ainda, que o requerido não cumpre as suas obrigações, pendendo contra ele várias execuções e que não tem quaisquer bens ou rendimentos. E que o requerido nunca se preocupou em contactá-la para tentar liquidar extrajudicialmente os seus débitos, nem correspondeu aos contactos estabelecidos pela entidade bancária.
O requerido deduziu oposição, que foi mandada desentranhar pelo despacho de fls. 30 e seguintes, com fundamento no facto de não vir acompanhada da lista dos cinco maiores credores, que veio a ser apresentada quando já havia findado o prazo para a oposição.
De seguida, foram considerados confessados os factos alegados pela requerente e foi proferida sentença que declarou a insolvência do requerido.
Inconformado, o requerido recorreu, formulando, em síntese, as seguintes Conclusões 1ª - A requerente fundou o seu pedido no aval dado por estes em duas livranças, nas quais se revela que o eventual direito da requerente está prescrito, carecendo, por isso, de legitimidade para requerer a insolvência.
A sentença recorrida não se pronuncia sobre este aspecto, sendo, por isso, nula.
-
- Da sentença recorrida colhe-se que o Sr. Juiz a quo não considerou a contestação do requerido porque este não juntou a lista dos seus cinco maiores credores à oposição.
Tendo em conta o proémio do nº 2 e a parte final do nº 5 do artº 30º do CIRE, o tribunal deveria ordenar o arquivamento do processo por falta de legitimidade da requerente, e por estar extinto o seu eventual direito.
-
- A oposição do requerido não podia ser desconsiderada, nem assim ficcionada a revelia deste, porque a revelia ficta, constante do nº 2 do artº 30º, bem como a revelia absoluta, do nº 5, consubstanciam graves violações aos direitos fundamentais do devedor, quando este é uma pessoa humana.
-
- Quando estão em causa direitos fundamentais da pessoa humana, e quando a contestação do visado enferma de vícios, tal como qualquer outra acção civil, e por maioria de razão, o juiz deve convidar a parte a suprir esses vícios, não aplicando o aludido segmento do nº 2 do artº 30º, porque inconstitucional.
-
- Por idênticas razões, a revelia absoluta, prevista nos aludidos segmentos do artº 30º não pode ser operante, tendo assim de ser feita a prova dos factos constitutivos do requerente da insolvência e da situação de insolvência do devedor.
-
- A insolvência de uma pessoa humana afecta, directa e negativamente, o direito do devedor ao fixar-lhe a residência e ao cominar-lhe deveres de apresentação e colaboração, afecta a sua integridade moral; afecta o seu bom nome, reputação e imagem; expõe-no em publicações e registos públicos; impede-o de exercer cargos públicos.
Esses direitos são de natureza fundamental, consagrados na Constituição.
-
- A declaração de insolvência da pessoa humana pode ainda causar-lhe a inabilitação civil, com perversão do seu sentido axiológico-normativo, porque é decretada como sanção e não como forma de protecção, bem como inibições para o exercício do comércio e outras organizações de fins económicos.
-
- Estas consequências traduzem-se em parcelações da personalidade jurídica do devedor, em que o primado dos valores da pessoa humana (protegidos por direitos irrecusáveis e irrenunciáveis, por isso indisponíveis, que em forma contratual, quer judicial) cedem aos interesses económicos de execução universal, através da criação de normas excepcionais.
-
- Ora, o legislador não pode criar normas excepcionais para, como o jogo da sua utilização, desproteger os bens essenciais da pessoa humana e, assim, violar-se os direitos fundamentais da pessoa.
-
- Por isso, os referidos segmentos das normas dos nºs 2 e 5 do artº 30º do CIRE são inconstitucionais porque violam o disposto nos artºs 4º, al. b), 69º, 333º, 345º, nº 1 e 354º do CC; 265º, nºs 1 e 2, 299º, nº 1 e 485º do CPC; e, sobretudo, os artºs 1º, 2º, 3º, nº 1, 13º, 25º, nº 1, 26º, nº 1, 204º, nº 1 e 18º da CRP, bem como os princípios constitucionais da proporcionalidade, da unidade do sistema jurídico e da interpretação das leis em conformidade com a Constituição.
-
- À luz dos mesmos valores da pessoa, com suas normas e princípios constitucionais, o artº 38º do CIRE é inconstitucional, ao permitir a exposição pública do devedor em publicações e registos.
A requerente contra-alegou, pugnando pelo indeferimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*II.
Os elementos relevantes para a decisão do recurso são os que constam do ponto anterior.
*III.
São questões a decidir (delimitadas pelas conclusões da alegação do apelante - artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC): - Nulidade da sentença; - Ilegitimidade da requerente; - Inconstitucionalidade do artº 30º, nº 2 do CIRE, no segmento em que comina com o não recebimento a oposição que não venha acompanhada da lista dos cinco maiores credores; - Inconstitucionalidade do artº 30º, nº 5 do CIRE, no segmento em que comina a falta de oposição com a confissão dos factos alegados na petição inicial; - Inconstitucionalidade do artº 38º do CIRE.
Começamos por apreciar a questão da inconstitucionalidade dos nºs 2 e 5 do artº 30º do CIRE (nos segmentos indicados pelo requerido) porque a eventual procedência desta questão prejudicará o conhecimento das restantes.
-
Inconstitucionalidade de parte dos nº 2 e 5 do artº 30º do CIRE O requerido não põe em causa que tenha apresentado a oposição fora de prazo e desacompanhada da lista dos cinco maiores credores. Apenas questiona a constitucionalidade material dos preceitos em epígrafe, na parte em que impõem o não recebimento da oposição e, na falta desta, a confissão dos factos alegados na petição inicial.
Dispõe o artº 3º, nº 1 do CIRE - Diploma a que pertencem todas as normas adiante citadas sem menção de origem - que é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.
Nos termos do artº 18º, nº 1, o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias posteriores à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no nº 1 do artº 3º, ou à data em que devesse conhecê-la.
Mas, segundo o artº 20º, nº 1, a declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo MºPº, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos factos enunciados nas suas diversas alíneas.
...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO