Acórdão nº 0615421 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR ESTEVES
Data da Resolução13 de Dezembro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório No .º juízo do Tribunal Judicial da comarca de Bragança, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foi submetido a julgamento o arguido B………., devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferido acórdão condenando o arguido, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 203º, nº 1, 204º, n.º 2, al. a), 202º, al. b), 14º, nº 1, e 26º, 1ª parte, e de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 256º, nº 1, al. a), e 3, 255º, al. a), 26º, 1ª parte, e 14º, n.º 1, todos preceitos do Código Penal, nas penas de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, respectivamente; operado o cúmulo jurídico destas penas parcelares, foi o arguido condenado na pena única de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão; Inconformado com o acórdão, dele interpôs recurso o arguido, pretendendo que o acórdão seja reformulado no sentido da sua absolvição e formulando as seguintes conclusões: 1. Visa-se, com o presente recurso, a reapreciação da prova em matéria de facto e as provas e meios de prova de que se serviu o Tribunal, para formar a sua convicção que conduziu à condenação do Arguido nos referidos crimes de furto qualificado e falsificação de documento, bem como o não uso do princípio in dubio pro reo, o uso indevido da livre apreciação da prova e, a final, a medida da pena.

2. Decidiu o Tribunal a quo pela condenação do Recorrente numa pena de prisão efectiva de três anos e três meses com base na consideração de que se mostram provados os factos constantes dos pontos 1 a 10 do douto Acórdão, quando, salvo o devido respeito, tal não decorre da prova produzida.

3. Desde logo, no que concerne à primeira testemunha ouvida em audiência, o Sr. C………., cabo da GNR, este relatou estas circunstâncias em que foi efectuada a apreensão do veículo dos autos, no entanto, o relato efectuado não foi de molde a conduzir a uma imputação dos factos ao arguido.

4. Ora do depoimento desta testemunha quase integralmente transcrito no presente recurso não resulta, demonstrado que o Recorrente seja o autor quer do furto, quer da falsificação, aliás, é a testemunha que, a instâncias da signatária, declara que nunca viu o Recorrente na posse do veículo e que, inclusivamente só viu o veiculo no Quartel da GNR.

5. No que concerne às circunstâncias do furto, a testemunha D………. nada soube dizer, para além de que o veículo estava estacionado junto ao estabelecimento comercial da sociedade e dai desapareceu, não tendo conseguido precisar datas, horas ou autor(es) dos factos, que, aliás, não presenciou.

6. No que concerne ao valor do veiculo dos autos, a testemunha não conseguiu em audiência esclarecer qual o mesmo, limitando-se a admitir como provável a sugestão de valor feita pelo Sr. Procurador-Adjunto, o que, salvo melhor entendimento, não constitui prova suficientemente forte de tal facto.

7. Assim, tal como a primeira, esta testemunha não tem conhecimento hábil a conduzir à conclusão de que foi o Recorrente o autor dos factos.

8. Do depoimento do Sr. E………. resulta claramente que a testemunha se limitou a relatar um facto que lhe foi relatado por outrem.

9. Note-se que é a própria testemunha a colocar em questão a exactidão do seu depoimento, que se limita ao relato de uma conversa mantida com uma testemunha do processo (não ouvida em audiência), a qual, salvaguarda a possibilidade de tais declarações não serem verdadeiras, ao afirmar: "Não, concerteza que não, nunca o vi. Nem posso afirmar que trocaram, eu não vi, limitei-me a ouvir a pessoa." 10. Como pode, pois, o Tribunal alicerçar naquele depoimento, com a certeza e a segurança que o processo exige, a conclusão de que efectivamente, sem qualquer dúvida, foi efectuado um negócio com o veículo dos autos, em que uma das partes era o aqui arguido? 11. Ora, de quanto fica transcrito do depoimento da testemunha F………., desde logo, salvo melhor opinião, a mesma não manifestou de forma inequívoca que a versão do seu depoimento de fls. 48 seria a mais condicente com a verdade, limitando-se a reconhecer a probabilidade de, o que relatou a fls. 48, ter acontecido, sem contudo o admitir, uma vez que não se recordava dos factos na data da audiência de julgamento.

12. Nomeadamente não conseguiu confirmar a matrícula do veículo (nem podia, salvo melhor opinião), atribui genericamente as características do veículo em causa às do veículo dos autos, mas sem conseguir identificar o veículo dos autos como sendo o mesmo que ficou aparcado no seu G……….

, 13. Não conseguiu confirmar em audiência que haja sido o Arguido a levar o carro até ao parque do G………., 14. Confirmou que se recorda genericamente de uma conversa em que o Arguido lhe teria pedido para aí guardar um carro de um amigo - o que coloca a dúvida sobre a forma como. sem conceder. em algum momento o veículo possa ter chegado à posse do arguido, 15. E não confirmou que quando o veículo foi retirado do parque, quem nele seguiam era o H………. e o Arguido, tendo afirmado em audiência que se recorda de ver o H………. a conduzir o veículo, mas não tendo confirmado que se recorda de ver o Arguido nesse veículo.

16. Ou seja, de nenhum dos depoimentos prestados resulta clara e inequivocamente que o arguido haja furtado o automóvel dos autos e que lhe haja alterado as chapas de matrícula e danificado o número de chassis.

17. Nenhuma das testemunhas viu o arguido a circular com o mesmo pela cidade de Bragança, 18. Ou que este tenha posteriormente abandonado o veículo.

19. Também nenhuma das testemunhas presenciou o alegado negócio que o Arguido, alegadamente, terá tentado encetar sobre o veículo dos autos.

20. Em boa verdade, verifica-se que a prova em que o Tribunal assentou para a formação da sua convicção em tudo vaga, ténue, mal explicada.

21. Exemplo disto é o facto de não ter sido sequer considerada a hipótese de o veículo ter vindo à posse do Arguido por outro meio que não o furto.

22. Conclui ainda o Tribunal a quo que ninguém abandona um bem valioso, como era o veículo dos autos, a não ser que o mesmo tenha entrado na respectiva posse sem qualquer custo - pergunta-se: Quem é que abandonou? Tanto quanto demonstram os autos a última pessoa que foi vista na posse do veículo foi o Sr. H1………..

23. O Tribunal a quo defende ainda que e Arguido assumiu, em relação ao veículo, atitudes de verdadeiro dono - sem contudo precisar quais e com base em que prova.

24. O douto Tribunal condenou o Arguido pela prática de dois crimes, tal decisão assentou essencialmente em juízos de experiência comum e da, tida como, normalidade do acontecer, fundamentação com a qual, salvo melhor opinião e o devido respeito, não se pode concordar, por se mostrar demasiadamente frágil para excluir a verosimilhança da inocência do Arguido ora Recorrente.

25. Aliás, fundamenta a convicção do Tribunal de que o arguido terá encetado esforços no sentido de negociar o veículo dos autos - actuando assim como seu dono - o depoimento da testemunha E………., soldado da GNR, 26. O qual referiu em audiência que o Sr. H1………. terá dito a um colega seu que o Arguido lhe houvera proposto a troca de veículos, tudo em sede de conversas, mantidas entre polícias e H1………. por, inadvertidamente, o referido Sr. H………. ter reparado na presença do veículo dos autos no Quartel da GNR de Bragança, onde, por outro motivo se havia deslocado.

27. Andou bem o Tribunal quando não considerou o testemunho prestado pelo Sr. C………., não se compreendendo porque o não fez relativamente ao depoimento do Sr. E………. que igualmente relatou conversas mantidas informalmente com a testemunha.

28. Em bom rigor, dispõe o art. 129º do C.P.P. que não pode servir como depoimento aquele de que resultar o que se ouviu dizer a pessoas determinadas, excepto se tais pessoas forem chamadas a depor, ou se a sua inquirição não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.

29. Ora no caso vertente, o facto é que o tão referido Sr. H………., não foi ouvido em audiência de julgamento, não porque tenha falecido ou tenha passado a padecer de anomalia psíquica ou porque fosse impossível de localizar, mas porque, conforme resulta do Acórdão recorrido, se encontrará presentemente emigrado na Bélgica, conforme informação prestada, mas não confirmada, a fls. 510, conforme pág. 5 do Acórdão.

30. Ou seja, a testemunha faltosa em causa não se encontra em nenhuma das circunstâncias previstas na segunda parte do n.º 1 do art. 129º, 31. Ainda que se admita que o H1………. esteja efectivamente emigrado na Bélgica, tal não é, por si só, demonstrativo de impossibilidade da sua localização.

32. O depoimento de E………., na parte em que reproduz conversas mantidas, por mera casualidade, com o Sr. H………. e entre este e o seu colega C.......... é, pois, destituído de qualquer valor probatório, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 129° do C.P.P., sendo, pois, nula a sua consideração para efeitos de fundamentação da matéria de facto dada como provada.

33. Da transcrição da prova produzida em audiência, somos levados a concluir que o Acórdão recorrido padece de uma deficiente fundamentação da matéria de facto dada como provada, considerando que inexiste o exame crítico da prova que permite ficar a conhecer o processo lógico-mental que, ultrapassando as questões supra colocadas quanto à subsistência de dúvida relevante sobre os factos, conduziu o tribunal a dar como provados os factos constantes da acusação.

34. Pretende-se, pois, uma reapreciação da matéria de facto, 35. Isto porque, em concreto ocorre não só uma insuficiência da prova produzida com uma incorrecta valoração da mesma, logo, um erro notório na apreciação da prova, vício a que alude o art. 410°, n.º 2 al. c) do C.P.P.

36. O que se espera de V. Exas. é a verificação da coerência interna e da conformidade da decisão como tem afirmada...

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