Acórdão nº 0140385 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Outubro de 2001
Magistrado Responsável | MANSO RAÍNHO |
Data da Resolução | 10 de Outubro de 2001 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam em audiência na Secção Criminal da Relação do Porto: No tribunal da comarca de Santo Tirso (... Juízo Criminal) foi submetido a julgamento o arguido Manuel ....., melhor identificado nos autos, que vinha pronunciado pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelos artºs 11º do DL nº 454/91 e 218º, nº 2 a) do CP, ou pelo artº 11º, nºs 1 a) e 2 do DL nº 454/91, na redacção do DL nº 316/97.
A final foi proferida sentença que julgou procedente a pronúncia, sendo o arguido condenado, como autor de um tal crime, na pena de 200 dias de multa, à razão de 1.000$00.
Mais foi julgado procedente o pedido de indemnização que a assistente e demandante civil "X....., Lda" apresentou, sendo o arguido condenado a pagar a esta a quantia de 3.000.000$00, acrescida de juros.
É do assim decidido que vem interposto pelo arguido o presente recurso que, devidamente motivado, apresenta as seguintes conclusões:
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A sentença deu como provado que o arguido preencheu o cheque em questão por intermédio de seu pai, o que de todo ninguém pode aceitar que alguém preencha o que quer que seja por intermédio de alguém.
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Ou o arguido preencheu e entregou o cheque e é condenado ou não preencheu e não entregou e é absolvido.
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De resto é a própria assistente bem como a sua testemunha que dizem que não conhecem o arguido, bem como que dizem que lhe não forneceram mercadoria nenhuma, nem nada.
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O ónus da prova em sede criminal e acusatória incumbe tão só aqui ao assistente e à sua testemunha, sendo que estes, o que disseram foi que não conheciam o arguido, não sabem de nada do arguido, não negociaram nada com o arguido, não forneceram nada ao arguido, logo este deveria ter sido tão só absolvido.
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Além do mais, nem outra coisa seria de esperar, pois este não tem quaisquer antecedentes criminais.
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Não se encontram preenchidos os requisitos objectivos de punibilidade no cheque porquanto o arguido não preencheu nem entregou o cheque.
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Acresce que após a data deste cheque, 15/7/96, foi entregue à assistente uma letra de 2.541.823$00, letra essa que foi paga pelo Banco A à assistente, conforme se comprova dos avisos de reforma de despesas, e tanto foi que a assistente alegou o mecanismo da subrogação, ou seja, confirmou em audiência ter recebido.
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Tendo sido a própria assistente a dizer que descontou letras e reformou.
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E que a letra tem a data de 16/8/96, portanto é posterior ao cheque.
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Além disso foram entregues à assistente dois cheques, um de 1.417.885$00, sendo que um deles foi pago e devolvido ao pai do arguido e junto pelo arguido aos autos e outro não foi pronunciado conforme consta dos autos por ser pré-datado.
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A assistente não ficou com qualquer prejuízo e muito menos o invocado, factor que é fundamental para a absolvição do arguido por não verificação, também do artº 218º do CP.
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O que faz concluir que à assistente nunca foram entregues cheques senão pré-datados, e isso consta das declarações das testemunhas do arguido.
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O arguido foi condenado com base no nº 1 da a) do artº 11º do DL nº 454/91, sendo que o referido preceito refere expressamente "Quem ... emitir e entregar a outrem cheque..." e provado está na sentença que o arguido não emitiu nem sequer entregou, por isso deve ser absolvido.
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Devendo sê-lo também do pedido cível, já que a assistente não teve prejuízo.
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A sentença refere que existem contradições que abalam a credibilidade em alguns aspectos, não sabendo nem referindo quais e assim sendo in dubio pro reo.
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Por último a sentença considera haver alteração não substancial dos factos descritos na acusação e na pronúncia, sem dizer sequer quais, e sem dar oportunidade de defesa ao arguido, pelo que deve ser declarada nula.
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A sentença violou os artºs 29º, 30º, 32º e 208º da CRP e 358º, nº 2 e 374º do CPP e o constante do DL nº 316/97, que é aplicável na medida da descriminalização do cheque pré-datado e como lei mais favorável, bem como violou o artº 11º, nº 1 a) do DL nº 454/91.
Termina dizendo que deve ser declarada nula a sentença ou, a não entender-se assim, ser o arguido absolvido do crime que lhe é imputado, bem como do pedido cível.
**O digno Procurador-Adjunto respondeu ao recurso, concluindo pela respectiva improcedência.
O mesmo fez a assistente.
Nesta Relação o Exmo procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a sentença padece de nulidade, uma vez que nela se acolheu uma irregular alteração não substancial dos factos. Mas a não entender-se assim, tudo o mais alegado na motivação se revela claramente improcedente.
**Corridos os vistos e efectuada a legal audiência, cumpre apreciar e decidir.
São os seguintes os factos que a sentença recorrida indica como estando provados: 1. No dia 15 de Julho de 1996 e com essa mesma data, o arguido assinou, preencheu por intermédio do seu pai que entregou, nessa data e com a sua autorização, à assistente, "X.....,Lda", o cheque nº ....., sacado sobre a agência da Póvoa de Varzim do Banco B, no valor de esc. 3.000.000$00.
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Este cheque foi entregue em substituição de letras que haviam sido aceites pelo arguido, mas não pagas e entregues para pagamento de fornecimentos de malhas que aquela havia efectivamente efectuado.
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Apresentado a pagamento na agência do Banco A, veio o sobredito título devolvido por falta de provisão verificada em 18.7.96 no Serviço de Compensação do Banco de Portugal no Porto.
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O arguido actuou consciente e livremente, como propósito de assim causar à ofendida, como efectivamente causou, o correspectivo prejuízo patrimonial que ainda subsiste.
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Por outro lado, o arguido tinha perfeito conhecimento de que a sua conduta era proibida por lei.
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A assistente é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à comercialização de artigos de vestuário e tem instalações fabris na ..... .
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No exercício do seu comércio e para o comércio do demandado, a assistente vendeu àquele mercadorias.
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A assistente viu-se desfalcada no seu património dos produtos vendidos ao demandado e do respectivo valor.
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O arguido era empresário têxtil em nome individual.
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Actualmente o arguido exerce a profissão de gestor comercial, auferindo cerca de Esc. 70.000$00; a sua esposa é educadora de infância, auferindo cerca de Esc. 200.000$00 mensais; e tem um filho menor.
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O arguido tem como habilitações literárias o 12º ano.
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O arguido não tem antecedentes criminais.
Perante este conjunto de factos vejamos o mérito do recurso, tendo-se em atenção que é pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação que se determina o âmbito de intervenção deste tribunal a quem, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer [V. Ac do STJ de 3.2.99, BMJ 484, pág 271; Ac do STJ de 25.6.98, BMJ 478, pág 242; Ac do STJ de 13.5.98, BMJ 477, pág 263; Simas Santos/Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, pág 48; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág 320 e 321; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V, pág 362 e 363].
Liminarmente importa salientar que, contra o suposto pelo Exmo Procurador Geral-Adjunto, o recurso visa impugnar, não apenas a matéria de direito, mas ainda a de facto.
Que a impugnação dos factos também foi visada pelo recorrente, resulta claro designadamente do que se alega nos pontos 8, 14, 15, 21, 22, 35 e 39 da motivação.
À partida não há impedimento a essa impugnação, atento o disposto no nº 1 do artº 428º e 431º b) do CPP.
Também nos parece que, conquanto de forma algo confusa e incipiente, o recorrente não deixou de dar cumprimento ao disposto nas al. a) e b) do nº 3 do artº 412º do CPP.
Não deu porém cumprimento ao disposto no nº 4 desse preceito legal, mas a irregularidade (pois que de simples irregularidade se trata) daí adveniente não foi arguida e considera-se sanada, ademais em face do facto de se mostrar feita a transcrição de toda a prova por declarações produzida perante o tribunal recorrido.
Nada impede pois, a nosso ver, que se conheça de factum.
Mas aqui chegados, importa chamar a atenção para dois aspectos deveras importantes, que têm toda a aplicação ao presente recurso, e que são os seguintes: Primeiro: É certo, acaba de dizer-se, que in casu esta Relação conhece de factum (artºs...
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