Acórdão nº 0110030 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Junho de 2001

Magistrado ResponsávelCORREIA DE PAIVA
Data da Resolução13 de Junho de 2001
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Em Audiência, os Juízes do Tribunal da Relação acordam o seguinte : O ARGUIDO, MANUEL....., foi CONDENADO, como autor material, de 1 crime de dano, p.p. pelo art. 212.º-n.º 1, do CP, em 250 dias de multa, a 800$00, e foi ABSOLVIDO, por autoria material, de 1 crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p.p. pelos arts. 291.º-n.º 1-b), do CPenal.

Em RECURSO, o ASSISTENTE, FERNANDO....., alega as seguintes conclusões: Ficou demonstrado que o arguido em 08/08/98, pelas 11 horas, conduzia um veículo com motor pela via pública, violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária; Tribunal deu como não provado que o arguido, com o veículo que tripulava, haja obrigado o AX a entrar na Via Circular, com total indiferença pela segurança e integridade física quer do assistente, quer dos demais utentes da estrada, nomeadamente, dos condutores dos veículos que, na altura, circulavam pela referida Via; E ainda que o arguido bem sabia que ao arrastar o veículo do assistente, obrigando-o a entrar numa estrada com prioridade, podia provocar um choque de veículos, pondo, assim, em perigo a integridade física, quer do ofendido, quer de qualquer pessoa que, na altura, utilizasse a Via circular; Porém, é evidente que quando um veículo automóvel, conduzido por alguém, encosta a respectiva frente na traseira de um outro veículo, que se encontra parado à sua frente, e o empurra para o interior de uma via prioritária, cria um perigo para a vida ou para a integridade física de outrem; Isto porque o condutor do veículo arrastado pode guinar o volante deste para a esquerda e, desse modo, ser colhido por um veículo que circule em sentido contrário, ou guinar o volante para a direita e, dessa forma, cair num precipício ou atropelar um peão, ou até dada a diferença de peso entre o automóvel do arguido (um Jeep) e o do assistente (um ligeiro de passageiros), virando este, ainda que ligeiramente, à direita ou à esquerda, poderia, face ao empurrão que sofreu, capotar; Assim, atendendo, na apreciação da prova, às regras da experiência, aqueles factos deveriam ter sido dados como provados (artigo 127º do Código de Processo Penal); Também preenche o tipo "condução perigosa de veículo rodoviário" quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária e criar, deste modo, perigo para bens patrimoniais alheios de valor elevado; É manifesto que o arguido com a sua conduta criou perigo para um bem patrimonial alheio (o AX pertencente ao assistente) de valor elevado - artigo 202º-a), do Código Penal; Por todos os motivos expostos, é de concluir que o arguido com o seu comportamento preencheu o tipo "condução perigosa de veículo rodoviário", pelo que deveria ter sido punido pela prática daquele crime p. e p. pelo artigo 291º nº.1- b) do Código Penal; Dispõe o artigo 428º nº.2, do CPP, que a declaração referida no artigo 364º nº.1 e 2 do CPP vale como renúncia ao recurso em matéria de facto, sendo certo que nos termos do disposto no seu art. 410º nº.2-c), mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento o erro notório na apreciação da prova, desde que esse vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum; Ora, in casu, ocorreu erro notório na apreciação da prova, resultando o vício do texto da decisão recorrida conjugada com as regras da experiência comum, pelo que deverá o tribunal dar como provado: a)- O arguido obrigou o AX a entrar na Via Circular, com total indiferença pela segurança e integridade física quer do ofendido Fernando, quer dos demais utentes da estrada, nomeadamente os veículos que, na altura, circulavam pela referida Via; o arguido bem sabia que ao arrastar o veículo obrigando-o a entrar numa estrada com prioridade, podia provocar um choque de veículos, pondo assim em perigo a integridade física quer do ofendido, quer de qualquer pessoa que na altura utilizasse a Via Circular; Uma vez julgado procedente o presente recurso, deverá retirar-se como consequência dessa procedência a condenação do arguido no pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente (artigo 403º, nº.3 do CPPenal); Uma vez que o JZ foi utilizado pelo arguido para a prática de factos típicos (os integradores dos crimes p. e p. pelos artigos 212º nº.1 e 291º nº.1 alínea b) do Código Penal), tendo posto em perigo a segurança das pessoas e a ordem pública (pelos motivos acima referidos), isto com grosseira violação dos deveres que a um condutor incumbem (nos termos do CE), sendo, pelo exposto, o arguido considerado inapto para a condução de veículos motorizados, deve Tribunal decretar a perda do JZ a favor do Estado e a cassação da licença de condução do arguido (artigos 109º nº.1 e 101º nº.1-b) e nº.2-b), do CPenal); Mostram-se claramente violadas as normas dos artigos 127º do Código de processo penal, 101º nº.1 alínea b) e 2 alínea b), 109º nº.1 e 291º nº.1 alínea b) do CP.

CONCLUI: o recurso deve merecer provimento, devendo a sentença ser revogada, na parte afectada pelo presente recurso, e substituída por outra que: condene o arguido pela prática do crime p. e p. pelo artigo 291º nº.1 alínea b) do Código penal; Julgue provados os factos enunciados supra na conclusão 10ª, por recurso ao texto da decisão recorrida conjugado com as regras da experiência comum; Condene o arguido no pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente (artigo 403º nº.3 do Código de Processo Penal); Decrete a perda a favor do estado do veículo automóvel do arguido, ..-..-JZ; Decrete a cassação da licença de condução do arguido, P-....., emitida pela DGVPorto.

x Em RESPOSTA, o MP alega o seguinte: As considerações constantes da fundamentação da decisão impugnada são relevantes e demonstram, por si só, que o recorrente não tem razão quando reclama, na sua motivação, a condenação do arguido pela prática do crime previsto e punido pelo artº. 291º, 1, b) C.P.

Não se verificou no caso qualquer erro notório na apreciação da prova que resulta do texto da decisão recorrida conjugada com as regras da experiência comum.

Não se pode julgar como provada a materialidade constante do artigo 10º das conclusões do recorrente; esses factos ali articulados não resultaram provados.

Não é possível decretar o perdimento do veículo automóvel do arguido a favor do Estado, por não se verificarem os respectivos pressupostos legais, nem há fundamento para que se decrete a cassação da licença de condução.

O sistema consagrado no art. 127 CPP não deve definir-se, negativamente, pela ausência de regras e critérios legais predeterminantes do valor das provas, sendo que aquela regra não pode, por isso, ser interpretada no sentido de apontar para uma apreciação imotivável, incontrolável, e arbitrária da prova produzida, pelo que a apreciação da prova deve ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e não puramente subjectiva e emocional...

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