Acórdão nº 0011444 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Abril de 2001

Magistrado ResponsávelCOSTA MORTÁGUA
Data da Resolução18 de Abril de 2001
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Na comarca de ..... o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal singular, de 1. José .....; e, 2. ‘Confecções L....., Ldª.', com os sinais dos autos, imputando-lhes, quanto ao primeiro, a autoria material de um crime de abuso de confiança fiscal, sob a forma continuada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos, 24º, nº 1º, 29º, nº 1º, 6º, 7º-A, 9º, 11º e 12º, todos do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (RJIFNA), aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 394/93, de 24 de Novembro), 30º, nº 1º e 79º, do CP, aplicáveis subsidiariamente nos termos do artigo 4º do RJIFNA, sendo aquela sociedade responsável por tal crime face ao artigo 7º, nº 1º, e solidariamente pelo pagamento das multas e coimas em que o primeiro for condenado, face ao artigo 6º, nº 3º, ambos do RJIFNA.

A acusação foi, assim, recebida, em 26 de Outubro de 1999, tendo, no mesmo despacho judicial (artigos 311º a 313º, do CPP) - notificado aos arguidos (fls. 164/5) - sido, além do mais, designado dia para julgamento.

Não foi oferecida contestação.

Teve lugar a audiência de julgamento.

Na sentença, proferida em 16 de Outubro de 2000, foi declarado extinto, por prescrição, o procedimento criminal fiscal instaurado contra os arguidos, José ..... e ‘Confecções L....., Ldª.', e, por consequência, improcedente a acusação, entendendo-se que "a prática criminal ocorreu por cinco vezes e não na forma ficcionada de um crime continuado".

Inconformado o Ministério Público interpôs recurso.

Na motivação apresentada formula, no essencial, as seguintes conclusões: 1. O Mmº Juiz entendeu que a matéria de facto constante da acusação integra a prática de cinco crimes de abuso de confiança fiscal.

  1. Encontra-se provado que o arguido José, enquanto gerente de facto da arguida sociedade, declarou ter liquidado IVA relativo ao 4º trimestre de 1993 e do 1º ao 4º trimestre de 1994, aos clientes, tendo enviado à administração fiscal as respectivas declarações periódicas, respectivamente em 14.02.94, 13.05.94, 12.08.94, 15.11.94 e 15.02.95, sendo que não entregou nas mencionadas datas os montantes respectivos nem nos 90 dias posteriores ao envio.

  2. Daqui resulta existir a violação de um único tipo legal de crime, o do artigo 24º, do RJIFNA, pelo que é o mesmo o bem jurídico protegido, porém através de cinco resoluções criminosas, ou seja, em cada uma das datas em que o arguido enviou as declarações e nos 90 dias posteriores, o mesmo decidiu ir contra o preceito normativo e não proceder à entrega das quantias liquidadas. Há pois a realização plúrima do mesmo tipo de crime.

  3. Existe igualmente homogeneidade de execução - o arguido agiu em cada uma das resoluções criminosas com o mesmo modo de actuação, ou seja, declarou ter liquidado e não procedeu à entrega dos montantes respectivos e, por outro lado, em termos de sucessão temporal existe uma ligação, na medida que diz respeito a cinco declarações trimestrais seguidas, ou seja, relativas ao 4º trimestre de 1993 e aos quatro trimestres de 1994. Isto é, existe homogeneidade de execução.

  4. Assim como unidade do dolo e persistência de uma situação exterior que facilita a execução - está provado que a arguida sociedade atravessou dificuldades de tesouraria que lhe não permitiram o pagamento de todos os débitos, tendo o arguido José destinado parte das quantias cobradas a título de IVA e não entregues á administração fiscal a pagamentos a fornecedores e outros.

  5. Ora, é a manutenção desta situação de dificuldades de tesouraria e o facto de a administração fiscal só em Maio de 1995 ter dado início ao processo de averiguações por crime fiscal (fls. 27) que constitui a tal unidade do dolo, uma vez que todas as resoluções criminosas foram tomadas no âmbito do quadro fáctico referido e a manutenção de uma situação exterior. Isto é, a prática do primeiro acto sem punição e mantendo-se a situação de crise de tesouraria levou a que o arguido "caísse novamente em tentação", pelo que a pessoa é menos censurável por ter sucumbido à tentação.

  6. Estão pois preenchidos os elementos do crime continuado, nos termos do artigo 30º, nº 2, do Código Penal.

  7. Nos termos do artigo 118º, nº 2, al. b), do Código Penal de 1982 (antes da revisão de 1995), o prazo de prescrição nos crimes continuados só começa a correr desde o dia do último acto criminoso, sendo também este o critério usado após a revisão do Código Penal operada em 1995, como resulta do artigo 119º, nº 1, al. b).

  8. Nos termos do artigo 15º, do RJIFNA, o procedimento criminal por crime fiscal extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do mesmo sejam decorridos cinco anos.

  9. Estabelece por seu lado o artigo 5º, nº 2, do RJIFNA, que tratando-se de infracções fiscais omissivas, estas consideram-se praticadas na data em que termine o prazo para o respectivo cumprimento.

  10. Sendo assim, o prazo de prescrição quanto ao crime em causa nos presentes actos começou a contar deste a prática do último acto ou omissão, ou seja, desde 15 de Fevereiro de 1995 e terminaria em 15 de Fevereiro de 2000, a não ser que dentro desse prazo ocorra uma causa de interrupção ou suspensão da prescrição.

  11. Os arguidos foram notificados do despacho de recebimento de acusação e designação de data para julgamento em 26 de Outubro de 1999.

  12. Contudo o regime a aplicar ao caso é o do momento da prática dos factos, ou seja, o do Código Penal de 1982, antes da revisão de 1995, entendendo o Mmº. Juiz que não se verifica á luz desta lei qualquer causa de interrupção ou suspensão da prescrição.

  13. Também face ao Código Penal de 1982 se verifica no caso uma causa de interrupção da prescrição, que é a da al.c), nº 1 do artigo 120º do Código Penal de 1982, ou seja, a notificação do despacho de pronúncia ou equivalente.

  14. O despacho que designa dia para audiência de julgamento deve-se ter por equivalente ao despacho de pronúncia do Código de Processo Penal de 1929.

  15. Aplicando o Código Penal de 1982, por ser o vigente à data dos factos, verifica-se a causa de interrupção prevista na al. c) do nº 1 do artigo 120º do Código Penal de 1982, uma vez que como defendemos o despacho que designa dia para audiência de julgamento tem-se por equivalente ao despacho de pronúncia dos artigos 390º e 391º do Código de Processo Penal de 1929.

  16. Assim sendo, a interrupção implica que novo prazo de prescrição comece a correr desde a data da interrupção, nos termos do nº 2 do citado artigo 120º do Código Penal de 1982.

  17. Com o despacho que designa audiência para julgamento, verificou-se igualmente a suspensão do procedimento criminal, pelo que até decorrer o prazo previsto no artigo 119º, nº 2 do Código Penal de 1982 não começa a correr novo prazo de prescrição.

  18. Pelo exposto, não se encontra ainda prescrito o procedimento criminal.

  19. Caso a Relação entenda que a matéria dos autos não configura um crime continuado, mas antes a prática de cinco crimes, como entende o Mmº. Juiz, sempre se terá que dizer em atenção ao atrás exposto que os dois últimos crimes, ou seja, os praticados em 15 de Novembro de 1994 e 15 de Fevereiro de 1995, ainda não estão prescritos.

  20. De facto, se à data do despacho de recebimento da acusação, em 26 de Outubro de 1999, já tinha...

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