Acórdão nº 0120083 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Março de 2001

Magistrado ResponsávelAFONSO CORREIA
Data da Resolução20 de Março de 2001
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na Relação do Porto F....., casado, administrador de empresas, residente na R. ....., no ....., intentou acção especial de apresentação de documentos contra R....., casado, administrador de empresas, residente na Av. ....., no ....., pedindo a designação de dia, hora e local para o requerido apresentar todas as actas das assembleias gerais da actual E.T.E., Lda. (ex-S.....), relativamente aos anos de 1985 a 1997, para apurar como ocorreu a transformação da sociedade, bem como cópia das convocatórias para aquelas assembleias gerais, respeitantes ao Autor, depois da transformação, ainda que recebidas pelo requerido como mandatário do A., e, ainda, os balanços relativos aos últimos treze anos.

Para tanto e em síntese, alegou o requerente que, por instrumento de 3 de Dezembro de 1985, nomeou o requerido seu representante, na qualidade de accionista, para intervir nas assembleias gerais da E.T.E., S.....; que esta empresa integra com outras empresas um "conglomerado" de situações altamente lucrativas, porquanto são credoras umas de outras, participadas umas por outras, sediadas umas noutras e em conjunto lideradas pelo requerido; que, apesar disso, foi apresentado, em 1992, um plano de recuperação de empresas; que quando o requerente pretendeu tomar conhecimento do andamento dos negócios e das deliberações tomadas, veio a ser informado, em Julho de 1997, que a sociedade de que era accionista se transformara em sociedade por quotas já desde 30 de Outubro de 1986, tendo a sua participação de 409 acções, no valor de 409000$00, sido convertida numa quota de 1.269. 000$00; que o A. nunca foi convocado para intervir nas assembleias, ordinárias ou extraordinárias, da sociedade por quotas; que, apesar de solicitações escritas e telefónicas, a sociedade não prestou informações do que se passara durante os 13 anos decorridos; que requereu notificações judiciais avulsas do requerido, gerente da sociedade, em 11 e 25 de Fevereiro de 1998, mas este não apresentou os documentos solicitados; e que o requerido, como mandatário do A., tem a obrigação de lhe prestar as informações que ele peça, comunicar a execução do mandato e prestar contas, nos termos do art. 1161º do Cód. Civil.

O requerido deduziu contestação, na qual e em síntese, alegou que o ora requerente se apresentou na assembleia geral da E.T.E., S....., efectuada em 29 de Março de 1985 e votou contrariamente à aprovação do relatório, balanço e contas relativas ao exercício de 1984, tendo posteriormente instaurado no Tribunal de ..... um acção de impugnação das respectivas deliberações sociais; que, entretanto, se chegou, nessa acção, a um acordo, em 27/11/85, no qual o requerente reconheceu serem válidas e eficazes as deliberações que impugnara; que, subjacente a esse acordo, houve um outro, segundo o qual o requerente vendeu ao requerido, por 70.000 contos, todas as acções próprias e de familiares, advogados e consultor, detidas, quer na E.T.E., S....., quer na F.T.O.F., S.A.; que, por essa ocasião, o A. entregou as acções ou passou os necessários documentos; que, porém e relativamente a parte das acções da E.T.E., o A. invocou um compromisso de honra que o impedia de tornar pública a transmissão das posições sociais enquanto fosse vivo o accionista a quem adquirira os títulos; que, a fim de ultrapassar essa dificuldade, os advogados do requerente e requerido gizaram uma procuração do requerente ao requerido, conferindo a este, "de forma irrevogável e no interesse do próprio mandatário, poderes especiais para o representar como accionista nas assembleias gerais da E.T.E., S....., como melhor entender"; que é justamente dessa procuração que o requerente se pretende agora fazer valer, quando na altura até se comprometera, sob palavra de honra, a não mais comparecer em qualquer assembleia daquela sociedade, o que não deixou de respeitar durante os últimos 13 anos; que, por isso, só formalmente o requerente continua a deter participação no capital da sociedade, constituindo a sua pretensão um abuso de direito.

Instruída e discutida a causa, o Tribunal recorrido entendeu provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos [Ver, a fs. 9, alteração dos n.os 8 e 9 e acrescentamento de outra factualidade]: 1 - Em 3 de Dezembro de 1985, o requerente outorgou a "procuração" junta a fs. 293, constituindo o requerido seu procurador e conferindo-lhe, de forma irrevogável e no interesse do próprio mandatário, poderes especiais para o representar como accionista nas assembleias gerais da E.T.E., S....., a fim de nelas discutir e votar como melhor entender.

2 - A referida empresa integra um "conglomerado" com outras sociedades, como a F.T.O.F., S.A., a F.T.O.F.-C., Lda., e a T.C.T., Lda., detendo umas participações, créditos e instalações noutras.

3 - As sociedades do grupo apresentaram-se, em 1992, a um processo especial de recuperação, em virtude de diversas e avultadas dívidas, relacionadas a fs. 19 a 30 (E.T.E.), a fs. 33 a 53 (F.T.O.F., S.A.) e a fs. 55 a 62 (F.T.O.F.C., Lda).

4 - A E.T.E., S....., foi, por escritura de 30/10/86, transformada em sociedade por quotas, tendo as 409 acções detidas pelo requerente ficado convertidas numa quota de 1.269.000$00.

5 - Em 1985, o ora requerente intentou uma acção, no Tribunal de ....., a impugnar deliberações sociais da E.T.E., S....., mas tal acção veio a terminar por acordo, em 27/11/85, no qual o requerente reconheceu serem válidas e eficazes as deliberações que impugnara.

6 - Subjacente a esse acordo, houve um outro, segundo o qual o requerente vendeu ao requerido, pelo valor global de 70.000 contos, todas as acções detidas no capital, quer da E.T.E., S....., quer da F.T.O.F., S.A..

7 - Nesse acordo foram abrangidas, não só as acções de que A. era titular, mas também as de que eram possuidores ou se encontravam em nome de familiares, advogados e consultor.

8 - Por essa mesma ocasião, o A. entregou as acções correspondentes a todas essas participações sociais ou passou os necessários documentos.

9 - Porém e relativamente a parte das acções da E.T.E., S...., o requerente invocou um compromisso de honra que o impedia de tornar pública a transmissão das acções, enquanto fosse vivo o accionista a quem adquirira os títulos.

10 - Para ultrapassar essa dificuldade, os então advogados do requerente e requerido minutaram a procuração irrevogável que o requerente veio a outorgar em 3/12/85.

11 - Na mesma ocasião, o A. comprometeu-se, sob palavra de honra, a não mais comparecer em qualquer assembleia daquela sociedade, o que não tem deixado de cumprir durante os últimos anos.

12 - Concomitantemente, o A. deixou de ser convocado para intervir nas assembleias, ordinárias ou extraordinárias, da sociedade.

13 - Porém, desde fins de 1997, o requerente passou a solicitar informações e elementos sobre a sobre as assembleias, convocatórias e balanços da sociedade, conforme cartas documentadas a fs. 65 a 68; e em 11 e 25 Fevereiro de 1998, solicitou notificações judiciais avulsas do requerido, documentadas a fs. 7 a 16, para exibir as actas das assembleias gerais da actual E.T.E., Lda., relativamente aos anos de 1986 a 1997, cópias das convocatórias do A. para as assembleias, ainda que recebidas pelo requerido como seu mandatário, e dos balanços relativos aos últimos cinco anos.

14 - Tais solicitações não têm sido satisfeitas, quer pela sociedade, quer pelo requerido.

Depois de fundamentar esta decisão na análise dos documentos juntos e nos depoimentos de parte e testemunhais prestados, com especial destaque para o depoimento da testemunha Dr. D...... que foi o advogado do requerido que, em conjunto com o do requerente, minutaram a procuração em causa, tendo explicado os antecedentes do acordo de fins de 1985, o teor desse acordo e que a procuração foi a forma encontrada para transmitir a posição social do requerente sem que isso chegasse ao conhecimento de um anterior accionista, o que o requerente não pretendia, tudo tendo sido feito no pressuposto de que, com a morte do anterior accionista, o requerente cederia definitivamente a sua posição social ao requerido, mais deixou dito o Ex.mo Juiz: A circunstância de, depois do acordo de 27/11/85, aparecerem acções da E.T.E. detidas por empresas dominadas pelo requerente, conforme se alcança dos documentos juntos por este em audiência de julgamento, não invalida a anterior prova, já que se trata de acções ao portador, sendo a identidade do respectivo portador eventualmente desconhecida do requerido, e já que tais acções aparecem depositadas numa instituição bancária depois do sobredito acordo, conforme resulta dos documentos igualmente juntos, em resposta, pelo requerido na última sessão de julgamento e referente às sociedades S..... e T..... .

Com base nestes factos, o Ex.mo Juiz julgou a acção de todo improcedente com um triplo fundamento: - estamos perante uma procuração, negócio jurídico unilateral, e não face a um mandato, negócio jurídico bilateral que envolve obrigações para a parte aceitante, o mandatário, vinculação do requerido que aqui não ocorreu, nem sequer por forma tácita; - ainda que verdadeiro mandato existisse era ele nulo por simulado, visto que a declaração negocial expressa pelo requerente na procuração passada a favor do requerido não corresponde à real vontade das partes.

O que o requerente e requerido visaram, com a procuração irrevogável junta aos autos, foi: o primeiro, vender as acções que detinha na E.T.E.; e o segundo, comprar essas mesmas acções.

Apenas optaram por declarar algo diverso para que o accionista de quem o requerente adquirira os títulos não soubesse da venda ao ora requerido.

É certo que o reconhecimento dessa nulidade depara, no caso dos autos, com a limitação probatória do art. 394º, nº 1 e 2, do Cód. Civil, pois a procuração em causa é um documento particular, autenticado por notário, e, como tal, a prova do acordo simulatório e do negócio dissimulado (a compra e venda das acções) não poderia ser obtida por testemunhas.

Mas, tal...

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