Acórdão nº 0050652 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Novembro de 2000

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução13 de Novembro de 2000
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: 1. José........ demandou Álvaro........ e o Banco............. (então, Banco ...........), pedindo que os RR fossem condenados a pagarem-lhe (ou o 2º R. a repor na conta de depósito à ordem aberta em nome dele, na agência de ........) a quantia em numerário de Pte. 3 100 000$00, acrescida de juros legais, contados da data em que o referido montante foi debitado na conta em causa, 98.01.14, até à data do pagamento efectivo (ou reposição).

  1. Alegou em síntese: (a) É dono e legítimo portador do cheque nº ..., 97.12.30, no montante da quantia do pedido, sacado pelo R. Álvaro... sobre o .../......; (b) Tal cheque foi preenchido pelo 1º R. e entregue ao A. para pagamento do preço de dois prédios urbanos; (c) Depositou-o então na conta que ele A. tinha aberta no banco - 2º R., dentro do prazo legal de apresentação, i. é, 98.01.07, e foi creditado nela o montante respectivo; (d) Todavia, em 98.01.14, o ..., alegando revogação do cheque pelo R. Álvaro..., estornou a quantia e devolveu o cheque ao A., apondo-lhe, no verso, a nota cheque cancelado; (e) Simultaneamente emitiu uma nota de débito do mesmo montante, que notificou ao A., acto consumado; (f) Mas, não tinha sido autorizado a emiti-la, nem o A. rubricou a dita nota; (g) Por outro lado, o R. Álvaro... dera a instrução de revogação, em 97.12.29; (h) Ora, nos termos do art. 32º LUC, a revogação só produz efeitos depois do fim do prazo de apresentação; (i) Por sua vez, o R. Álvaro..., ao emitir a instrução de revogação do cheque, ainda que não respeitando o prazo da lei, não tinha para isso qualquer fundamento, nem de facto, nem de direito; (j) Tendo pretendido apenas eximir-se ilegitimamente da obrigação que assumiu perante o A.

  2. Na contestação disse o 1º R.: (a) O A. não estava autorizado a apresentar a pagamento o cheque em causa, que representava apenas garantia do pagamento do preço de uma transacção imobiliária, titulada por contrato promessa que não cumpriu; (b) Notificou-o, por carta registada com a/r, de que já não lhe interessava o negócio; (c) Por conseguinte, o A. deveria ter-lhe devolvido o cheque, em vez de o ter posto em circulação.

  3. E o 2º R. acrescentou que o montante lançado a crédito na conta do A. o foi por mero lapso do balcão, contrariando a revogatória do cheque, ordem do 1º R., a qual já tinha aceite, circunstância fundadora de improcedência.

  4. Ficou provado: (a) O A. e o R. Álvaro... são clientes do Banco... Portugal/.............; (b) O A. é portador do cheque nº ..., 97.12.30, no montante de Pte. 3 100 000$00, sacado pelo R. Álvaro... sobre o então ... (hoje, ... Portugal), conta nº ..., de que ele é titular, na agência de ...........; (c) Tal cheque foi preenchido pelo R. Álvaro... e entregue ao A.; (d) Em 98.01.07, o A. depositou o cheque em questão numa conta dele, aberta no banco R., agência de ......., com o nº ...; (e) O balcão do banco R. creditou na conta do A. a quantia de montante do cheque referido, nesse dia 98.01.07; (f) Em 98.01.14, o banco R., alegando revogação do cheque pelo R. Álvaro..., retirou da conta do A. a sobredita quantia de pte. 3 100 000$00, e devolveu-lhe o cheque, apondo-lhe, no verso, a nota cheque cancelado; (g) Para fundamentar a retirada da quantia de montante desse cheque, da conta do A., o banco R. preencheu uma nota de débito de igual montante; (h) Nessa nota de débito, o banco R. apôs, no campo destinado à autorização do titular da conta, a rubrica que nela consta, sem autorização do A.; (i) O R. Álvaro... dera instruções escritas ao banco R., em 97.12.29 de revogação do dito cheque; (j) Instruções essas que o banco aceitou; (k) A conta do A. esteve creditada pelo montante de Pte. 3 100 000$00 de 98.01.07/14; (l) O cheque em causa destinava-se a pagar a quantia acordada entre o A. e o R. Álvaro... pela transacção de dois imóveis, na sequência de contrato promessa, celebrado pelos mesmos, em 97.06.27; (m) Devendo porém a quantia do montante do cheque ser paga na data da celebração da escritura, a realizar até finais 12.97; (n) O cheque exibe, no verso, um carimbo com a seguinte inscrição: devolvido por cheque cancelado; ............; ...- Banco...... , seguida de duas assinaturas ilegíveis; (o) O Banco........, aceitou a ordem de revogação escrita dada pelo R. Álvaro..., em 97.12.29; (p) O banco R., por lapso, lançou a crédito, e disponibilizou na conta do A., o correspondente em numerário ao montante do cheque em questão; (q) Tal montante nunca foi porém debitado na conta do R.

    5.1 A convicção dos julgadores formou-se a partir do original do cheque, junto pelo A.; das notas bancárias que ao movimento deste dizem respeito; de comunicação do 1º R., cliente do banco, para cancelamento; e do texto do contrato promessa; mas, no fundamental, a partir do depoimento do gerente do balcão de ............ que confirmou as operações bancárias efectuadas, reconhecendo tudo ter ficado a dever-se a um lapso do banco que, no prazo disponível (24 horas), não anulou o saldo contabilístico constante da conta do A. (e após a inscrição a crédito do montante do cheque), permitindo assim que tal montante ficasse consolidado como saldo superavit.

  5. Com base na matéria dada como assente, a sentença recorrida absolveu o 1º R. do pedido e condenou o banco recorrente; também como litigante de má-fé: (a) O banco não tem qualquer direito de crédito sobre o A.; e mesmo que o tivesse, não podia exercer a compensação desse crédito, debitando sem mais a conta do devedor; (b) Por virtude da transferência da propriedade do dinheiro para o banco é este quem responde em casos de extravio ou outra anomalia: o crédito do depositante mantém-se intacto; (c) Se o lapso apontado não cria qualquer direito de crédito sobre o titular da conta creditada, também não o criará, em princípio, sobre o titular da conta a debitar (1º R.): como regra, o pagamento feito pelo devedor (o banco), a terceiro, sem o consentimento do credor (o depositante), é irrelevante; (d) A acção proposta circunscreve-se porém ao incumprimento de um dever decorrente do contrato de depósito, pelo que o direito que o A. vem exercer (ao exigir a reposição do montante indevidamente retirado da conta dele) tem como sujeito passivo único o próprio banco: a intervenção do 1º R., titular da conta a debitar, é de todo estranho ao âmbito contratual desta acção; (e) Ao retirar dinheiro da conta do cliente, aqui A., o banco R., executou uma operação bancária para qual não estava mandatado nem autorizado; (f) Ora, os contratos são para cumprir, e para cumprir dentro dos parâmetros da boa-fé (arts. 227º e 762º CC); (g) E se os princípios da boa-fé e da confiança presidem à formação e execução de todos os contratos, relativamente aos contratos bancários mais se acentuam tais exigências… , impondo-se que os deveres de lealdade e de probidade assumam aí muito maior peso do que na generalidade dos contratos; (h) Daí que seja legítimo esperar, em aspectos delicados como os da acreditação de assinaturas ou do cumprimento de ordens de revogação de cheques, que estas entidades se façam representar por funcionários devidamente preparados; (i) Como legítimo é esperar, perante lapsos e indícios decorrentes de um normal funcionamento, que os bancos saibam assumir em tempo as suas responsabilidades; (j) O peso e a credibilidade das instituições de crédito não se compagina pois com a postura arbitrária da agência do R. no momento em que efectuou a retirada do numerário da conta do A.; (k) Mas menos se compagina com a postura processual assumida neste caso… a todos os títulos censurável (art. 456º CPC).

  6. Concluiu o recorrente: (a) Não ocorreu violação de um dever decorrente do contrato de depósito; (b) É que não chegou a existir depósito irregular; (c) Para ter ocorrido um depósito irregular (que remete para as normas do mutuo), teria que ter havido transferência do numerário, inserto no cheque, para o banco; (d) Ora, tal não sucedeu; (e) Com efeito, a conta do sacador nunca foi debitada; (f) Logo, não aconteceu transferência da propriedade do respectivo numerário, pelo que o Ap.o não se tornou credor do Ap.e; (g) Acresce que o Ap.o é dono e legítimo portador do cheque em questão; (h) Facto que confirma a impossibilidade de ter ocorrido transferência de dinheiro da conta do sacado para o beneficiário do cheque (Ap.o); (i) Contrariamente ao que defende o Tribunal recorrido, o depositante não tem o domínio sobre a coisa objecto de depósito irregular: se assim fosse, o risco pelo perecimento correria por conta do depositante; (j) E, como se sabe, com a transferência da propriedade do dinheiro, o risco pelo perecimento corre por conta do banco depositário; (k) Por outro lado, o sacador do cheque (co-R.) deu ordem de revogação do mesmo, tendo-a aceite o Ap.e; (l) Em parte alguma, e bem (tendo em conta o que ensina a melhor doutrina), o Tribunal recorrido censura a aceitação da ordem de revogação; (m) Todavia, não retirou daí a correspondente consequência, ou seja: o cheque não poderia ser pago; (n) Pelo contrário, parece entender que o Ap.e devia ter pago o cheque , apesar de aceite a ordem de revogação dada pelo sacador; (o) É que, só de acordo com esta perspectiva se percebe que o Tribunal recorrido tenha concebido que ocorreu um depósito irregular; (p) Mas está dado como provado que o crédito na conta do Ap.o se deveu a um lapso do banco, e que a conta do sacador nunca foi debitada; (q) Apesar disso, o tribunal recorrido condenou o Ap.e na indemnização pedida, e em 10 unidades de conta, como litigante de má-fé; (r) Ao decidir como decidiu, deu porém guarida ao abuso de direito; (s) Na verdade, nos termos da promessa de compra e venda, outorgada entre o Ap.o (promitente vendedor) e o co-R. Álvaro... (promitente comprador), o cheque em causa só poderia ser apresentado a pagamento no dia da celebração da escritura; (t) Acontece que a escritura se não realizou, e que dos autos não resulta que tenha sido resolvida a promessa, com possibilidade de...

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