Acórdão nº 516/10.0GCFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelFERNANDO RIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução21 de Junho de 2011
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, precedendo conferência, na 2.ª Secção Criminal da Relação de Évora: I – Relatório 1 – No Processo com o n.º acima mencionado do 1.º Juízo Criminal de Faro, o Ministério Público requereu em processo sumaríssimo a aplicação ao arguido MF, melhor identificado a fls. 32, da pena de 60 dias de multa, à taxa diária de €8,00, o que perfaz a multa de €480,00, com base na imputação de factos que, no seu entendimento, integram a prática de um crime de detenção de estupefacientes para consumo pessoal, p. e p. pelo art. 40.º, n.º2, do DL 15/93, de 22 de Janeiro.

Remetido o processo à distribuição, a Sr.ª Juíza proferiu despacho rejeitando o requerimento do Ministério Público, por o julgar manifestamente infundado, em conformidade com o disposto nos art. 395.º, n.º 1, al. b) e 311.º, n.º 3, al. d), ambos do C.P.P., por entender que os factos dele constantes não integram a prática do crime acima mencionado, sendo apenas susceptível de integrar a prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelo art. 2.º, n.º1 e 2, da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, determinando, em consequência, o arquivamento dos autos e a extracção de certidão do processado e o respectivo envio à Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência territorialmente competente.

2 - O Ministério Público não se conformou com o teor deste despacho, dele interpôs recurso apresentando motivação, da qual, se extrai as seguintes conclusões: 1.ª) O Ministério Público requereu, em processo sumaríssimo, a aplicação de uma pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 8 (oito euros), o que perfaz a quantia de € 480 (quatrocentos e oitenta euros) a MF, pela prática de factos que consubstanciam o crime de detenção de estupefacientes para consumo pessoal, p. e p. pelo artigo 40°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n. º 8/2008, de 25 de Junho de 2008; 2.ª) A Mm.ª Juíza do Tribunal a quo rejeitou, em definitivo, o requerimento apresentado por considerar que o mesmo é manifestamente infundado, nos termos do artigo 395°, n.º l, alínea b), por referência ao artigo 311º, n.º3, alínea d), ambos do Código de Processo Penal, porquanto, em seu entender, os factos nele descritos não constituem crime, dado que não se extrai do requerimento que o arguido detinha haxixe para consumo próprio em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias; 3.ª) Para fundamentar a sua decisão, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo refere que dos relatórios de exame das substâncias apreendidas efectuados pelo Laboratório de Polícia Científica não consta a quantificação do respectivo princípio activo, mas tão só o peso líquido da substância estupefaciente examinada, sem indicação dos respectivos componentes, o que faz com que a quantidade de cannabis alegadamente detida pelo arguido não exceda a quantidade média individual para o consumo durante dez dias, pelo que a sua conduta apenas é susceptível de integrar a contra-ordenação de consumo, prevista e punida pelo artigo 2°, n.ºs l e 2 da Lei n. °30/2000, de 29 de Novembro; 4.ª) Apesar da redacção pouco clara dos preceitos legais, entendemos que, uma vez que a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo arquivou o procedimento, uma interpretação conjugada dos artigos 395º, n.º l, 1.ªparte e n.º4, e 399º do Código de Processo Penal, o Ministério Público tem legitimidade para recorrer daquele despacho, nos termos gerais, porque falta a cumulativa do reenvio e porque se trata de despacho que põe termo ao processo e não está prevista a sua irrecorribilidade; 5.ª) Salvo o devido respeito e melhor opinião, a jurisprudência dos tribunais superiores que estabeleceu e definiu as quantidades médias para o consumo individual diário não é atendível uma vez que tais parâmetros foram criados precisamente antes da entrada em vigor do Mapa Anexo a que se referem os artigos 9° e 10° da Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, sendo baseados em regras da experiência comum, quando o aplicador da lei não possuía os critérios definidos por aquele diploma legal; 6.ª) Ainda que se aceitem as objecções realçadas na decisão recorrida, por não constar do relatório do exame pericial ao produto estupefaciente apreendidos a quantificação do respectivo princípio activo, porquanto tal indicação seria importante à face dos citados artigos 10.º e mapa anexo à Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, as mesmas não legitimam a conclusão da impossibilidade da utilização e aplicação do mapa em referência e a respectiva substituição pelo critério jurisprudencial; 7.ª) Perante um exame pericial, efectuado pelo Laboratório de Polícia Científica, no qual é indicado o peso líquido do produto estupefaciente apreendido, mas onde não consta a percentagem de princípio activo, o juiz não pode rejeitar o requerimento para aplicação de pena não privativa da liberdade em processo sumaríssimo, por o mesmo ser manifestamente infundado, na medida em que os factos indicados na acusação não constituem crime; 8.ª) Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º15/93, de 22 de Janeiro, para a quantificação da quantidade suficiente para satisfazer o consumo médio individual do produto estupefaciente, o legislador optou por um critério objectivo-quantitativo mitigado, ou seja, o julgador parte de valores objectivos, os quais correspondem à média dos consumos mais frequentes, mas deve tomar em consideração as circunstâncias do caso concreto; 9.ª) O juízo sobre a suficiência ou insuficiência do montante referente ao consumo médio diário constante da Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, presume-se subtraído à livre convicção do julgador e qualquer divergência deverá ser devidamente fundamentada, tornando claro que o valor probatório do relatório de exame pericial que se encontra junto aos autos terá sempre de ser apreciado, em sede de julgamento, em conjunto com outros elementos probatórios e sempre sujeito aos princípios do contraditório, da oralidade, da imediação e da investigação; 10.ª) O Tribunal não pode, ab initío, considerar que os factos não constituem crime e, assim, rejeitar o requerimento para aplicação de pena não privativa da liberdade em processo sumaríssimo nos mesmos termos em que rejeitaria uma acusação manifestamente infundada, pois aquele só caberia neste conceito se, por forma clara e evidente, fosse desprovido de fundamento, seja por ausência de factos que a suportem, por a insuficiência de indícios ser manifesta e ostensiva, no sentido de inequívoca, indiscutível, fora de toda a dúvida séria, seja porque os factos não são subsumíveis a qualquer norma jurídico-penal, constituindo a designação de julgamento flagrante violência e injustiça para o arguido, em clara violação dos princípios constitucionais; 11.ª) Existem inúmeras decisões dos tribunais, tanto de 1.ª instância, como de Tribunais superiores, em que o exame pericial constante dos autos não contém a quantificação do princípio activo ou o grau de pureza do produto estupefaciente, isto em casos em tudo semelhantes ao dos presentes autos, nos quais o arguido é acusado da prática de factos que consubstanciam o crime de consumo de estupefacientes; 12.ª) A circunstância de, durante o inquérito, não ter sido realizado exame para determinar qual a percentagem do princípio activo presente no estupefaciente detido pelo arguido não transforma, no caso concreto, a acusação em manifestamente infundada, nem os factos deixam por esse facto e automaticamente de constituir crime; 13.ª) No caso dos presentes autos, entendendo que o resultado do exame pericial realizado à substância estupefaciente apreendido é insuficiente para condenação do arguido, por falta da quantificação do respectivo princípio activo, o juiz deve indagar junto do arguido qual a quantidade que o mesmo consome por dia e estabelecer uma média própria para aquele indivíduo, a apreciar criticamente, à luz das regras da experiência comum; e/ou ordenar a renovação da perícia, a fim de apurar essa quantidade, nos termos do disposto no artigo 158°, n.º1, alínea b) do Código de Processo Penal; 14.ª) Para o fazer, o processo tem, necessariamente, de ser remetido para a forma comum: se a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo rejeita o requerimento para aplicação de pena não privativa da liberdade em processo sumaríssimo por aqueles motivos, não deve considerar que os factos não constituem crime, mas sim que não foram indicadas as provas que fundamentam a acusação, nos termos do artigo 311.º, n.º3, alínea c) do Código de Processo Penal, por remissão do artigo 395°, n.º l, alínea b) do mesmo diploma legal e, assim, ordenar o seu reenvio para a forma de processo comum; 15.ª) Se é o próprio despacho judicial ora recorrido que sublinha, e bem, que os produtos estupefacientes adquiridos pelos consumidores finais não se encontram, as mais das vezes, no seu estado puro, sendo objecto de cortes e misturas, e que não consta nos relatórios de exame das substâncias apreendidas efectuados pelo Laboratório da Polícia Científica a quantificação do respectivo princípio activo, não pode considerar, mais adiante, que a quantidade de produto estupefaciente detida pelo arguido é apenas susceptível de integrar a referida contra-ordenação, dado que o critério que separa o ilícito criminal do ilícito contra-ordenacional assenta nos mesmos princípios e o princípio da legalidade não é mitigado quando se transita de um patamar punitivo para o outro; 16.ª) Ao decidir pela rejeição do requerimento de aplicação de pena não privativa da liberdade em processo sumaríssimo com base num meio de prova indicado no mesmo e que sustentou esse despacho final, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 158º, n.º2, alínea b), 163°, 311°, n.º 2, alínea a), e n.º3, alínea d), 395°, n.º 1, alínea b) e n.º3, todos do Código de Processo Penal e artigos 40°, n.º 2, e 71° do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

Face ao exposto, deve o despacho judicial recorrido ser revogado e substituído por outro, que rejeite o...

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